São Paulo, segunda-feira, 24 de abril de 2006

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CORRUPÇÃO NO GOVERNO/ENTREVISTA

Fiona Macaulay diz que Brasil não pode tolerar fraudes porque falta recurso para política social

Especialista vê Lula protegido e corrupção do PT como tragédia

DO ENVIADO A OXFORD

O presidencialismo possui uma imagem forte do presidente isolado no palácio, desconectado de partidos políticos -por isso, muitos não o ligam à corrupção. Essa é a avaliação da brasilianista Fiona Macaulay, professora de Estudos do Desenvolvimento da Universidade de Bradford, que estuda o Brasil há 13 anos.
Para ela, que foi professora do Centro de Estudos Brasileiros de Oxford entre 2000 e 2005, a corrupção do PT "é uma tragédia".
A brasilianista foi uma das participantes de seminário realizado no Reino Unido pela Ditchley Foundation, organização que debate grandes temas mundiais.
Pela primeira vez, um país latino-americano foi tema desses encontros. Em um palácio do século 18, em Oxford, onde Winston Churchill passava seus finais de semana, cerca de 40 convidados, entre diplomatas, brasilianistas e empresários, discutiram o país.
Várias análises sobre a economia, a corrupção, o ambiente e as políticas sociais do Brasil surgiram nesse encontro.
A Folha foi convidada a participar do seminário, ocorrido há duas semanas, onde conversou com Macaulay, que também é autora de livros e ensaios sobre reforma judiciária e políticas de segurança e de gênero no Brasil. Leia a entrevista seguir.
(RAUL JUSTE LORES)

Folha - Como tantas denúncias contra o PT afetaram tão pouco a popularidade do presidente Lula?
Fiona Macaulay -
Lula é um ícone. As pessoas ainda vêem seu carisma. E os escândalos de corrupção são cada vez mais complicados, envolvem transações muito complexas. É abstrato. Quando a corrupção é perto de casa, o hospital que não foi construído porque o prefeito roubou o dinheiro, eles percebem o que perderam.

Folha - Por isso Lula ainda é tão popular?
Macaulay -
No Brasil, há falta de opções. Muitas alternativas de mudança foram testadas. Vocês tiveram o velho estilo no Sarney, um jovem carismático no Collor, o tecnocrata e intelectual no Fernando Henrique. Agora, o "trabalhador honesto". Quantos outros tipos sobram? O PT e o PSDB eram os partidos de onde se esperava a modernização da política brasileira. Saber de corrupção no PT é uma tragédia terrível.
Os mais bem informados dizem que Lula sabia de tudo. Mas a imagem típica do presidencialismo mostra o presidente sozinho no palácio, longe do congresso, do partido. No parlamentarismo, nenhum primeiro-ministro convenceria de que não sabe o que acontece no partido. Essa ignorância seria absurda.

Folha - A sucessão de escândalos de corrupção pode fazer que os brasileiros achem que é normal?
Macaulay -
Há uma enorme decepção com o comportamento do partido que passou 25 anos em oposição às velhas práticas de clientelismo. No Brasil, com tanta pobreza e desigualdade, a corrupção não é apenas problema ético, é um problema de fonte de recursos -que não serão investidos em políticas sociais urgentes. O Brasil não pode dar ao luxo de ser tolerante com a corrupção.

Folha - A senhora acha que a corrupção é maior no governo do PT?
Macaulay -
É muito difícil dizer que um governo é mais corrupto que outro. Depende do nível de investigação. Com escândalos de corrupção sucessivos, várias instituições cresceram, dos tribunais de contas ao Ministério Público.
Há vários órgãos encarregados de investigar lavagem de dinheiro, finanças de estatais. Por que essas instituições não descobriram antes? Pelo menos nos estágios iniciais? A investigação chega tarde. É como trancar o estábulo depois que os cavalos fugiram.

Folha - A Justiça também tem sua culpa nessa frustração?
Macaulay -
Antes de chegar aos juízes e aos tribunais, há trabalho preventivo que não foi bem-feito. Quem investiga? A Polícia Federal não tem pessoal suficiente. Os membros do STF freqüentemente não parecem muito entusiasmados para contrariar o Executivo. Por que ainda existe foro privilegiado e imunidade para membros eleitos do Legislativo e ministros?

Folha - O que o Judiciário deveria fazer?
Macaulay -
Uma das coisas que o mais alto escalão do Judiciário deveria insistir é no princípio de que todos são iguais perante a lei. Imunidade só contra processos por ações inerentes ao ato de governar. Não processar um deputado pelo que fala. Mas, para um ato criminoso, eles não poderiam ter imunidade. Muitos concorrem só para se proteger da lei.

Folha - O PT inchou a máquina pública. A possibilidade de um serviço público profissionalizado ficou mais distante?
Macaulay -
Essa é uma tragédia terrível. O PT foi um partido que entendeu isso quando assumiu prefeituras no final dos anos 80, viu o fisiologismo. No passado, os petistas tinham mais interesse de promover o "modo petista de governar". Agora isso é uma frase vazia. O PT é um partido de massa, com milhares de afiliados que esperavam uma recompensa por seu trabalho interno ganhando cargos. Para o PSDB, que não é de massa, é mais fácil trazer gente de fora sem filiação aparente.
O PT se destacou por defender políticas novas, coerentes. Parece que jogou fora todo esse conhecimento. Na área social, é um governo constrangido, que corta gastos sociais em nome do superávit.


O jornalista Raul Juste Lores viajou a convite da organização do evento

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