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São Paulo, quinta-feira, 24 de abril de 2003

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CELSO PINTO

O fim do ciclo de alta dos juros

A decisão ontem do Conselho de Política Monetária de manter os juros em 26,5% e retirar o viés de alta parece consagrar o fim do ciclo de alta nas taxas de juros iniciado em outubro e que chegou a 8,5 pontos percentuais. No entanto, o mercado está longe de acreditar que a inflação deste ano ficará, de fato, dentro da meta de 8,5%. Ao contrário, a projeção do mercado subiu para 12,44%, apesar da melhora recente em alguns indicadores.
A decisão de ontem reforça, portanto, a suspeita cada vez mais forte de que o Banco Central está olhando, de fato, para um prazo mais longo. Espera cumprir a meta de 5,5% para 2004 e acha razoável diluir em dois anos o choque recente do ajuste externo.
Sabe-se que, na conversa que o secretário do Tesouro americano, John Snow, teve com o presidente do BC, Henrique Meirelles, terça-feira, sobre o sistema de metas inflacionárias, ouviu algo parecido. O que, aliás, Snow também considerou razoável.
O ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore está convencido de que talvez não seja factível nem sequer repetir, neste ano, os 12,5% de IPCA do ano passado. Melhor seria o BC explicitar que quer reduzir a inflação em dois anos e calibrar a política monetária para atingir a meta de 2004. No regime de metas de inflação, o BC considera tanto a volatilidade dos preços quanto a do PIB. Ele acha que, neste governo, o peso da perda do PIB ficou maior. O BC, contudo, tem mantido uma certa dubiedade nos sinais, admitindo uma possível revisão de metas por critérios pouco claros. Com isso, diz, o BC perde parte da capacidade de influenciar as expectativas.
O argumento pode soar muito duro num momento em que não faltam boas notícias. O real saiu de R$ 3,60 por dólar para perto de R$ 3,00, o que deve aliviar a pressão do câmbio sobre os preços nos próximos meses. O preço internacional do petróleo caiu, e o fim da guerra do Iraque elimina incertezas. O alívio do câmbio sobre o IGP reduz um pouco o impacto do ajuste dos preços administrados em julho e agosto.
Pastore concorda que são boas notícias e que podem ajudar a melhorar as expectativas inflacionárias. Contrapõe, contudo, alguns indicadores preocupantes.
O IPCA vem caindo muito lentamente, o que indica que há um grau forte de inércia no aumento recente dos preços. Ele acha que um dos melhores indicadores para a inflação futura é o comportamento do núcleo da inflação. Em março, o núcleo subiu para 1,23%, o que, anualizado, dá 15,8%. No primeiro trimestre, o núcleo, anualizado, chegou a 15%, muito acima dos 8,5% da meta.
Há três semanas, a curva de juros futura está negativa, ou seja, os juros de prazos mais longos estão menores do que o juro básico (Selic). Existe uma leitura otimista desse comportamento, ouvida no BC, no passado, em situações semelhantes. Curva futura negativa indicaria a confiança do mercado de que a inflação vai cair, levando a uma taxa nominal de juros menor. A projeção dos departamentos econômicos dos bancos, compilada pelo BC, muda de forma mais lenta e cautelosa. Portanto, a mudança na curva poderia antecipar uma guinada nas expectativas que acabaria aparecendo nas projeções formais.
Pastore acha que não é o caso atual. Há uma forte correlação histórica entre juros futuros internos e risco Brasil, pela arbitragem possível para os investidores. O recuo dos juros internos futuros acompanhou a queda do risco Brasil, desde outubro, mas, desta vez, com menos intensidade. A razão: como espera-se uma inflação alta, parte do juro nominal embute esta projeção.
Outra correlação estatística muito forte, diz, é a que liga as taxas de juros futuras e o comportamento da economia (PIB ou produto industrial). As séries mostram que a taxa real de juro futuro tem um impacto forte e rápido sobre o crescimento. O fato de, nas últimas três semanas, as taxas de seis e 12 meses estarem abaixo da Selic indicaria, portanto, uma política monetária frouxa, especialmente se a taxa futura (em torno de 24,5% a 25%) é comparada com o núcleo da inflação anualizado. Os indicadores recentes mais confiáveis do ritmo da economia, como produção industrial, mostram mais estabilidade do que queda. Como ele identifica uma clara pressão dos preços não afetados pelo câmbio, acha que o correto teria sido um aperto adicional nos juros que provocasse uma elevação na curva dos juros.
Vários outros economistas no mercado têm uma visão muito mais otimista. Mas ninguém imagina que a inflação ficará, de fato, em 8,5% neste ano. E poucos supõem que ficará em 5,5% em 2004.

E-mail: CelPinto@uol.com.br


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