São Paulo, quarta, 24 de março de 1999

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Novas fotos derrubam a versão oficial do caso PC


Imagens mostram Suzana, de salto, menor que PC

Erro na altura invalida cálculos sobre trajetória de bala



MÁRIO MAGALHÃES
enviado especial a Maceió


Fotografias obtidas pela Folha derrubam as conclusões do inquérito policial que investigou a morte do empresário Paulo César Farias e de sua namorada Suzana Marcolino da Silva, na madrugada de 23 de junho de 1996.
Tesoureiro do ex-presidente Fernando Collor em campanhas políticas, PC Farias foi assassinado aos 50 anos na sua casa de praia em Guaxuma, bairro a 8 km do centro de Maceió (AL). Ao seu lado, também com um só tiro, foi encontrado o corpo de Suzana, 27.
O médico legista Fortunato Badan Palhares afirma no laudo oficial e em carta anexada posteriormente que a namorada era 4 cm maior do que PC (1,67 m contra 1,63 m), o que as imagens agora descobertas desmentem -mesmo de salto alto, ela continuava menor, indicando altura inferior a 1,60 m. Ontem, ele reafirmou suas conclusões à Folha.
Com esse tamanho, é fisicamente impossível que Suzana tenha se suicidado conforme sustenta a versão oficial.
A bala a teria atingido na cabeça ou passado sobre um ombro, e não no peito, como ocorreu.
Nos autos, Badan originalmente registrara a altura de PC (na folha 699), mas não a de Suzana. Essa lacuna foi um dos motivos que levaram a promotora Failde Mendonça a pedir à Justiça um laudo alternativo em 1997.
Na simulação das mortes, porém, a equipe de Badan Palhares definiu a altura de Suzana em 1,67 m. Segundo o próprio legista, estando errada a altura, todas as conclusões estão comprometidas (leia a frase nesta página).
A necropsia de Suzana foi documentada em vídeo, com áudio. Em nenhum momento qualquer integrante da equipe ditou a altura dela para ser anotada.
Na mesa metálica em que o cadáver foi deitado há uma marcação de distância, centímetro a centímetro. Quando reafirmou à Justiça a altura de Suzana em 1,67 m, Badan apresentou três fotos.
A primeira, batida no sentido dos pés para a cabeça, mostra o corpo encostado no início da marcação de medida da mesa. As outras duas focalizam, lateralmente, só a cabeça, à altura do ponto que marcava 1,67 m.
Nenhuma foto produzida por Badan Palhares, no entanto, mostra simultaneamente os pés encostados no ponto 0 cm e a cabeça no de 1,67 m. Seria como uma foto de PC e Suzana lado a lado, sem ver os pés (não se saberia o tamanho dos saltos).
Na carta, o legista afirma que Suzana foi medida duas vezes, mas, por um "descuido lamentável" (a expressão é sua), as anotações foram perdidas.
O laudo de Badan Palhares fundamentou a versão da Polícia Civil de Alagoas, de acordo com a qual houve crime passional -a namorada matou PC Farias e se suicidou em seguida.
O motivo seria a iminência da ruptura do empresário, que vivia um romance com Cláudia Dantas, filha do fazendeiro José Miguel Dantas, assassinado na sexta-feira passada.
Apoiado no laudo oficial, o delegado Cícero Torres recusou a tese de duplo homicídio -PC e Suzana não teriam sido mortos por outra pessoa nem ela teria sido assassinada após matar o namorado.
A reconstituição do que Badan considerou suicídio utilizou, sentada com os dois pés na cama, uma mulher com 1,67 m, altura que permitiria justificar a trajetória descendente da bala disparada por um revólver Rossi calibre 38.
A bala perfurou o pulmão esquerdo de Suzana (a 79 cm do solo), ultrapassou uma parede de madeira compensada (a 69,5 cm) e atingiu o braço de uma cadeira (a 66,5 cm), caindo no chão.


"A altura de Suzana é fundamental. Estando errada, estará errado todo o resto -a começar pela trajetória do tiro e por sua projeção em relação à parede trespassada pela bala

Tudo se alteraria, desde a curva feita pela arma em seu movimento de recuo (e nele, a distância e a forma em que a arma foi encontrada) até o tamanho e a forma das gotas de sangue encontradas na cama"
Badan Palhares, em 21 de setembro de 1997



Altura fundamental
Duas fotos de corpos inteiros exibem a namorada, mesmo de salto alto, menor do que PC, cuja altura de 1,63 m registrada por Badan no laudo oficial nunca foi contestada por qualquer legista, perito criminal, parente, amigo ou inimigo do empresário.
"A altura de Suzana é fundamental. Estando errada, estará errado todo o resto -a começar pela trajetória do tiro e por sua projeção em relação à parede trespassada pela bala." A afirmação é de Badan Palhares, em artigo assinado por ele e publicado na Folha no dia 21 de setembro de 1997.
"Tudo se alteraria, desde a curva feita pela arma em seu movimento de recuo (e nele, a distância e a forma em que a arma foi encontrada) até o tamanho e a forma das gotas de sangue encontradas na cama", escreveu o legista.
"Por fim, situando o buraco da parede numa altura inamovível de 69,5 cm do piso, a posição de Suzana no momento do tiro depende indubitavelmente de qual fosse a sua altura", acrescentou Badan.
Numa simulação com uma figurante de 1,58 m, a bala atinge a cabeça ou passa sobre um ombro.
Conduzida por Badan, a reconstituição do "assassinato" de PC por Suzana também empregou a mulher com 1,67 m, atirando do lado direito da cama contra o empresário deitado.
Em 1997, a Justiça de Alagoas encomendou um segundo laudo aos legistas Genival Veloso de França (professor da Universidade Federal da Paraíba) e Daniel Muñoz (USP), ao especialista em balística Domingos Tochetto (professor da Escola Superior da Magistratura do RS) e ao perito Nicholas Soares Passos, da Secretaria da Segurança de Alagoas.
Com base em tabelas internacionais que consideram o tamanho da tíbia (osso da canela) e do fêmur (da coxa), eles projetaram a altura de Suzana em 1,57 m (margem de erro estipulando mínimo de 1,541 cm e máximo de 1,599 cm).
Professor do Departamento de Medicina Legal da Unicamp, Badan reafirmou os 10 cm a mais.
Ele tinha a vantagem de ter exumado o corpo praticamente inteiro, dias após a morte, contra os outros peritos, que se basearam em ossos da perna, numa necropsia 11 meses depois, com o cadáver em decomposição.
Para o promotor Luiz Vasconcelos, atual responsável pelo caso, a altura virou um "conflito" a ser resolvido. As fotografias agora descobertas mostram que os autores do segundo laudo estavam certos, e não Badan Palhares.
O legista alagoano George Sanguinetti, que escreveu um parecer por solicitação da Justiça, apontou duplo homicídio, mas não descobriu o erro da altura, devido a um motivo simples: não mediu os corpos porque não teve autorização para exumá-los.
Muitas vezes, nem com os saltos altos que sistematicamente utilizava, fosse na piscina, em festas ou no trabalho, Suzana ficava mais alta do que PC. "Suzana era 4 cm mais alta que PC, o que se constata facilmente pelas fotografias em que aparecem juntos", escreveu Badan Palhares em 1997.
Se fosse verdade, com os 4 cm naturais mais a diferença entre os saltos que usavam, Suzana seria muito maior que PC, que chamaria a atenção por ser quase uma "bengala" da namorada. Às vezes, ela usava saltos-plataforma com mais de dez cm.
No dia 3 de junho de 1997, a jornalista Ana Luiza Marcolino Noaro, irmã de Suzana Marcolino (com "o", sem o "a" equivocado com que o escrivão redigiu o sobrenome na certidão de nascimento), foi questionada pela promotora Failde Mendonça, na época responsável pelo caso, sobre a altura da namorada de PC.
A promotora já sabia do resultado do novo laudo, mas a irmã de Suzana não tinha idéia da importância da informação-a divulgação só ocorreu três meses depois. Segundo Ana Luiza, ela sim com 1,67 m de altura, e nove anos mais velha do que Suzana, sua irmã media 1,58 m.
Orientador das aulas de ginástica da namorada de PC em 1995 e 1996, na academia Habeas Corpus, em Maceió, o professor de educação física Adiel Roque Nascimento avaliou a altura dela pedido da Folha: "Suzana não tinha mais de 1,56 m". As fichas de ex-alunos foram rasgadas. Nascimento apontou à Folha uma aluna com o corpo "igualzinho" ao de Suzana. A mulher mede 1,54 m.
A insatisfação da namorada de PC Farias com seu tamanho beirava a obsessão. Numa foto, de biquíni, ela está descalça, mas posa na ponta dos pés, para parecer maior (veja fotos ao lado). Quando indagada sobre seu tamanho, costumava "aumentar" a altura.
Badan Palhares disse que considerou a altura registrada numa carteira de Suzana emitida pela Secretaria da Segurança de Alagoas. Em documentos assim não há exame biométrico -o declarante informa o dado que quiser.
Em Maceió, há uma coleção razoável de fotos de PC com Suzana, mas são raras as em que aparecem juntos de corpo inteiro.
As que a Folha obteve, mostrando os calçados dos namorados, ambos sobre o mesmo nível, foram feitas na casa de PC no bairro de Mangabeiras. Ela, de salto alto. Ele, de salto baixo, mesmo assim maior do que a namorada.



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