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São Paulo, quarta-feira, 24 de dezembro de 2003

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ELIO GASPARI

O Brasil do conde vai acabar em 2073

Para quem acredita em previsões de nobres franceses ou sábios americanos e aborreceu-se com a futurologia dos videntes do governo dos Estados Unidos para o Brasil, aqui vão outras duas, das boas.
Faltam 70 anos para o Brasil acabar. Em 2073, os brasileiros "terão desaparecido completamente, até o último homem". Esse será o resultado da miscigenação racial num país onde a imperatriz tinha três damas de honra: "uma marrom, outra chocolate-claro, e a terceira, violeta".
A previsão veio do conde Arthur de Gobineau, autor do "Ensaio sobre a Desigualdade das Raças", embaixador francês na Corte do Rio de Janeiro entre 1869 e 1870 e bom amigo de D. Pedro 2º. Pelas contas de Gobineau, o Brasil deveria ter hoje uma população de algo como dois milhões de habitantes.
O outro lote de previsões veio de Herman Kahn. Era um gordão odiado porque simbolizava a escalada americana na Guerra do Vietnã. Mesmo assim, sua fé no progresso fez dele o primeiro futurólogo a ganhar ares de santidade. Em 1967 ele publicou um livro intitulado "O Ano 2000".
Em algumas coisas, errou feio: antecipava um futuro no qual Ásia (sem a China) chegaria ao novo século com um PIB superior ao da Comunidade Européia. As fronteiras dos países latino-americanos talvez fossem redesenhadas.
Apesar disso, as previsões científicas de Herman Kahn surpreendem. Ele entendeu o futuro dos computadores, a globalização financeira e a ação de dispositivos microeletrônicos no cérebro. Seu livro foi traduzido no Brasil em pleno Milagre Econômico. Ele previa que Pindorama levaria 130 anos para atingir uma renda per capita de US$ 3600. Num país que crescia 10% ao ano esse número foi considerado um insulto. De 1965 até hoje, em dólares constantes, a renda do brasileiro passou de US$ 1060 para US$ 2590 em 2002. Nesse ritmo, chega-se à marca de Herman Kahn antes que o Brasil do conde Gobineau se acabe.
A comunidade de informações do governo americano apareceu com uma previsão para 2020. Ela acredita que até lá o Brasil se tornará uma potência exportadora de produtos agrícolas, perderá importância política na América Latina e continuará sendo uma ameaça à estabilidade do sistema financeiro internacional. Essas profecias estão no documento de 12 páginas divulgado em Washington, que tocou os brios de alguns parlamentares.
É um trabalho pedestre, com momentos de brilho. Num deles, expõe a bomba demográfica que os governos da região começaram a montar nos anos 90: "A América Latina corre o risco de envelhecer sem ter crescido". O Brasil está entre os países onde o povo fica mais velho ao mesmo tempo em que a taxa de natalidade cai e um pedaço da população economicamente ativa vive na informalidade, sem pagar impostos, esperando receber serviços do governo. (Os últimos números do IBGE mostram que, de cada 100 trabalhadores, 43 não têm carteira assinada. Na herança maldita de FFHH eram 41. Dois são produção do PT Federal.)
O melhor momento da futurologia americana ocorre precisamente quando os sábios condenam o futuro nacional. Segundo eles, em 2020 o Brasil ainda não terá terminado de fazer as reformas necessárias para comprar ingresso no clube do futuro. Ainda bem. Graças ao povo brasileiro, o tucanato não conseguiu fazer as reformas que o mercado pedia. Nem Lula conseguiu fazer tudo o que o comissário José Dirceu gostaria de ter feito. Felizmente, quando o FMI desceu em Brasília para arrancar de FFHH a dolarização da economia, o professor Cardoso mandou-o passear.
Se a futurologia americana ensina alguma coisa, talvez seja algo que já se aprendeu com o conde francês. No século 19, o que o Brasil precisava era de mais mulatos. Talvez hoje precise de menos reformas.
Serviço: O estudo do National Intelligence Council, em inglês, está listado no seguinte endereço:
http://www.cia.gov/nic/NIC-2020-project.html


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