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São Paulo, quinta-feira, 24 de abril de 2003

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UNIVERSALIZAÇÃO

Restrição de políticas perpetua desigualdade, afirma Belluzzo

JULIA DUAILIBI
DA REPORTAGEM LOCAL

Para o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp, a focalização das políticas sociais "perpetua" uma situação de desigualdade produzida pelo mercado. Para ele, a focalização pode "desmontar o sistema de direitos e transformá-lo numa sociedade cujas relações de renda e propriedade estão cristalizadas, onde quem nasceu pobre morre pobre".
Ao citar o estado de bem-estar social europeu, Belluzzo disse que a restrição das políticas sociais a parte da sociedade é uma "regressão inimaginável", que levaria ao "caos social". Abaixo, a entrevista.
 

Folha - Como o sr. vê o debate a respeito da aplicação de políticas sociais universalizadas ou focalizadas no Brasil?
Luiz Gonzaga Belluzzo -
São duas concepções muito distintas. Eu acho que as políticas universais são uma conquista obtida no processo de avanço das camadas populares do século 20. São cidadãs, não procuram graduar os direitos e têm como propósito estabelecer critérios universais, independentemente da condição social.
As políticas de focalização visam corrigir uma situação particular -mulheres solteiras ou famílias abaixo de certo nível de renda, por exemplo-, supondo que essa situação deve ser considerada como permanente. Focam em determinadas situações sem corrigir a posição estrutural do indivíduo na sociedade. Elas concordam com o resultado social que o mercado produziu. Depois simplesmente corrigem na margem esse resultado.

Folha - A focalização é uma política neoliberal?
Belluzzo -
Ela considera que os resultados produzidos pelo mercado têm de ser aceitos. Não é essa a concepção das políticas universais, que supõem solidariedade e implicam que os gastos com políticas devem ser financiados pelo conjunto da sociedade.

Folha - As políticas universalizadas são criticadas por seu impacto fiscal, uma vez que não haveria recursos para atender a todos.
Belluzzo -
Isso tem de ser colocado para a sociedade. Temos de levar em conta as restrições fiscais e orçamentárias. O que não pode é desmontar o sistema de direitos e transformá-lo numa sociedade cujas relações de renda e propriedade estão cristalizadas, onde quem nasceu pobre morre pobre.
O Brasil fez isso [a universalização] imperfeitamente, mas foi caminhando na direção de moldar as suas políticas sociais de acordo com o princípio da universalidade, que, na verdade, apesar de todos os esforços, não conseguiu ser rompido. Muitas vezes as políticas sociais não corrigem as desigualdades. Agora, a partir daí, fazer a crítica e dizer que é melhor pegar o dinheiro e só dar para os pobres, consolidando uma situação de pobreza e de diferença de renda, vai contra toda a visão do estado de bem-estar social.

Folha - Defensores da política focalizada dizem que ela é eficaz porque atende os mais necessitados.
Belluzzo -
Não. Na verdade, ela perpetua uma situação de desigualdade que é constituída pelo mercado. O que aconteceu aqui é que, ao longo dos últimos anos, boa parte da classe média se "dessolidarizou". Ela não usa mais ensino público, saúde pública. Isso tem um impacto na opinião pública, e as pessoas dizem: "Então desmonta, vamos focalizar". É um desastre que as elites já patrocinaram aqui ao longo dos anos.


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