São Paulo, segunda-feira, 24 de maio de 2004

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Política fiscal tem de ser mantida, diz Mishkin

DA REPORTAGEM LOCAL

Se o governo brasileiro mudar os rumos da política fiscal, o regime de metas de inflação tende a entrar em colapso. A opinião é do economista norte-americano Frederic Mishkin, considerado hoje um dos maiores especialistas em política monetária.
Professor da universidade Columbia, em Nova York, Mishkin tem se dedicado, entre outros assuntos, a pesquisar os regimes de metas de inflação em países emergentes, como o Brasil.
Em entrevista à Folha, Mishkin elogiou tanto o ex-presidente do BC Armínio Fraga como o atual ocupante do cargo, Henrique Meirelles. Mas demonstrou preocupação em relação às pressões que o governo Lula vem sofrendo para alterar o rumo da política fiscal e passar a "gastar mais". (EF)

 

Folha - Há uma discussão recente no Brasil sobre nosso sistema de metas de inflação. Alguns especialistas defendem que o regime seja mais flexível...
Frederic Mishkin
- Uma coisa importante de entender é que o Brasil já tem um regime bastante flexível. Em primeiro lugar, vocês têm uma banda de variação bastante larga.
Ainda mais importante do que isso é o fato de que, quando a economia é atingida por um choque, o governo está disposto a ajustar meta de curto prazo, ainda que nada mude para o longo prazo.
Um clássico exemplo foi o que ocorreu no início de 2003, o Brasil foi atingido por forte choque por causa da eleição presidencial, o real se desvalorizou e isso provocou uma forte alta da inflação. Na época, o BC brasileiro ajustou a meta bastante para cima.
É impressionante o fato de que isso foi feito pelo Meirelles tão bem quanto pelo Fraga. Armínio Fraga foi um ótimo presidente de Banco Central, mas Meirelles também tem feito um trabalho excelente.

Folha - O senhor é a favor de que, em casos de choques, os países mirem outro ponto da banda da meta e não o centro?
Mishkin
- Você deve usar a faixa que tem e, se você sofre um choque muito, muito grande deve ajustar a meta. Foi que o Banco Central brasileiro fez.

Folha - Existe uma faixa ideal de inflação para países emergentes?
Mishkin
- Na verdade, estou fazendo uma pesquisa sobre isso agora, mas ainda não tenho essa resposta. Mas é uma pergunta importante.

Folha - O quão elevada pode ser a inflação em um país emergente?
Mishkin
- Os argumentos são de que a inflação em países emergentes deveria ser um pouco mais alta do que nos países desenvolvidos.

Folha - A política monetária perde parte de sua eficiência em países com uma dívida pública interna elevada, como a brasileira?
Mishkin
- Eu acho que a resposta é, certamente, sim, mas com a seguinte observação: se a política fiscal sai de controle, o sistema de metas de inflação não vai funcionar, a política monetária não vai funcionar.
Então, um elemento-chave em termos de um controle bem-sucedido da inflação num país como o Brasil é o que é feito pelo governo em termos de política fiscal.
Na verdade, o governo Lula tem sido muito, mas muito melhor do que o mercado esperava e uma das razões para o sucesso do governo- que, apesar do choque inflacionário sofrido em 2002, antes da eleição, conseguiu trazer a inflação de volta para um nível apropriado- foi sua atitude responsável em termos da reforma previdenciária etc.
Em países avançados, essa questão da política fiscal não é tão crítica e a política monetária pode fazer surtir muito mais efeito por si só, mas isso não se aplica ao Brasil e aos demais países emergentes. Nesses mercados, a política monetária só consegue funcionar com a cooperação das autoridades fiscais.

Folha - A dívida pública no Brasil continua subindo apesar de um alto superávit fiscal...
Mishkin
- Um dos problemas é que um país emergente não pode ter o mesmo nível de endividamento que os países avançados e ser capaz de fazer boas políticas.
Acho que essa é a lição. Uma relação entre dívida e PIB [Produto Interno Bruto] de 60% ao ano não parece alta para um país avançado, mas, por outro lado, pode ser um problema sério para um país emergente.

Folha - O que o governo brasileiro pode fazer para melhorar o sistema de metas?
Mishkin
- Em primeiro lugar, o governo deve continuar perseguindo uma atitude fiscal responsável. Até agora, o governo Lula tem sido muito bom nisso, mas há muita pressão para que caminhe em outra direção.
Dentro do próprio partido de Lula, há muita pressão para que o governo gaste muito mais. Acho que essa é a questão mais importante agora.
O outro ponto é que, até agora, o regime de metas de inflação ainda não foi institucionalizado no Brasil, foi instituído por um decreto presidencial no governo anterior. No longo prazo, essa será uma coisa importante para o governo brasileiro fazer.


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