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São Paulo, quinta-feira, 24 de abril de 2003

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POLÍTICA PÚBLICA

Princípio, que antes era contestado pelo PT, consta da primeira revisão do acordo feita no governo Lula

Acordo com FMI prevê focalização social

GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Objeto da mais recente polêmica no governo, a focalização de programas sociais -conceito pelo qual as verbas públicas devem privilegiar os mais pobres, em vez de terem distribuição universal- já consta das diretrizes fixadas no acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional) para a administração do país.
O princípio foi incluído nos documentos oficiais dos entendimentos entre o Brasil e o Fundo em fevereiro, quando foi realizada a primeira revisão do acordo com o organismo sob o governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Em carta ao diretor-gerente do FMI, Horst Köhler, de 28 de fevereiro, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, dizem que o governo reorganizará os programas sociais "nos próximos meses", de forma a torná-los mais focalizados.
"Para coordenar esse programa social, o governo criou o Ministério de Assistência e Promoção Social, o qual irá avaliar os programas já existentes e procurar formas de integrá-los de modo a evitar duplicidades e focar os benefícios na população mais pobre", afirma o texto.
Não se trata exatamente de uma condição imposta pelo acordo, do tipo que pode interromper os empréstimos do FMI ao país se descumprida. Mas, como qualquer vírgula incluída em documentos assinados com o Fundo, não está ali por acaso -é algo que deve ser realizado para facilitar negociações posteriores.
O PT sempre associou o princípio de focalização a uma visão meramente compensatória da política social, típica dos defensores do Estado mínimo neoliberal. Em oposição ao conceito, o partido postula o "universalismo", ou seja, políticas voltadas para a sociedade como um todo, marca do estado de bem-estar social.

Descompasso
"Além da dispersão e fragmentação que atingem os programas sociais do governo federal, eles operam com o princípio da focalização, como se a pobreza fosse residual", prega o programa de campanha de Lula em 2002.
O programa, coordenado por ninguém menos que Palocci, defende "uma nova geração de políticas públicas de inclusão social de caráter universal e sem fragmentação". O ministro lançou recentemente outro documento -com diretrizes para sua pasta e outras áreas do governo- em que a focalização não apenas perde a conotação negativa, mas torna-se um objetivo prioritário.
"O problema fundamental a ser enfrentado para melhorar o impacto da política governamental sobre os indicadores sociais é tornar o gasto social mais eficiente, eficaz e focalizado", diz o texto do documento "Política Econômica e Reformas Estruturais".
A reação petista não tardou: em entrevista à Folha na última segunda, a economista Maria da Conceição Tavares disse que o documento "causou mal-estar em todo mundo" e chamou de "débil mental" o secretário de Política Econômica, Marcos Lisboa.
Ainda que não haja um racha do tipo "focalistas versus universalistas" no governo Lula, é evidente um descompasso de diagnósticos, receitas e discursos para a política social. Exemplo: numa reunião com a bancada petista, na semana retrasada, o ministro José Graziano (Segurança Alimentar) rejeitou a focalização: "Não vamos organizar do mais pobre para o menos pobre".
A Fazenda desenvolve sua argumentação à luz dos números do Orçamento da União. Segundo o documento de Palocci, os gastos listados como sociais totalizaram R$ 213,4 bilhões em 2002, ou 66% das receitas federais.
"A participação dos gastos com assistência social, que em geral apresentam um grau de focalização sobre a população pobre bem superior aos dos demais programas sociais, é de apenas 1,7% [das receitas, ou R$ 5,6 bilhões]", afirma o texto.


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