São Paulo, segunda-feira, 24 de maio de 2004

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Para Arestis, só política monetária não basta

DA REPORTAGEM LOCAL

A manutenção de taxas baixas de inflação independe da adoção de um sistema de metas. Na avaliação de Philip Arestis, especialista em macroeconomia e finanças internacionais da Universidade de Cambridge, o mundo já vive uma era de inflação baixa obtida, em grande medida, por países que jamais adotaram o modelo.
Para o economista britânico, a obstinação em perseguir um teto para a inflação pode desviar a atenção dos governos, especialmente o dos países emergentes, de outras questões importantes como políticas de crescimento, programas de distribuição de renda e de geração de empregos.
Leia a seguir a entrevista concedida à Folha. (CC)

 

Folha - O senhor argumenta no seu artigo "Metas de inflação: uma abordagem crítica" que esse sistema é inútil. Por quê?
Philip Arestis
- O alvo e as expectativas de taxas de inflação constituem elementos fundamentais do sistema de metas de inflação. Consequentemente, a previsão da taxa que será atingida no ano desempenha um fator de destaque nesse modelo.
O problema é que isso pode acarretar um grave erro, já que há grandes margens para erros. Outra falha é que o sistema não consegue lidar com problemas que exercem grande impacto na inflação, como altas elevadas nos preços do petróleo e outras crises externas sobre as quais as políticas monetárias dos bancos centrais não têm efeito. Nesses momentos, um banco central focado em perseguir a meta de inflação pode acabar aprofundando uma recessão.

Folha - No Brasil, instrumentos de política monetária como mudanças das taxas de juros e o sistema de metas de inflação têm sido a base da gestão econômica. Quais as suas objeções no caso brasileiro?
Arestis
- Não quero acusar ninguém nem ser rude com o governo brasileiro, mas, honestamente, não acredito que o sistema de metas de inflação funcione, especialmente no Brasil, onde há tantos objetivos para serem cumpridos: crescimento econômico, distribuição de renda, elevação do padrão de vida e equilíbrio do balanço de pagamentos.
De forma genérica, digo que, para cumprir todos esses objetivos, não é possível visar em apenas um objetivo -controlar a inflação- e usar apenas uma arma -controle das taxas de juros. Achamos que esse é o modo errado de fazer política econômica.

Folha - Qual seria a alternativa?
Arestis
- Os partidários do sistema de metas de inflação, em geral, colocam o uso de políticas fiscais em segundo plano. Eles acreditam que o governo deve apenas equilibrar os livros e as contas. Em suma, acreditam que o governo deve evitar déficits. Achamos que isso não está certo, porque acreditamos que é importante usar a política fiscal para estimular a atividade econômica e elevar o nível de vida da população.
Claro que é preciso haver preocupação com déficits, mas isso é bem diferente de dizer que a adoção de políticas fiscais deva ser completamente ignorada. Só política monetária não é suficiente. No nosso trabalho, mostramos que mudanças na taxa de juros não têm impacto poderoso na inflação. Alguns dirão que pouco importa o tamanho do impacto de mudanças na taxa de juros, pois o importante é que o resultado é previsível. Mas vimos que eles não são previsíveis.

Folha - Mas é possível abandonar o modelo de metas sem causar uma explosão inflacionária no Brasil? Como mudar o paradigma da política monetária?
Arestis
- O Brasil não precisa se preocupar com a volta de elevados níveis de inflação, que, obviamente, não são desejados. O problema da inflação não é mais tão grave como costumava ser. Nós defendemos uma mudança no paradigma. Por que não estabelecer uma meta de emprego em vez de uma meta de inflação? Por exemplo, acredito que a política fiscal poderia ser usada para estimular a economia até que ela atinja um determinado nível de emprego. É claro que entendemos que há quem se preocupe com o fato de a política fiscal ser usada com fins eleitorais, mas por que não pensar em formular regras? As regras poderiam ser adaptadas para resolver problemas específicos.

Folha - Mas o senhor não concorda que nos países, inclusive no Brasil, as metas têm ajudado a controlar a inflação?
Arestis
- Eu vejo que no Brasil as coisas não têm sido tão bem-sucedidas assim. Nos primeiros dois anos, a inflação ficou dentro da meta, mas acredito que desde 2002, a inflação tem escapado do alvo e parece que esse também será o caso em 2004.

Folha - Mas e na Suécia, na Inglaterra...
Arestis
- Hoje mais de 40 países usam as metas de inflação. De fato, parece que nesses países o modelo é bem-sucedido, afinal a inflação tem sido debelada nos últimos 15 anos. Mas, numa análise mais profunda, vemos que, no mesmo período, países que não adotaram o sistema também tiveram inflação baixa.


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