São Paulo, domingo, 24 de outubro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ECOS DO REGIME

Ministro José Viegas e comandante Francisco Albuquerque devem trocar atuais funções por cargos no exterior

Nota agrava crise entre Defesa e Exército

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

A principal seqüela da nota em que o Exército enalteceu a ditadura militar e defendeu as estruturas de repressão é o agravamento da crise entre o Ministério da Defesa e o Comando do Exército, que se arrasta há meses. Tanto o ministro José Viegas quanto o comandante Francisco Albuquerque devem ser trocados no fim do ano.
Conforme a Folha apurou, Viegas pode ser nomeado para uma embaixada na Europa e Albuquerque teria uma compensação também no exterior. O episódio, porém, afastou a hipótese de remanejamento de Aldo Rebelo do Ministério da Coordenação Política para a Defesa.
A divulgação de fotos dos arquivos da ditadura mostraram ao governo que "a ferida ainda é recente" e que Rebelo poderia até ser bom ministro nos momentos de calma e rotina, mas ficaria em situação delicada durante uma eventual crise como a de agora. Ele é deputado do PC do B (Partido Comunista do Brasil) e estaria comandando o inimigo de poucas décadas atrás.
As duas embaixadas lembradas para Viegas (diplomata de carreira) são as de Roma e de Paris, ocupadas pelo ex-presidente Itamar Franco e Sergio Amaral, porta-voz do governo Fernando Henrique Cardoso.
As vagas que estariam em estudo para Albuquerque são a de conselheiro militar da missão brasileira na ONU (Organização das Nações Unidas) ou de chefe do Gabinete de Segurança Institucional, vinculado ao presidente. Há, porém, complicadores.
O atual conselheiro na ONU é o brigadeiro Reginaldo dos Santos, nomeado em 2003 por dois anos -até agosto de 2005. Respeitado o rodízio entre as Forças, seu substituto será do Exército, mas é improvável que Albuquerque fique até lá no comando.

Lances da crise
A polêmica nota do Exército foi publicada no domingo passado e Viegas, com Lula e Dirceu, operou para haver retratação pública. O recuo veio dois dias depois, em nova nota, desta vez assinada por Albuquerque, que fala no "poder da democracia brasileira". Na semana passada, o Alto Comando do Exército reuniu-se e respaldou a posição de Albuquerque.
A primeira nota e a retratação pública mantêm e agravam o clima de tensão. Em abril, por exemplo, Viegas enviou mensagem aos três comandos -Exército, Marinha e Aeronáutica- desautorizando "manifestações isoladas" contra os baixos soldos.
Mais adiante, a Defesa vislumbrou a participação do Exército em reportagens sobre o ministro e sobre a contratação da empresa de consultoria de um amigo para analisar a reengenharia das três Forças. A reação da Aeronáutica e da Marinha também foi considerada mais "solidária".
Outra queda-de-braço ocorreu quando os assessores parlamentares do Exército passaram a agir em sentido oposto à orientação da Defesa e do próprio Planalto em relação ao projeto de desarmamento. O governo era a favor, e a Força atuava contra.
Viegas chamou Albuquerque a seu gabinete e pediu explicações. A resposta foi que aquilo não se repetiria. Curiosamente, o comandante aumentou a patente do assessor: trocou um coronel pelo general Rubem Peixoto Alexandre. Na Defesa, a mudança foi recebida como sinal de confronto.
Os dois lados têm aliados fortes no governo. Lula faz elogios públicos à lealdade do ministro, a quem conheceu no final dos anos 80, quando Viegas ainda era um jovem diplomata, servia em Cuba e se declarava simpatizante do PT.
Além disso, Viegas é interlocutor praticamente diário do ministro José Dirceu (Casa Civil) -com quem acerta o pacote das empresas aéreas, os principais acordos e contratos militares e todos os seus passos políticos na condução da Defesa.
Já Albuquerque tem apoio firme tanto do ministro Luiz Gushiken (Comunicação) quanto do líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP).
Partidários dos dois lados garantem que quem cai é o outro: os de Viegas desconfiam da versão de que Albuquerque não foi consultado sobre a nota sobre a ditadura, e os de Albuquerque dizem que o episódio só agravou um "quadro difícil" para Viegas.
O problema começou com o surgimento de fotos de arquivo que foram atribuídas ao jornalista Vladimir Herzog (morto no Doi-Codi em 1975). A crise foi causada por nota do Exército, que deixou dúvida sobre bolsões de resistência militar. Viegas foi acordado no domingo pelo telefonema de um assessor que considerou a nota "explosiva". O ministro chegou a escrever um texto desautorizando a nota. Viegas chamou Albuquerque à sua casa e entregou-lhe pessoalmente um ofício questionando a nota e sua divulgação.
Na segunda-feira à tarde, Albuquerque foi pessoalmente ao ministro com uma resposta, incluindo o rascunho de uma nota à imprensa renegando a anterior. Viegas leu, considerou "insuficiente" e comunicou a Lula e ao general. O presidente, então, marcou uma reunião na Base Aérea, na terça-feira, em que ditou trechos da retratação que esperava do general.


Texto Anterior: Treinamento: Acabam dia 30 inscrições para curso gráfico
Próximo Texto: Ministério levou 35 anos para ser criado
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.