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ENTREVISTA DA SEGUNDA
Fundador do Grameen, de Bangladesh, defende expansão do microcrédito
"Banco dos pobres" se alia a mulheres para reduzir fome na Ásia
MARCELO DIEGO
EDITOR-ASSISTENTE DE DINHEIRO
Muhammad Yunus, 60, é o fundador de um banco com 12.628
funcionários e 1.105 agências, que
já concedeu mais de US$ 3 bilhões
em empréstimos desde 1976 e
conta hoje com 2,4 milhões de
clientes.
Dois fatos, porém, diferenciam
o Grameen Bank de outras instituições e Muhammad Yunus de
outros banqueiros. O primeiro: o
banco fica em Bangladesh (Ásia),
um dos países mais pobres do
mundo. O segundo: são justamente os pobres os principais
clientes do Grameen Bank ("banco da aldeia", no idioma local).
Yunus teve a idéia de fundar o
banco em 1974, quando uma onda de fome particularmente violenta assolou o país. Ele lecionava
economia na Universidade de
Chitagong e ficou impressionado
com as cenas de desespero vividas
pela população mais pobre.
"Era muito difícil ensinar todas
aquelas belas teorias econômicas
enquanto as pessoas morriam de
fome", diz Yunus.
Ele começou a pesquisar a origem da fome e descobriu que ela
poderia ser evitada se as pessoas
tivessem acesso a pequenas quantias de dinheiro -para comprar
sementes, por exemplo. Mas justamente para os mais pobres o
acesso ao dinheiro era quase impossível, já que não existiam garantias colaterais de que os empréstimos seriam pagos.
"As pessoas viviam em um nível
tão baixo que não podiam poupar
nem um centavo. Seus filhos estavam condenados a viver na penúria, sem nunca poder ter a menor
reserva de dinheiro", diz Yunus.
Ele resolveu então fundar uma
instituição que oferecesse microcrédito -pequenas quantias de
dinheiro, suficientes para impulsionar a sobrevivência dos tomadores de empréstimos e tentar garantir uma melhoria de vida.
O banco começou com a concessão de US$ 27 para um grupo
de 42 bengaleses. Em 1999, o total
de dinheiro emprestado já ultrapassava a casa dos US$ 3 bilhões.
A média de empréstimos é de US$
25 por pessoa, com diferentes
prazos de retorno. A taxa de inadimplência é de apenas 2%.
O professor-banqueiro diz não
visar o lucro, embora sua instituição opere sempre no positivo (veja quadro abaixo). Para garantir o
pagamento dos empréstimos, Yunus toma algumas providências.
Primeiro, ele busca conceder
empréstimos às mulheres, não
aos homens. "Elas são mais cuidadosas", justifica. Do total emprestado até 1997, 94,6% foram
parar em mãos femininas.
Outro trunfo foi dividir o banco
em ações, cotadas a US$ 2 e oferecidas aos próprios tomadores de
capital. "Ao pegar um empréstimo, o cliente vira sócio do Grameen", diz.
Segundo pesquisas independentes realizadas em Bangladesh,
a maior parte do dinheiro é utilizada na melhoria de pequenas
propriedades rurais produtivas e
na compra de comida.
Muhammad Yunus esteve no
Brasil, na semana passada, para
lançar o livro "O Banqueiro dos
Pobres" (Ática, 362 páginas, R$
29,90), em que conta sua experiência à frente do banco. Leia a
seguir os principais trechos da entrevista concedida à Folha:
Folha - Como o sr. teve a idéia de
fundar o Grameen Bank?
Muhammad Yunus - Nunca tive a
idéia definida de fundar um banco. O fato é que, em 1974, eu lecionava economia em Bangladesh e
me peguei em uma situação muito peculiar. Ensinava aos estudantes todas aquelas belas teorias
econômicas, tudo aquilo que eu
gostaria de ver colocado em prática. Mas à minha volta havia muita
miséria, sem nenhum tipo de socorro. Achei que deveria ajudar
mais e percebi que uma grande
contribuição seria proporcionar
às pessoas o acesso a uma pequena quantidade de dinheiro. Mas
não havia ninguém, nenhum
banco que oferecesse isso.
Para ter acesso a crédito, as pessoas eram obrigadas a recorrer
aos agiotas, que cobravam juros
inacreditáveis. Então resolvi ajudar. Emprestei do meu bolso US$
27 para um grupo de 42 pessoas. E
percebi que poderia dar mais, fazer mais pelas pessoas. Comecei a
buscar empreendedores para a
instituição, fui às grandes instituições, viajei para as grandes cidades de Bangladesh.
Folha - E encontrou parceiros?
Yunus - No início, eu pegava dinheiro emprestado como se fosse
para mim e o cedia a terceiros.
Quem garantia o capital era eu,
por isso era extremamente importante evitar a inadimplência
-ela quebraria a cadeia e haveria
um colapso. A permissão para o
banco entrar em funcionamento
demorou, no total, dois anos.
Folha - Ser banqueiro está associado à idéia de ganhar dinheiro. O
sr. ficou rico ou pensa em ficar com
o Grameen Bank?
Yunus - Fazer dinheiro nunca foi
meu objetivo. Tanto que eu não
possuo o banco. Ele pertence aos
clientes. Eu não tenho nem uma
ação do Grameen Bank, todas estão nas mãos dos clientes. Fixei
em US$ 2 o valor de cada papel
para que eles pudessem comprá-los. Eles se tornam sócios e não
querem prejudicar algo de que fazem parte. É como um clube:
quem se torna sócio não quer sair.
E os pobres mostram que são
muito bons pagadores. Bem melhores do que os ricos.
Folha - Pensando no futuro, se
Bangladesh atingir um grau mais
avançado de desenvolvimento, o
banco mudará sua forma de atuar?
Yunus - Eu espero sinceramente
que esse dia chegue, mas é muito
difícil. Somos uma das nações
mais pobres do mundo. São mais
de 120 milhões de pobres vivendo
sem nenhum tipo de ajuda. E o
mundo parece não se importar
muito com isso. Grandes organismos gostam de fazer belos discursos a respeito de nossa situação,
mas não agem com tanta ênfase.
Folha - Então o destino das pessoas é continuar a ser pobres?
Yunus - Eu aprendi que a pobreza não é criada pelos pobres, mas
pela impossibilidade de ascensão
na sociedade. As pessoas viviam
em um nível tão baixo que não
podiam poupar nem um centavo.
Seus filhos estavam condenados a
viver na penúria, sem nunca poder ter a menor reserva de dinheiro. É o que tentamos mudar.
Folha - Em 98, o Prêmio Nobel de
Economia foi concedido ao indiano
Amartya Sen por suas teorias sobre
a pobreza. Na época, ele disse que
o prêmio seria importante para colocar os pobres nas discussões acadêmicas. O sr. acredita que isso esteja realmente acontecendo?
Yunus - Ele teve um papel muito
importante, pois não havia muitas discussões a respeito da pobreza, principalmente nos meios
acadêmicos. Acho que isso está
melhorando e mostrando que,
quanto mais saudável é a economia de uma nação, menos pobres
existem. É algo de que toda a sociedade se beneficia, embora as
pessoas cresçam com a idéia de
que a pobreza sempre existirá e
nada pode ser feito a respeito.
Folha - Por que o sr. prefere emprestar dinheiro para as mulheres,
e não para os homens? Não há um
pouco de estereótipo nisso?
Yunus - Nós não quisemos usar
técnicas convencionais de outros
bancos. Isso nos tornaria iguais a
eles. E nós percebemos que era
muito difícil para as mulheres
conseguir empréstimos, principalmente em Bangladesh. Quando elas conseguiam, repassavam
aos maridos. Nós quisemos valorizar o papel da mulher na sociedade. Levou seis anos, mas conseguimos inverter a tendência: passamos a ter as mulheres como
principais clientes. Elas são também mais cuidadosas, pensam
mais na família, prestam mais
atenção no futuro e nas crianças.
Os homens são muito nervosos e
impacientes, parecem não se
preocupar com o amanhã.
Folha - Em seu livro, o sr. diz que o
dinheiro emprestado é usado em
pequenas propriedades rurais ou
na compra de alimentos. Como o sr.
sabe ao certo qual é a destinação final do dinheiro?
Yunus - Nosso banco tem cinco
grupos, formados por 14 pessoas,
escolhidas independentemente.
Elas são responsáveis por fiscalizar as atividades em que o dinheiro está sendo empregado. Se você
não transformar aquele dinheiro
em um bem ou em lucro, não terá
como pagá-lo de volta, não vai
conseguir mais empréstimos. É
um programa monetário muito
simples, contudo bem supervisionado. Mas, em Bangladesh, o dinheiro se transforma, de alguma
forma, em comida. Você tem de
comer o capital. Não resta mais
nada a fazer com o dinheiro.
Folha - A economia mundial presta muita atenção a fatos como a
elevação ou não da taxa de juros
nos EUA e o comportamento das
Bolsas de Valores. São conceitos
importantes para o sr. também?
Yunus - Com a globalização das
economias, são. Mas têm uma importância relativa, um pouco diferente. Eu não vou ganhar nem
perder dinheiro se os juros subirem nos EUA. Só que, se as Bolsas
caírem, provavelmente circulará
menos dinheiro americano pelo
mundo, e as pessoas de Bangladesh podem perder seus empregos. Essa influência é que me
preocupa.
Folha - O Brasil também é um país
com um grande contingente de pobres. O conceito de seu banco poderia ser utilizado aqui?
Yunus - Obviamente. A idéia essencial é a seguinte: os bancos
convencionais não emprestam dinheiro aos pobres, mas os pobres
precisam de muito pouco. Qualquer um que ofereça crédito colocará uma grande quantidade de
pessoas no sistema financeiro. É
um passo muito pequeno, de resultados muito amplos.
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