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SUCESSÃO NO ESCURO
Presidenciável se vê vítima de preconceito paulista e diz que Tasso tem perfil de seu ministro da Fazenda
Ciro teme histeria moralista na campanha
RENATA LO PRETE
DA REPORTAGEM LOCAL
É improvável que se ouça Ciro
Gomes declarar hoje, ao menos
em público, algo como "Fernando Henrique não rouba, mas deixa roubar", frase sua que tanto
barulho causou no ano passado.
A um ano e três meses da eleição, o pré-candidato do PPS à
Presidência repete que sempre
defendeu a honestidade, mas diz
esperar que a "histeria moralista"
não se transforme na questão central da campanha sucessória.
A mudança de tom coincide
com uma agenda de palestras pelo Brasil cada vez mais lotada.
"São apresentações técnicas, exclusivamente sobre economia",
define Ciro, para em seguida reconhecer que, uma vez encerrada
a exposição inicial, querem mesmo é lhe perguntar o que fará se
chegar ao Planalto.
Há de produtores rurais a associação de donos de farmácia entre
os contratantes de suas palestras,
mas basta conferir compromissos
recentes para perceber que está
em curso um périplo de Ciro pelo
mercado financeiro.
Na entrevista abaixo, feita em
São Paulo na terça-feira passada,
o segundo colocado na pesquisa
Datafolha elogia com alguma reserva o pré-programa de governo
divulgado pelo PT.
Defende seu noivado com o
PTB, firmado para que Ciro não
morra na praia como um sem-televisão. A aliança petebista pode
dar ao pré-candidato do PPS no
mínimo dois minutos a mais na
campanha de TV.
Lança dúvida sobre a análise de
que o governo já está fora do segundo turno, rejeita o estigma de
aventureiro e ataca intelectuais
que, a seu ver, fazem defesa velada
de Fernando Henrique e tucanos
próximos, como o ministro e possível candidato José Serra.
"Muito melhor bater palma para a Marília Pera, que apoiou o
Collor. Ou agora para a Gal Costa,
que em sua santa ingenuidade foi
lá apoiar o Antonio Carlos Magalhães." Leia a seguir os principais
trechos da entrevista:
Folha - O sr. parece ter moderado
o tom de suas críticas ao governo.
Ciro Gomes - A batalha moral a
oposição já ganhou. Eu, que em
outros momentos senti necessidade de simbolizar para os extratos mais simples da população o
nível da crítica que faço, acho que
está na hora de moderar a palavra. Esticar a corda não interessa
ao país, não interessa à oposição.
Tenho total compromisso com
a ética na política. Mas uma hora
dessas nós, da oposição, vamos
governar.
Se legitimarmos agora o ataque
espetaculoso, o atropelo dos processos legais, lá na frente seremos
derrubados, porque não somos
sistêmicos.
Folha - Por falar em moderação,
que avaliação o sr. faz do pré-programa de governo apresentado pelo PT?
Ciro - Saúdo a iniciativa como
demonstração de um estágio a
mais no processo de amadurecimento do PT, em direção à idéia
de que a política não deve se resumir à satanização do adversário e
à oferta voluntarista de soluções
que desconsideram a realidade.
Acho positivo, ainda que o documento venda algumas ilusões.
Folha - Por exemplo?
Ciro - O imposto sobre grandes
fortunas. Tem efeito retórico fantástico, mas não arrecada nada.
Folha - Em 98, o PTB ensaiou uma
aliança com o sr. e depois se entendeu com o governo. O que o leva a
achar que será diferente desta vez?
Ciro - Em primeiro lugar, não
me resta senão acreditar na palavra deles e na intenção, manifestada pela nova cúpula, de tirar do
PTB a imagem de legenda de aluguel.
Em segundo, comigo o PTB se
torna alternativa para pessoas que
gostariam de aderir à minha candidatura, mas têm pouca identificação com meu partido, o PPS.
Folha - Entre essas pessoas está o
ex-governador de Minas Eduardo
Azeredo, mencionado como possível vice em sua chapa?
Ciro - Isso é especulação.
Folha - Ainda sobre o vice, o presidente do PTB, deputado José Carlos Martinez, afirma que será um
nome do partido. O presidente do
PPS, senador Roberto Freire, diz
que não necessariamente. Qual dos
dois está certo?
Ciro - Não há intriga possível a
esse respeito. Eu vou escolher
meu vice, ouvindo, é claro, as forças que me apoiarem.
É natural que o PTB, ao firmar
acordo comigo tanto tempo antes
da eleição, participe desse processo.
Folha - O sr. costuma dizer que
suas credenciais para concorrer à
Presidência da República são experiência, um conjunto de idéias e
seu patrimônio moral. Como ficará
o terceiro ponto uma vez associado
à biografia de alguns petebistas?
Ciro - Não vejo nenhum problema. A questão é a seguinte: para
interditar a possibilidade de crescimento de uma novidade, Fernando Henrique fez com que a lei
retroagisse.
Agora, o tempo de televisão é
distribuído de acordo com o resultado da eleição passada. E aí
começou-se a dizer que o Ciro iria
morrer na praia porque não tinha
tempo de TV. Eu não vou me deixar imolar. Eu sou um lutador.
Folha - Lula manifestou recentemente a opinião de que o governo,
sem candidato no segundo turno,
escolherá entre os dois finalistas
aquele em condições de ser seu
porta-voz, e que poderá caber ao
sr. esse papel.
Ciro - Eu acho que o Lula está
mudando o conceito que faz das
pessoas ao sabor da avaliação de
conjuntura dele.
Até dias atrás ele acreditava que
eu teria pouquíssimo tempo de
televisão, ficaria em terceiro ou
quarto lugar e era portanto uma
pessoa a ser bem tratada, porque
iria apoiá-lo.
Como o acordo com o PTB removeu esse obstáculo, ele começou a relativizar o discurso a meu
respeito.
Folha - O sr. concorda com o prognóstico de um segundo turno sem
candidato do governo?
Ciro - Eu francamente não vejo
como se possa dar de barato que
as forças e os interesses representados no governo Fernando Henrique já estejam fora do segundo
turno.
Folha - Em que cenário não estariam?
Ciro - Visualizo uma possibilidade que alteraria todo o quadro.
Um nome do PSDB, que tenha alguma biografia, no começo de
2002 diz assim: "Chega. Demos
todo apoio, mas o governo não
tem jeito. Esse tipo de entrega dos
interesses nacionais, esse tipo de
concessão a políticos do passado,
que nós denunciamos na nossa
origem, passou da conta. É hora
de o PSDB mandar embora esses
vendilhões da pátria, esses bandidos da política. Temos de salvar o
país da irresponsabilidade da
oposição".
Se alguém fizer isso, na mesma
hora vai se tornar o encantador ao
redor do qual se cicatriza toda a
elite e boa parte da classe média
zangada com a atual situação. E
vira imediatamente um candidato competitivo.
Folha - Quem poderia ser o encantador?
Ciro - Geraldo Alckmin. Não
tem muito a natureza para fazer
isso, mas o conteúdo poderia ser
diferente, poderia ser com aquele
jeito sereno dele.
Folha - Quem mais?
Ciro - Tasso Jereissati. Qualquer
um que tenha biografia. Mas precisa ter coerência. Não pode ser
um ministro...
Folha - Como José Serra...
Ciro - Fica pouco crível, embora
o Serra esteja fazendo esse jogo.
Nos salões todos aí ele esculhamba o governo, a equipe econômica, como se o governo não fosse
um só, ao qual ele serve desde o
primeiro momento.
Folha - A possibilidade descrita
pelo sr. em tudo lembra a movimentação do governador do Ceará,
Tasso Jereissati, que defende o
rompimento do governo com o
PMDB. A semelhança entre os dois
discursos reforça a impressão de
que o sr. e Tasso estão jogando em
parceria.
Ciro - Isso é falso. O que houve
foi um gesto de coerência dele,
que tem horror a essa turma que
dominou o PMDB, mas também
tem horror ao Itamar Franco. E
Tasso tem a crença de que o
PMDB abandonará o governo, de
modo que não faz sentido fortalecer a posição do partido.
Segundo: se Itamar ganha com
o rompimento, e se Itamar é adversário meu nas pesquisas, o gesto de Tasso me enfraquece, não o
contrário.
Folha - O sr. já disse que seu ministro da Fazenda seria empresário, ou alguém "comprometido
com a economia real", e político,
com ênfase na segunda característica. Tasso cai como uma luva nesse
perfil.
Ciro - Claro.
Folha - Ele seria seu ministro da
Fazenda?
Ciro - Isso é você quem está dizendo. Eu disse que ele tem o perfil.
Folha - Algum dia o sr. conseguirá
se livrar da pecha de "novo Collor"?
Ciro - Se eu tivesse um Banpará
ou um ranário na minha vida, não
ficava todo mundo dizendo só isso. Compare minha origem social
à do Collor. Compare minha vida
pública, meu comportamento
moral, as companhias que eu prefiro. Pode haver uma contradição
aqui, outra ali, derivadas do fato
de eu pretender governar um país
onde a política é precária, mas veja o que me guiou a vida inteira.
Em que eu pareço com Collor?
Sou relativamente jovem, venho
do Nordeste e tenho um jeito afirmativo de falar que é característico da minha geração.
Eu tenho um temperamento,
sim, mas um temperamento já esmerilhado.
Folha - Intelectuais demonstram
preocupação com o acentuado desgaste do governo. Acham que o
quadro pode favorecer o crescimento de um aventureiro em 2002.
É no sr. que eles estão pensando?
Ciro - Se estiverem, é uma injustiça engajada. Fui deputado de
oposição aos coronéis no Ceará,
líder de um governo de ruptura,
prefeito de capital, ganhei prêmio
mundial como governador do Estado pelo combate à mortalidade
infantil, fui ministro da Fazenda,
fiz um retiro acadêmico para me
aperfeiçoar.
Eu quero ser julgado pela minha
prática, não por versões interesseiras.
Folha - Quem seria então o aventureiro?
Ciro - Essa conversa revela o desvio de um tipo medíocre de acadêmico. Se você olhar bem e espremer o que eles dizem, não
presta nada no país real.
Fernando Henrique ajudou a
construir isso. Príncipe dos sociólogos, linda biografia, patrocinou
um governo desastrado. Ficou todo mundo com o pé atrás.
Coloque defeito, quantos eu não
devo ter? Mas tem de ser real. Não
vale subjetivismo, uma interdição
que pretende substituir o julgamento popular.
Folha - Há bairrismo na teoria do
aventureiro?
Ciro - Sem dúvida.
Quem está fazendo uma crítica
absolutamente lúcida e merece
ser ouvido é o José Luís Fiori
[cientista político da Universidade Federal do Rio de Janeiro, autor do recém-lançado "2001: O
Brasil no Espaço"".
Agora, o último que eu li, francamente não sei quem é, elegeu-se
no Cebrap [Fernando Limongi,
novo presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento",
é algo impressionante [em entrevista à Folha, o cientista político
opinou que a candidatura de Ciro
não vai decolar".
O camarada põe, dispõe, diz
quem pode e quem não pode ser
candidato, não explica por quê e
termina sem conclusão. Ou melhor, você conclui que tem de ser o
Serra. Está ali, mas o sujeito não
tem coragem de se engajar.
É como o José Arthur Giannotti
defendendo o "espaço da amoralidade na política".
A relação entre moral e política
é de fato complexa, mas em nenhuma hipótese essa discussão
pode servir para justificar compra
de votos ou balcão de negócios
com dinheiro público para tirar
assinatura de pilantra da CPI.
É bobagem interesseira. Muito
melhor bater palma para a Marília
Pera, que apoiou o Collor.
Ou agora para a Gal Costa, que
em sua santa ingenuidade foi lá
apoiar o Antonio Carlos Magalhães. Porque gosta dele, "pai da
Bahia", ela acredita nisso.
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