|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA DA 2ª
MÁRCIO THOMAZ BASTOS
Thomaz Bastos afirma que ministério tem "plano" e que resultados virão no final do governo Lula
"Não podemos legislar pela emergência", diz ministro
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Defensor do controle externo da
Justiça, mecanismo que incomoda a magistratura, o ministro da
Justiça, Márcio Thomaz Bastos,
67, prevê para o final do governo
Lula os primeiros resultados da
reforma do Poder Judiciário -a
qual chama de "gênero de primeira necessidade".
A idéia é buscar o consenso. No
dissenso, a disputa será no voto,
no Congresso, a instância na qual
tramita há 12 anos uma proposta
de mudar a estrutura e o funcionamento da Justiça.
Resultados? A população brasileira só os sentirá em 2006, no final do mandato de Lula.
Bastos é contra a redução da
maioridade penal e o endurecimento da legislação relacionada à
segurança pública. "Não podemos legislar pela emergência. Temos que ter um plano. E isso nós
temos", disse o ministro.
Sobre a manifestação do último
sábado, em São Paulo, contra a
violência, organizada pelos pais
de Liana Friendenbach e Felipe
Caffé, assassinados no início do
mês, ponderou: "É preciso ter cuidado com o impacto disso sobre
uma legislação de pânico".
Entre goles de chá de camomila,
em um fim de tarde, Bastos evitou
falar sobre a reforma ministerial.
"Sabe que eu nunca conversei
com ele [Lula] a esse respeito?"
Folha - Quais os pontos prioritários da reforma do Judiciário?
Márcio Thomaz Bastos - O controle externo parece muito importante. A federalização dos crimes contra direitos humanos, que
hoje, como regra, estão na esfera
estadual. A quarentena, tanto na
entrada quanto na saída do Judiciário. Esses são os pontos constitucionais, mas essa reforma tem
outros níveis também -infraconstitucional, extralegal, além de
mudanças pontuais na legislação
processual civil e penal. A Secretaria de Reforma do Judiciário [órgão que pertence à estrutura do
Ministério da Justiça] está estudando, pontualmente, questões
referentes à modificação dos ritos
processuais, de modo a acelerar o
andamento. E, fora das modificações legais, vamos premiar as melhores práticas. Em São Paulo, por
exemplo, há um fórum chamado
"Social", da Justiça Federal, que é
uma experiência maravilhosa,
um juiz e um tribunal sem papel,
tudo no computador.
Folha - Em quanto tempo o Brasil
sentirá os resultados da reforma?
Bastos - Levando em conta os diferentes níveis em que estamos
trabalhando, acredito que até o
fim do mandato do presidente
Lula já tenhamos os primeiros resultados.
Folha - Qual o grande nó do Judiciário?
Bastos - Está na primeira instância, que precisa ser reequipada,
informatizada, sofrer um processo de gestão e ganhar mais eficiência.
Folha - Em meio à reforma, existe
a possibilidade de ter recursos da
iniciativa privada. Não pode haver
aí um conflito de interesses?
Bastos - Não acredito. Esse dinheiro será somente para financiar prêmios para as melhores
práticas, que vamos estabelecer
como incentivo para a mudança
de gestão.
Folha - A reforma está apenas começando. Como está o clima entre
o Executivo e o Judiciário?
Bastos - Isso tem que ser feito da
maneira mais civilizada possível.
Vamos identificar os pontos de
consenso e, naqueles pontos onde
não for possível vencer o dissenso, vamos para o foro disso, que é
o Congresso Nacional. Cada um
defende sua posição, e o Congresso decide.
Folha - Mas as relações estão civilizadas?
Bastos - Absolutamente civilizadas. O presidente do Supremo
[Tribunal Federal, ministro Maurício Corrêa] e o presidente da República são agentes políticos, são
homens que se conhecem há muito tempo. Trabalharam juntos na
Constituinte.
Folha - A Operação Anaconda dá
força à reforma?
Bastos - Eu não gosto de achar
que tenha alguma relação. A reforma do Judiciário é um gênero
de primeira necessidade independentemente disso.
A Operação Anaconda, muito bem
feita pela Polícia
Federal, é brilhante. É importante
que a gente mantenha sempre presente que as pessoas são acusadas.
Elas não estão
condenadas ainda, têm presunção
de inocência, direito a uma defesa
ampla. Isso é muito importante situar, pois vivemos
em um Estado democrático de Direito.
Folha - Mas o governo poderia usar
a Operação Anaconda para pressionar o Judiciário.
Bastos - Nosso
discurso não é esse. Nosso discurso
é o da necessidade
indeclinável da reforma do Judiciário. Pregamos isso
desde a Constituinte. Não pretendemos usar nenhum acontecimento, evento, enfim, para induzir, jogar a população ou tentar
incluir no Congresso a reforma
do Poder Judiciário. A reforma
que se pretende é a favor do Judiciário, não contra ele. É para beneficiá-lo, redefinindo um modelo que produza uma Justiça rápida, acessível, mais perto do povo.
Folha - O que o governo fará para
combater esse suposto esquema de
corrupção na estrutura do Estado?
Bastos - Não conheço os autos.
Portanto, só posso falar em tese.
Essa é uma luta que precisa ser
travada por toda a sociedade, não
só pelo Estado. Isso se faz com polícia científica, com inteligência,
investigação paciente, que não se
precipite, que não busque holofotes antes de buscar a verdade.
Folha - Mas para isso é preciso investir, e a PF está devendo R$ 36
milhões na praça.
Bastos - Reconhecemos essa situação crônica, que vem lá de trás,
e estamos reunindo todos os esforços para contorná-la. Mas vemos, por outro lado, os grandes
êxitos que a PF vem tendo. Ao
mesmo tempo em que há dificuldades, a PF está
estimulada, tem
orgulho de trabalhar. E isso explica
os grandes resultados, a exemplo
da Operação Anaconda.
Folha - O que muda na Secretaria
Nacional de Segurança Pública com
a posse do novo secretário, Luiz Fernando Corrêa?
Bastos - Não
queria olhar para
o passado, eu queria separar. O novo secretário é um
homem de planejamento, de execução, inteligência, de informação. Acredito que
ele vá fazer um
grande trabalho à
frente da secretaria de Segurança.
Folha - Está em
curso um processo
de endurecimento
da legislação relacionada à segurança pública. E também se discute, com certo eco na
sociedade, a redução da maioridade penal.
Bastos - Não sou a favor dessa
redução nem do endurecimento
da lei. Na quarta-feira, estarei com
o pai [Ari] da Liana [Friedenbach,
jovem de 16 anos que foi assassinada por um menor, segundo a
polícia]. Vamos discutir essa
questão. Não podemos legislar
pela emergência. Temos que ter
um plano. E isso nós temos. Mas
acredito que, às vezes, é preciso
apertar um pouco as pontas. Ao
mesmo tempo, é necessário tirar
da cadeia quem não deve estar lá.
Temos um projeto importante no
Senado, que deve ser votado ainda neste ano. É um projeto que,
por um lado, acabando com o
exame criminológico, facilita a
saída da cadeia das pessoas que
não precisam estar lá, que estão
na cadeia só para se perverter, para se corromper. Esse mesmo
projeto, por outro lado, endurece
os procedimentos carcerários para os detentos fisicamente perigosos ou para os chefes de quadrilhas. Outra coisa que estamos fazendo com entusiasmo no ministério é a formulação de uma política de penas alternativas. Teremos
um congresso sobre esse tema no
início do próximo
ano, com a participação de especialistas internacionais. No Brasil,
menos de 10% dos
processos criminais terminam em
penas alternativas. Em outros
países, como a Inglaterra, esse número é de 80%.
Folha - Qual a sua
análise da manifestação de anteontem em São
Paulo [o ato contra
a violência foi organizado pelos
pais de Liana e Felipe Caffé, 19, assassinados no início do mês].
Bastos - É compreensível, até em
solidariedade ao
pai de Liana. Mas
como já disse, é
preciso ter cuidado com o impacto disso sobre uma legislação de
pânico. Vamos conversar na
quarta-feira e discutir este assunto com mais profundidade. Estamos todos do mesmo lado, só é
preciso achar os melhores caminhos juntos.
Folha - Qual a diferença entre a
gestão do ministério sob Lula e as
administrações anteriores?
Bastos - Em governos anteriores, não tivemos um plano. E também houve uma sucessão muito
grande de ministros -nove em
oito anos-, o que dificultava não
só o planejamento, mas principalmente a execução do trabalho.
Em um seminário de planejamento que fizemos há um mês, isso foi demonstrado com clareza
em relação ao departamento penitenciário. Então vinha um ministro que era a favor de endurecimento, e aí se decidia planejar penitenciárias de segurança máxima. Depois, ele saía e entrava um
defensor do direito penal mínimo, e aí determinava: "Não vamos mais fazer penitenciárias, faremos prisões-albergue". Um ano
depois, vinha um outro e dizia:
"Não, vamos parar com isso tudo". Então, as coisas nem chegavam a embalar,
não chegavam a se
construir e render
frutos. Agora,
não. Agora, nós
temos um plano,
que é anterior à vitória [na disputa
presidencial do
ano passado], que
está sendo implantado e tem
suas linhas básicas
traçadas com
muita clareza. E é
isso que pretendemos fazer: uma segurança pública
integrada. Sabemos que precisamos de um Poder
Judiciário eficiente e de um sistema
prisional diferente
deste que está aí. É
nisso que o Ministério da Justiça está investindo. Estamos fazendo
um esforço muito
grande -e não é
só financeiro, é emocional, de articulação- para criar no Brasil
uma cultura de combate à lavagem de dinheiro. Criamos o Departamento de Recuperação de
Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, por meio do qual
pretendemos fazer essa grande
articulação.
Folha - E como será essa grande
articulação?
Bastos - Vou dar um exemplo.
Pouca gente paga IR (Imposto de
Renda) no Brasil -e o IR é um
mapa da distribuição de renda.
Antigamente, pagar IR era uma
coisa facultativa. Depois, por vários mecanismos, foi sendo criada
a consciência de que é preciso pagar Imposto de Renda. Hoje, todo
mundo paga. Então, a idéia é criar
uma cultura geral, com todos os
órgão envolvidos, articulados
com o sistema bancário brasileiro, que tem um padrão de informática incomparável. Precisamos
criar no Brasil uma cultura de que
não pode lavar dinheiro, não pode passar escritura por baixo, não
pode fazer compra ou serviço
com recibo ou sem recibo. Em resumo, queremos jogar essa lavagem de dinheiro só para atividades criminosas, e aí combatê-la
fortemente. Lavagem de dinheiro
-e eu estou cansado de dizer isso- é a causa final do crime organizado. As pessoas só correm os
riscos de se organizar, de se associar em uma quadrilha, de levar
tiro, ser fuzilado pela polícia, ser
preso, quando sabem que podem
lavar o dinheiro que ganham com
o crime.
Folha - Pela confiança com que
fala e pelos planos de médio e longo prazos que explana, o sr. fica na
Esplanada depois da reforma ministerial, não?
Bastos - O cargo é do presidente.
Eu não sei se ele vai me manter
aqui.
Folha - Além de ministro da Justiça, o sr. é amigo do presidente. Como têm sido suas conversas sobre
esse tema?
Bastos - Sabe que eu nunca conversei com ele a esse respeito? Ontem nós tivemos uma longa conversa -mais de três horas- sobre segurança, sobre vários temas, mas não falamos disso. Esse
é um assunto que só o presidente
Lula vai decidir.
Texto Anterior: Outro lado: Se tivesse mais, colocaria mais, diz governador Próximo Texto: Criminalista há 45 anos, Bastos é ligado ao PT Índice
|