São Paulo, sexta-feira, 24 de novembro de 2006

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Ação contra coronel é imitação da Argentina, afirma Passarinho

Ex-ministro diz que Justiça se sobrepõe à lei ao permitir processo contra militar acusado de tortura

Jarbas Passarinho, líder no Senado em 1979, foi um dos signatários do Ato Institucional número 5, que endureceu o regime militar


MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO

Com artigos na imprensa e discurso em ato público, o coronel reformado do Exército Jarbas Passarinho, 86, é apoiador destacado de um colega acusado de tortura durante o regime militar (1964-85), o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra.
Como a Folha revelou no dia 10 de setembro, uma família de cinco pessoas aponta Ustra como autor de tortura física e psicológica em 1972 e 73, quando o militar dirigia em São Paulo a unidade local do Doi-Codi (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna).
Passarinho era o líder do governo no Senado quando a Lei de Anistia (1979) entrou em vigor. Em 1968, ministro do Trabalho, foi um dos signatários do Ato Institucional número 5, que endureceu o regime.
Em entrevista telefônica, o coronel disse que a ação visa repetir o que houve recentemente na Argentina, com a revogação das leis de anistia locais. Para Passarinho, a Justiça se sobrepõe à lei brasileira ao permitir o prosseguimento do processo contra Ustra.

 

FOLHA - O que o leva a apoiar Ustra?
JARBAS PASSARINHO -
Ao ler o primeiro livro dele ["Rompendo o Silêncio", 1987], fiquei impressionado com a convicção de que ele não tinha praticado tortura. Tive um caso no Ministério da Educação: uma moça foi torturada, levei o caso ao presidente Médici [1969-74], que tomou providências imediatas. Foi o que me fez defender a idéia de que a tortura não era, como nos países totalitários, institucional. Era episódica.

FOLHA - O senhor, como Ustra, entende que o processo põe em questão a Lei de Anistia.
PASSARINHO -
Também. No Exército, em curso de tática, a gente recebe uma missão. Ao analisá-la você verifica que há uma missão deduzida dentro daquela. A missão deduzida [do processo contra Ustra] é tentar fazer, ou imitar, o que o [o atual presidente Néstor] Kirchner fez na Argentina. A obediência devida só foi modificada no tribunal de Nuremberg [após a Segunda Guerra]. Os regulamentos militares dizem que o comandante é o único responsável por tudo na sua unidade. E Ustra, jovem major, recebeu uma missão.

FOLHA - Os ex-ditadores Jorge Rafael Videla (Argentina), Juan María Bordaberry (Uruguai) e Augusto Pinochet (Chile) têm enfrentado processos e prisões por crimes contra os direitos humanos. O que significa esse fenômeno para o Cone Sul?
PASSARINHO -
Em primeiro lugar tem que fazer uma diferença de casos. No Brasil, nunca se comparou o país com a repressão argentina, com a repressão chilena. São coisas completamente diferentes. Talvez a história de "sangre caliente" dos espanhóis responda por um pouco disso. Segundo você verifica que os nossos cinco generais [presidentes no regime militar]... O Castelo foi o primeiro que reagiu contra a tortura. Os outros já morreram. Você não pode pensar que pode acontecer a mesma coisa que aconteceu com Bordaberry e Videla.

FOLHA - O juiz Gustavo Santini Teodoro, da 23ª Vara Cível de São Paulo, não aceitou o argumento da defesa de Ustra, segundo a qual o processo não poderia prosseguir devido à Lei de Anistia.
PASSARINHO -
O coronel não poderia sofrer mais qualquer tipo de punição penal. Tanto que ele está sendo processado numa área civil. Eles querem só caracterizá-lo como sendo o exemplo da tortura no regime.

FOLHA - O juiz cita na decisão que, para a ONU, crimes contra os direitos humanos são imprescritíveis.
PASSARINHO -
Isso é uma forma de tentar acabar com a Lei de Anistia. Será que não houve os crimes do outro lado? O juiz está se sobrepondo à Lei de Anistia. Foi uma anistia mútua. É preciso reconciliação. Para reconciliar, é preciso esquecer.

FOLHA - O Projeto Brasil: Nunca Mais estimou em mais de 40 os opositores mortos no Doi-Codi paulista na gestão de Ustra, além de mais de 500 denúncias de tortura.
PASSARINHO -
Não tenho elementos para julgar, mas tenho elementos para dizer que, do lado de cá, foram 109 mortos.

FOLHA - A família Almeida-Teles [que processa o coronel], a atriz Bete Mendes e muitas outras pessoas afirmam ter sido torturadas pessoalmente por Ustra.
PASSARINHO -
No movimento de 64, o chefe da 2ª Seção [Informações, do Exército] apreendeu uns documentos. Um era de aulas de capacitação do Partido Comunista. Outro era "Se Fores Preso, Camarada". Dizia que ele [o preso] devia cuspir na cara, provocar a reação, e dizer a vida inteira que foi torturado. E isso existe com os advogados. Você vê o cara confessando na TV e 15 dias depois dizendo ao juiz que foi torturado.


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