São Paulo, sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JULGAMENTO DO MENSALÃO

Troca de mensagens gera mal-estar no STF

Ministros Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia trocaram opiniões pela intranet do Supremo sobre o julgamento

Supremo não se manifestou oficialmente -site chegou a anunciar veto à entrada de fotógrafos, mas Ellen Gracie não autorizou a restrição

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
DA REPORTAGEM LOCAL

A divulgação da troca de mensagens instantâneas entre ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), com comentários sobre votos do julgamento do mensalão e considerações sobre colegas, causou mal-estar no tribunal ontem.
Eros Grau, personagem de uma conversa dos colegas Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia, alfinetou os ministros e a imprensa. A divulgação, feita pelo jornal "O Globo", também foi criticada por ministros.
A troca de mensagens entre Lewandowski e Cármen Lúcia na intranet do Supremo ocorreu no primeiro dia do julgamento, anteontem, durante a sustentação oral do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza. As telas dos computadores portáteis que os ministros utilizavam no plenário foi fotografada.
As mensagens trazem comentários -truncados pela queda da conexão do sistema de intranet- que sugerem uma relação entre a atuação de ministros na análise da denúncia e a nova indicação do governo federal para a vaga de Sepúlveda Pertence, que se aposentou do tribunal recentemente.
No primeiro trecho do diálogo, entre as 11h57 e as 12h48, o ministro comenta a apresentação do procurador-geral que, segundo ele, "está -corretamente- jogando para a platéia". Minutos depois, Lewandowski afirma estar "impressionado" com a sustentação do Ministério Público Federal. Cármen Lúcia, então, sugere um encontro no final do dia com os respectivos assessores.
"Não sei, não, mas mudar à última hora é complicado. Eu, de qualquer maneira, vou ter de varar a noite. Mas acho que podemos bater um papo aqui mesmo", responde o ministro.
Lewandowski levanta dúvida em relação ao crime de peculato (uso de cargo público para benefício próprio), se ele se aplica aos que não são funcionários públicos, caso, por exemplo, do ex-secretário-geral do PT Sílvio Pereira.
Num segundo trecho registrado pelo "O Globo", às 15h45, Cármen Lúcia diz ao colega: "Me foi dito pelo Cupido [Eros Grau, que estava sentado ao lado dela na sessão] que vai votar pelo não recebimento da den. [denúncia] entendeu?". O colega responde: "Ah. Agora, sim. Isso só corrobora que houve uma troca. Isso quer dizer que o resultado desse julgamento era realmente importante".
Grau, tratado pela colega como "Cupido", disse ao chegar ao Supremo: "Nunca vi isso antes acontecer no tribunal, nem a imprensa entrar e interceptar a correspondência nem esse tipo de diálogo".
No diálogo entre Lewandowski e Cármen Lúcia há ainda reclamações sobre Marco Aurélio Mello, presidente da 1ª Turma do STF, e discussão sobre pontos dos votos de cada um no julgamento do mensalão. Cármen Lúcia diz a Lewandowski estar "com problema na turma [presidida agora por Marco Aurélio] por causa do novo chefe", sem esclarecer quais os problemas.
"Quanto à referência à minha pessoa, saí bem na fotografia. Qual o receio da minha presidência, o cumprimento do dever? Sim, busco o cumprimento do dever", disse o ministro Marco Aurélio.

Cautela
Ontem, Cármen Lúcia evitou mexer no seu computador durante o julgamento. Lewandowski digitou textos normalmente, mas procurou manter a tela um pouco abaixada durante a maior parte do tempo, assim como o relator da denúncia do mensalão, Joaquim Barbosa -esse flagrado navegando por sites de notícias, como do jornal "Le Monde".
O ministro Carlos Ayres Britto defendeu os colegas dizendo que a troca de e-mails e mensagens "faz parte da rotina dos ministros". "Até como modo de descontrair um pouco. Às vezes, a sessão é muito demorada, é tensa, então trocamos impressões, mas não trocamos votos, ninguém adianta o voto para ninguém. Quando o juiz decide, decide solitariamente, sentadinho no tribunal de sua própria consciência", afirmou Britto, arrematando: "Aqui não existe arranjo, não existe alinhamento, ninguém se alinha com ninguém".
Britto criticou a publicação dos diálogos. "Os jornais bisbilhotam, invadem a privacidade da gente, mas isso não me incomoda. Porém, achei que foi uma demasia."

Defesa
Para os advogados de defesa, não deverá haver questionamentos que ameacem o andamento do julgamento.
Defensores ouvidos pela Folha afirmaram que os diálogos publicados revelam apenas uma prática comum nos tribunais, que é a de juízes trocarem impressões sobre matérias que vão a julgamento. Alguns condenaram a divulgação.
"Acho grave, ou melhor, gravíssima essa invasão por parte da imprensa da privacidade dos ministros", afirmou José Luís Mendes de Oliveira e Lima, advogado do ex-ministro José Dirceu. "Os juízes não estão sujeitos à cláusula da incomunicabilidade", disse o advogado de Marcos Valério, Marcelo Leonardo.
Alberto Toron, advogado do ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha (PT-SP), endossou a análise, mas criticou a divulgação: "A imprensa pisou na bola ao xeretar as mensagens".
Oficialmente, o Supremo não se manifestou sobre o assunto. O tribunal chegou a colocar no site, anteontem e antes da publicação, um informe da assessoria para proibir a entrada de fotógrafos. Os ministros estavam reclamando dos flashes. A presidente do STF, Ellen Gracie, não autorizou a medida e os fotógrafos puderam fotografar a sessão.
Luiz Francisco Barbosa, advogado de Roberto Jefferson, felicitou os ministros pela constatação de que, diferentemente de suposto receio dos advogados, eles estariam prestando atenção às defesas.
"É com alegria que constato que estávamos sendo ouvidos. Isso não diminui a Corte, pelo contrário, a eleva", disse.


Texto Anterior: Mensaleiros fizeram operações suspeitas no valor de R$ 1,23 bi
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.