São Paulo, domingo, 24 de julho de 2005

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JANIO DE FREITAS

Na zona de perigo

A crise entrou na fase em que cada documento novo, cada acréscimo verbal para afirmar ou negar, é como um lance de roleta russa. Uma situação particularmente perigosa: as evidências comprometedoras chegaram à porta do Palácio, o presidente assume ares paranóides de descontrole pessoal e, por precipitação de alguns e má-fé de outros, já se confundem a busca das verdades e a passagem da crise política à crise institucional.
Até meado da semana, a crise chegava ao Planalto pela via indireta das denúncias e suspeitas que atingiram a Casa Civil de José Dirceu e a Secretaria de Comunicação de Luiz Gushiken. Problema quase que apenas individualizado. Duas novas revelações documentais dirigem-se, porém, à Presidência mesmo. Uma, o uso do dinheiro sujo de Marcos Valério para pagar meio milhão a uma das empresas de Duda Mendonça, por intermédio da sócia Zilmar Fernandes da Silveira. Outra, a quitação de cerca de R$ 30 mil de empréstimo do PT a Lula.
Às duas revelações falta nitidez, o que pode esconder sua legitimidade, mas também sua gravidade. Os dois fatos são de 2003. O primeiro, no início do governo Lula e, por isso, suspeito de ligar-se à campanha que elegeu o presidente: o dinheiro sujo de Valério deslegitimando o resultado eleitoral. O segundo, suspeito de benefício financeiro pessoal ao presidente, por intermédio da tesouraria petista onde Delúbio Soares traçava os fins do dinheiro açambarcado por Valério.
Diante dos canhonaços que destroçam o PT, Lula não tem o que fazer. Mas o que atinge o governo deveria receber resposta objetiva, imediata e convincente. Do escapismo inicial, Lula passou, no entanto, à atitude mais inconveniente ao Estado de Direito: apela aos setores operários, como se viu na sexta-feira, com a contraposição de classes. Não por um motivo social e justo, mas por motivo falso: as elites a que Lula atribui a intenção de fazê-lo "abaixar a cabeça" são seu maior aliado e a classe socioeconômica beneficiada de verdade, e quanto, pelo seu governo palocciano.
Do perseguido, Lula passa à fanfarronice do nascido pobre com quem, por isso, "ninguém pode discutir ética". Raia a gaiatice, esse monopólio da pobreza e da ética pretendidos por Lula, em meio aos luxos palacianos ou no Aerolula, enquanto seus atos presidenciais confirmam a confissão de que tudo o que falou nos 20 anos anteriores eram "bravatas".
Programam-se vários eventos populares, dos que Lula transforma em comícios, para a agenda presidencial dos próximos dias. No Congresso e na CPI, esperam-se mais discursos irresponsáveis, como as referências do deputado José Carlos Aleluia a impeachment, discursos quase sempre de quem não está autorizado pela biografia a falar de moralidade na vida pública.
A crise entrou em zona de perigo.

Concorrência
A propósito de referência feita aqui, e não só aqui, a uma concorrência nos Correios, correspondência de Luiz Gushiken (já não sei se, nas obscuridades planaltinas, ainda ministro, ou já secretário, ou que designação tem) diz o seguinte: "É absolutamente improcedente a afirmação de que "a redução de R$ 3 milhões para R$ 1,8 milhão, do capital exigido das empresas concorrentes (...) permitiu a inclusão de Marcos Valério na licitação". O edital previa que poderiam participar da licitação empresas que atendessem a requisitos de liquidez geral, solvência geral e liquidez corrente superiores a um" (segundo equações constantes do edital remetido também, em cópia, por Luiz Gushiken).
Bastará dizer, a propósito da referência aqui feita à redução imposta pela secretaria do então ministro Luiz Gushiken, que Marcos Valério deu a seguinte resposta na CPI, quando perguntado se sua empresa (com patrimônio de R$ 2,2 milhões) foi beneficiada nos Correios pela redução do patrimônio exigido: foi, mas outras também foram.


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