São Paulo, terça-feira, 24 de setembro de 2002

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FOLCLORE POLÍTICO

Proposta indecorosa

PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO

Ano de 1888. Local: Taubaté, no centro do Vale do Paraíba, próspera região entre Rio de Janeiro e São Paulo.
Nessa época, o Vale já começava a sentir os primeiros sintomas da decadência que iria abatê-lo alguns anos depois. Seus cafezais envelhecidos situavam-se nas íngremes encostas da Serra do Mar, o que dificultava o trabalho e favorecia a erosão. O transporte da produção era outro problema: não havia ligação para o porto do litoral norte, e todo o café era enviado para São Paulo, onde ficava à espera do embarque pela única estrada de ferro até Santos -a São Paulo Railway. De propriedade de capitais ingleses, a companhia dava precedência ao café do "Oeste Paulista".
Contudo, mais premente era o problema da mão-de-obra. A campanha abolicionista avançava, e os fazendeiros se perguntavam como tocar as lavouras sem escravos. A questão era polêmica. No próprio Vale do Paraíba, fazendeiros progressistas apoiavam a campanha.
Esse era o clima quando o Senado do Império entrou em recesso, e Monsenhor Valois de Castro aproveitou para visitar seus eleitores valeparaibanos.
Como era comum na época, armou-se uma grande recepção para o representante da cidade na Corte do Rio de Janeiro. Evidentemente, só ricos fazendeiros, autoridades e pessoas de altas posses foram convidadas. Corria a festa quando uma fazendeira dona de muitos escravos aproximou-se do Monsenhor e lançou a pergunta que todos tinham engasgada na garganta.
"Monsenhor, é verdade o que estão dizendo, que, agora, quando abrirem as Cortes, não haverá como evitar a votação da lei dos negros?". Ela se referia aos vários projetos de lei para abolir totalmente a escravidão na pauta do parlamento do Império.
Experimentado político, Monsenhor sabia que o movimento abolicionista havia ganho um ímpeto formidável e resolveu preparar o espírito dos seus constituintes. "Sim, minha senhora, desta vez será impossível impedir que a abolição seja aprovada."
Ouvindo isto, a fazendeira fez outra pergunta: "Monsenhor, e será que não dá para o sr. retirar da lista ao menos os meus?".
Prezado leitor: não atire pedra apenas nessa velha senhora; até hoje há gente que considera ser esta a função de um parlamentar.


PLÍNIO ARRUDA SAMPAIO, 72, ex-deputado federal pelo PT e membro da Assembléia Constituinte de 1988, escreve às terças-feiras nesta seção


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