São Paulo, quarta, 24 de março de 1999

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MISTÉRIO EM ALAGOAS
PC deixou dívida com a Receita de R$ 85 mi

Luiz Carlos Murauskas - 2.set.92/Folha Imagem
O empresário Paulo César Farias no jardim de sua casa, em São Paulo



Segundo inventário, bens de empresário somam R$ 3,9 milhões

Para a PF, maior parte do dinheiro do ex-tesoureiro está no exterior



do enviado especial a Maceió


O homem que comandou um esquema que movimentou de US$ 1 bilhão a US$ 1,5 bilhão, conforme estimativa da Polícia Federal, morreu quebrado financeiramente.
Essa é a constatação, absolutamente contraditória com o padrão de vida que Paulo César Farias ostentou até morrer, do balanço do inventário do ex-tesoureiro de Fernando Collor de Mello.
Nas 82 páginas da ação do inventário número 20.162-2/97, aberta em dezembro de 1997 na 32ª Vara Cível de Maceió, a partir de pedido da Delegacia da Receita Federal à Justiça, os bens e créditos de PC somam R$ 3.906.103,00.
A dívida com a Receita, conjunto das autuações por diversos crimes fiscais, principalmente sonegação, chega a R$ 85.201.881,91. Há recursos contra as multas.
PC deixou para os dois herdeiros, os filhos Ingrid, hoje com 18 anos, e Paulinho, 17, o patrimônio negativo de cerca de R$ 81 milhões.
Quase todos os bens estão indisponíveis devido às dívidas fiscais. O processo do inventário ainda não foi encerrado.
Dois juízes de Alagoas consultados pela Folha, com a condição de não revelar suas identidades, disseram que, como os filhos de PC não têm patrimônio registrado nem de longe semelhante às dívidas com a União deixadas pelo pai, elas não serão pagas.
O valor dos bens de PC é insignificante em comparação com o volume dos seus negócios, durante e depois da era Collor (1990-92).
Só com gastos pessoais e familiares de Collor durante a Presidência, o esquema PC gastou US$ 6,5 milhões, segundo o relatório final da CPI que investigou as atividades do ex-tesoureiro e foi decisiva para o impeachment presidencial.
Nas investigações da Operação Mãos Limpas, a Justiça da Itália descobriu a transferência de US$ 7,8 milhões de PC para contas de mafiosos italianos, com os quais ele tinha ligações, conforme a PF apurou após a sua morte. Numa conta de PC na Holanda, mafiosos depositaram US$ 2,3 milhões.
Levantamento da Folha junto ao Departamento de Estado da Flórida (EUA) revela que várias empresas locais dirigidas pelo brasileiro Ironildes Teixeira continuaram funcionando após o afastamento de Collor (92) e a morte de PC (96).
Oito empresas em nome de Teixeira eram provavelmente de PC Farias, segundo a CPI que abriu o caminho do impeachment. Ironildes Teixeira seria um testa-de-ferro e as empresas, instrumento para a lavagem de dinheiro obtido no Brasil pelo esquema PC.
A Pompano Jet, a Nevada Trading e a Interglobal Trading ficaram abertas até 1993. A Miami Leasing só foi fechada em 1995. A Parts Express mudou de nome, permanecendo em funcionamento até 26 de setembro de 1997.
As empresas de aviação controladas no Brasil por PC ficaram famosas pela altíssima rentabilidade dos seus balancetes, na verdade uma maneira de legalizar dinheiro de origem desconhecida.
No ano passado, foi colocado à venda na Flórida o avião "Morcego Negro", antiga propriedade de PC, um learjet 55 que se tornou um dos símbolos da era Collor-PC.
Devido aos processos na Justiça e na Receita, PC teria se desfeito de parte do seu patrimônio legal e evitado registrar novas propriedades em seu nome. A maior parte de sua fortuna, de acordo com a PF, está depositada no exterior, em paraísos fiscais. Também segundo policiais federais, senhas e códigos das contas secretas no exterior seriam conhecidos por alguns irmãos de PC, inclusive o deputado Augusto Farias (PPB-AL). Augusto é o tutor de Ingrid e Paulinho, inventariante e administrador dos bens de PC.
Chama a atenção no inventário que PC não deixou para os filhos nem a concessionária Fiat Blumare, líder do mercado em Alagoas, que estaria em nome de irmãos.
Um apartamento de pelo menos 250 metros quadrados no Morumbi, em São Paulo, visitado por muitas pessoas e que PC dizia ser seu, também não consta da relação.
Os únicos imóveis, bloqueados por decisão judicial, são um apartamento de 69 metros quadrados em São Paulo, avaliado em R$ 85 mil, e a casa onde o empresário morreu em 1996 com a namorada Suzana Marcolino (R$ 300 mil).
Na soma dos bens entraram até um porta-canudos (avaliado em R$ 50 no inventário), enfeites de flores (R$ 250), uma chaleira (R$ 30) e sete panelas (R$ 120).
A Folha não teve acesso ao inventário da mulher de PC, Elma Farias, morta em julho de 1994, com quem ele era casado em separação total de bens. Em duas empresas controladas pelo marido (EPC e Florag), segundo os documentos anexados ao inventário dele, ela tinha participação minoritária, quase simbólica.
Hoje, na prática, quem cuida dos sobrinhos é a promotora Eônia Pereira Bezerra, irmã de Elma, com quem tinha um pacto para cuidar de Ingrid e Paulinho no caso de morte da mãe. O sustento dos filhos de PC, que vivem em Maceió, cercados ainda do fundamental do staff de funcionários que acompanhava o pai, é assegurado pelos tios paternos. (MÁRIO MAGALHÃES)



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.