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Ação contra coronel é imitação da Argentina, afirma Passarinho
Ex-ministro diz que Justiça se sobrepõe à lei ao permitir processo contra militar acusado de tortura
Jarbas Passarinho, líder no Senado em 1979, foi um
dos signatários do Ato Institucional número 5, que endureceu o regime militar
MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO
Com artigos na imprensa e
discurso em ato público, o coronel reformado do Exército
Jarbas Passarinho, 86, é apoiador destacado de um colega
acusado de tortura durante o
regime militar (1964-85), o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra.
Como a Folha revelou no dia
10 de setembro, uma família de
cinco pessoas aponta Ustra como autor de tortura física e psicológica em 1972 e 73, quando
o militar dirigia em São Paulo a
unidade local do Doi-Codi
(Destacamento de Operações
de Informações - Centro de
Operações de Defesa Interna).
Passarinho era o líder do governo no Senado quando a Lei
de Anistia (1979) entrou em vigor. Em 1968, ministro do Trabalho, foi um dos signatários
do Ato Institucional número 5,
que endureceu o regime.
Em entrevista telefônica, o
coronel disse que a ação visa
repetir o que houve recentemente na Argentina, com a revogação das leis de anistia locais. Para Passarinho, a Justiça
se sobrepõe à lei brasileira ao
permitir o prosseguimento do
processo contra Ustra.
FOLHA - O que o leva a apoiar Ustra?
JARBAS PASSARINHO - Ao ler o primeiro livro dele ["Rompendo o
Silêncio", 1987], fiquei impressionado com a convicção de
que ele não tinha praticado tortura. Tive um caso no Ministério da Educação: uma moça foi
torturada, levei o caso ao presidente Médici [1969-74], que tomou providências imediatas.
Foi o que me fez defender a
idéia de que a tortura não era,
como nos países totalitários,
institucional. Era episódica.
FOLHA - O senhor, como Ustra, entende que o processo põe em questão a Lei de Anistia.
PASSARINHO - Também. No
Exército, em curso de tática, a
gente recebe uma missão. Ao
analisá-la você verifica que há
uma missão deduzida dentro
daquela. A missão deduzida [do
processo contra Ustra] é tentar
fazer, ou imitar, o que o [o atual
presidente Néstor] Kirchner
fez na Argentina.
A obediência devida só foi
modificada no tribunal de Nuremberg [após a Segunda Guerra]. Os regulamentos militares
dizem que o comandante é o
único responsável por tudo na
sua unidade. E Ustra, jovem
major, recebeu uma missão.
FOLHA - Os ex-ditadores Jorge Rafael Videla (Argentina), Juan María
Bordaberry (Uruguai) e Augusto Pinochet (Chile) têm enfrentado processos e prisões por crimes contra os
direitos humanos. O que significa
esse fenômeno para o Cone Sul?
PASSARINHO - Em primeiro lugar tem que fazer uma diferença de casos. No Brasil, nunca se
comparou o país com a repressão argentina, com a repressão
chilena. São coisas completamente diferentes. Talvez a história de "sangre caliente" dos
espanhóis responda por um
pouco disso. Segundo você verifica que os nossos cinco generais [presidentes no regime militar]... O Castelo foi o primeiro
que reagiu contra a tortura. Os
outros já morreram. Você não
pode pensar que pode acontecer a mesma coisa que aconteceu com Bordaberry e Videla.
FOLHA - O juiz Gustavo Santini
Teodoro, da 23ª Vara Cível de São
Paulo, não aceitou o argumento da
defesa de Ustra, segundo a qual o
processo não poderia prosseguir devido à Lei de Anistia.
PASSARINHO - O coronel não poderia sofrer mais qualquer tipo
de punição penal. Tanto que ele
está sendo processado numa
área civil. Eles querem só caracterizá-lo como sendo o
exemplo da tortura no regime.
FOLHA - O juiz cita na decisão que,
para a ONU, crimes contra os direitos humanos são imprescritíveis.
PASSARINHO - Isso é uma forma
de tentar acabar com a Lei de
Anistia. Será que não houve os
crimes do outro lado? O juiz está se sobrepondo à Lei de Anistia. Foi uma anistia mútua. É
preciso reconciliação. Para reconciliar, é preciso esquecer.
FOLHA - O Projeto Brasil: Nunca
Mais estimou em mais de 40 os opositores mortos no Doi-Codi paulista
na gestão de Ustra, além de mais de
500 denúncias de tortura.
PASSARINHO - Não tenho elementos para julgar, mas tenho
elementos para dizer que, do
lado de cá, foram 109 mortos.
FOLHA - A família Almeida-Teles
[que processa o coronel], a atriz Bete
Mendes e muitas outras pessoas
afirmam ter sido torturadas pessoalmente por Ustra.
PASSARINHO - No movimento de
64, o chefe da 2ª Seção [Informações, do Exército] apreendeu uns documentos. Um era
de aulas de capacitação do Partido Comunista. Outro era "Se
Fores Preso, Camarada". Dizia
que ele [o preso] devia cuspir
na cara, provocar a reação, e dizer a vida inteira que foi torturado. E isso existe com os advogados. Você vê o cara confessando na TV e 15 dias depois dizendo ao juiz que foi torturado.
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