São Paulo, quarta-feira, 25 de fevereiro de 2004

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Negócios de Waldomiro incluem parte de faculdade

RUBENS VALENTE
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Os negócios particulares de Waldomiro Diniz, ex-assessor parlamentar do ministro José Dirceu (Casa Civil), têm ganhado contornos mais nítidos com investigações desencadeadas pela Polícia Federal.
A PF apurou que o ex-bancário tem uma chácara em Luziânia (GO) avaliada em R$ 530 mil, segundo o "Correio Braziliense". O advogado do ex-assessor, Luiz Guilherme Vieira, confirmou na última quinta-feira à Folha que a chácara pertence a Waldomiro.
No âmbito privado, Waldomiro guarda outra surpresa: ele foi sócio, durante dez meses do primeiro ano do governo Lula, da empresária Maria Estela Boner Léo, sócia-proprietária do Grupo TBA, o principal revendedor de produtos Microsoft ao governo federal.
A Microsoft está no centro de um debate em curso na Casa Civil que envolve bilhões de reais -o Tribunal de Contas de União estima que a Microsoft tenha vendido, sem licitação, R$ 16 bilhões em programas de computadores nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002).
Por decreto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou uma câmara técnica, sob coordenação de José Dirceu, para discutir a compra e a adoção de sistemas de códigos abertos, os chamados "softwares livres", como o Linux.
A compra em massa desse programas teria como conseqüência direta a redução das vendas da Microsoft à União.
Segundo Maria Estela, Waldomiro possuía 2% do capital social da Faculdade Interfutura, no bairro Santa Cecília, em São Paulo. A instituição foi criada para formar analistas de sistemas.
De acordo com a empresária, a faculdade funcionou até meados do ano passado, com "uma turma de cerca de 50 alunos", mas a sociedade foi desfeita em outubro último. Até a semana passada, nos registros do Ministério da Educação e da Receita Federal, a empresa continuava "ativa".
A empresária disse que Waldomiro e dois outros empresários de ensino no interior de São Paulo a procuraram "entre 2001 e 2002" para formarem a faculdade.
"O Waldomiro entrou mais [na sociedade] por ter aglutinado todo mundo", disse Maria Estela, para quem a faculdade só deu "dor de cabeça" e "muitos prejuízos". "Ele também entrava [com dinheiro], mas era [com] pouco, correspondente ao volume das suas cotas", explicou.
Maria Estela disse que Waldomiro era parente de alguns dos outros sócios, proprietários de escola em Juquira (SP) e de uma empresa de informática do interior de São Paulo. As três dividiram o grosso das ações, enquanto Waldomiro apareceu com os 2%.
"Ele tinha um trânsito muito bom em Brasília. Foi uma coisa muito rápida, ele apresentou a idéia [da faculdade] e eu decidi apoiar a idéia", disse a empresária. Ela afirmou que é "muito comum" pessoas a procurarem com propostas de novos projetos.
A empresária disse que a participação de Waldomiro se resumia à sociedade. "Ele não assinou nenhuma ata da direção, não tinha papel de diretor. Só recebia os e-mails com as informações sobre o andamento da empresa, mas quase nunca respondia."
Depois de formalizada a sociedade, Maria Estela disse ter se encontrado com Waldomiro apenas "duas ou três vezes", sempre em encontros rápidos.
Segundo o Ministério da Educação, a Faculdade Interfutura foi credenciada (autorizada a funcionar) em 17 de abril de 2002, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, e começou a funcionar em fevereiro de 2003, quando Waldomiro já exercia a função de assessor de José Dirceu.
Segundo o ministério, a faculdade tem um curso de administração com duas habilitações em análise de sistemas gerenciais e gestão de sistemas de telecomunicações. Cada habilitação tem 50 vagas noturnas e 50 diurnas.
Maria Estela é irmã de Maria Cristina Boner Léo, que detém cerca de 89% das ações da TBA. Por meio de sua assessoria de comunicação, o Grupo TBA disse que não mantém "nenhum vínculo" com a empresa de Waldomiro. Informou que a faculdade foi uma iniciativa particular de Maria Estela.

Campanha
A assessoria da TBA se recusou a informar quais são os órgãos do governo federal com os quais mantém contratos e o valor dos negócios. O site da empresa na internet indica trabalhos com a Caixa Econômica Federal, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e a estatal Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados).
O Código de Ética da Alta Administração Pública, ao qual Waldomiro estava submetido, por ocupar cargo de confiança na Casa Civil, permite a participação de funcionário público em empresa privada, desde que não ocorra "conflito com o interesse público". O conflito e a forma de resolvê-lo devem ser comunicados à Comissão de Ética Pública.
O relacionamento da TBA com o governo Lula era mais intenso na figura do ex-ministro da Educação, Cristovam Buarque. Waldomiro Diniz foi assessor parlamentar de Cristovam no governo do Distrito Federal entre 1995 e 1998 e algumas vezes, na ausência do titular (o atual secretário-executivo do ministro José Dirceu, Swedenberger Barbosa), chegou a responder interinamente pela Secretaria de Governo.
A TBA foi uma das financiadoras da campanha de Cristovam ao Senado. Ele recebeu da empresa R$ 150 mil na campanha eleitoral de 2002. Naquele ano, no final do primeiro turno da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência, Cristovam levou Maria Cristina Boner e representantes da Microsoft a um encontro com o petista. O encontro ocorreu em São Paulo, na produtora do marqueteiro Duda Mendonça. Lula gravava seu último programa de TV no primeiro turno.


Colaborou LUCIANA CONSTANTINO, da Sucursal de Brasília


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