São Paulo, Quarta-feira, 24 de Novembro de 1999


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Laudos de assassinato no Acre contradizem testemunhas

WILLIAM FRANÇA
enviado especial a Rio Branco (AC)

Os laudos pericial e cadavérico feitos no corpo de Agilson Santos Firmino, o Baiano, têm contradições com os depoimentos que embasaram a denúncia do Ministério Público e a prisão de várias pessoas, entre elas o ex-deputado Hildebrando Pascoal.
A principal delas é quanto ao uso da motosserra, que teria sido operada por Hildebrando.
Nenhum dos dois laudos faz qualquer referência ao instrumento usado para amputar parte dos braços e das pernas de Baiano. Diz apenas que houve a amputação.
As testemunhas são categóricas em afirmar que ouviram relatos sobre o uso da motosserra.
A Folha teve acesso aos dois laudos e às fotos do laudo cadavérico. Os laudos foram assinados por dois legistas e por um perito. A Folha ouviu todos. O legista José Furtado Medeiros disse que nada de melhor foi feito nessa perícia por falta de estrutura e negou pressões políticas. "Tem dia que nem luva temos", afirmou.
O legista José Edson da Silva não quis comentar o caso "por não ser ético". O criminalista Jessélio Ad-Víncola afirma que as limitações técnicas impediram, por exemplo, que fossem feitas fotos do local onde o corpo foi achado, bem como os exames de balística (até hoje não realizados).
A Folha consultou legistas do Laboratório de Antropologia Forense do Instituto Médico Legal de Brasília -que, entre outros serviços, 25 anos depois, reconstituiu a morte do guerrilheiro Carlos Lamarca- sobre os laudos.
Segundo os legistas consultados, os cortes feitos nas pernas e nos antebraços não indicam o uso de motosserra. Se utilizada, ela deixaria espículas (espécie de agulhas) nos ossos, pois as lesões provocadas por ela são bastante irregulares. O corpo ficaria com marcas dos dentes e seria possível até mesmo "encaixar" a motosserra nos cortes.
Nas fotos, os cortes, especialmente os dos braços, são retos, regulares. Os das pernas, por haver muita gordura (Baiano tinha cerca de 1,75 m e era bastante robusto, segundo a perícia), aparecem envoltos em nacos de carne.
Segundo os legistas, somente a exumação do corpo de Baiano e o estudo de sua ossada poderão afirmar o que aconteceu.

Outras contradições
Há outras contradições. A denúncia feita pelo Ministério Público Estadual afirma que a vítima "teve os olhos perfurados (...) e o pênis amputado com a utilização de uma motosserra, além de ter um prego cravado na testa".
Os laudos e as fotos não indicam isso. Os olhos estão no local, assim como o pênis. Baiano estava vestindo cueca e calção. O que seria um prego foi, na verdade, um tiro de pistola 9 mm na têmpora direita -um dos cinco tiros que Baiano recebeu.
Com base nas contradições e nas falhas na denúncia, advogados de defesa dos oito acusados do crime (dois dos quais ainda estão foragidos) devem pedir a anulação da prisão e, se não conseguirem, tentar provar a inocência de seus clientes no júri.
O promotor Eliseu Buchemier, que ofereceu a denúncia, afirma que esses detalhes "são secundários". "Isso não afeta o caso. Ele (Baiano) morreu e teve seus membros amputados, não teve? Então os detalhes não contam. Até agora não apareceu nenhuma testemunha que presenciou o crime, então ficam valendo as testemunhas referenciais."
"As testemunhas estão mentindo. Essa versão de motosserra e de outras torturas foi criada pela imprensa e pelo Ministério Público para fazer o caso 'mais chocante"", afirma Ruy Duarte, advogado do vereador Alípio Ferreira (PMDB), um dos foragidos.


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