São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 2007

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Verbas compram reportagens em imprensa regional

Divulgação de mandato parlamentar consome 15% dos recursos indenizatórios, que são usados para fins eleitorais

Líder do PMDB, Henrique Alves (RN) afirmou manter contrato com o jornal que controla e que divulgaria atividades de seu mandato

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Do total da "verba indenizatória" que a Câmara destinou aos deputados em janeiro, 15% se referem ao ressarcimento de supostos gastos com a chamada "divulgação do mandato parlamentar". A Folha constatou que o dinheiro público é usado, entre outras coisas, para fins eleitorais e para a compra de reportagens benéficas aos deputados em órgãos de imprensa regionais.
O caso mais evidente é o do líder da bancada do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), que afirmou, em um primeiro momento, manter um contrato com o jornal que controla, a "Tribuna do Norte".
O diário publicaria notícias sobre as atividades do deputado em Brasília e, em troca, receberia como remuneração a verba do deputado destinada à "divulgação do mandato".
"Tem contrato, tem recibo, tudo direitinho do jornal, tem recibo guardado, tudo direitinho", afirmou o deputado, em um primeiro contato.
Depois, ele retificou: "Não é um contrato formal. Eu pago e eles dão recibo."
O peemedebista afirma que as "reportagens" são produzidas quase sempre por meio de entrevistas que ele concede ao seu assessor de imprensa.
Entre as "reportagens" destacadas pelo deputado está a sua eleição para a liderança do PMDB, uma entrevista sobre o apoio do PMDB a Luiz Inácio Lula da Silva e a descrição da sessão para a eleição do novo presidente da Câmara, presidida por ele em 1º de fevereiro.
"Quando fui presidir a eleição da Câmara, publicamos uma página inteira, uma foto nossa, tenho dez mandatos. Tô no décimo mandato, aí fizemos uma página no jornal muito bonita", disse. Alves presidiu a sessão por ser o deputado com o maior número de mandatos.
Em janeiro, ele foi reembolsado pela Câmara em R$ 10,5 mil por gastos a título de "divulgação do mandato". Ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) o líder do PMDB declarou um patrimônio de R$ 1 milhão, que inclui ações em rádio e TV.
Exemplo semelhante a Folha encontrou no gabinete do deputado Osvaldo Reis (PMDB-TO). Dois de seus assessores afirmaram, em conversa informal, que parte da "verba indenizatória" é usada para pagar "notas" nos meios de comunicação de Tocantins e do sul do Maranhão, área de atuação política do deputado.
De acordo com eles, se não houver pagamento, não sai nenhuma notícia sobre o deputado na imprensa local.
Uma vez remunerados, as rádios e jornais, ainda segundo os assessores, reproduziriam na íntegra as informações prestadas pelo gabinete do deputado.
O argumento foi usado para justificar a impressão de 20 mil exemplares de um tablóide, ao custo de R$ 13 mil, para distribuição aos eleitores de Osvaldo Reis. O jornal, de oito páginas, se resume à transcrição de dois discursos do deputado no plenário da Câmara, à relação de seus projetos apresentados, à listagem das emendas que ele apresentou ao Orçamento da União e à sua biografia.
O uso político da verba também fica explicitado no caso do deputado João Caldas (PR-AL).
Acusado de envolvimento na máfia dos sanguessugas, ele não se reelegeu.
No último mês de mandato, admitiu ter gasto os R$ 15 mil da verba indenizatória para fazer uma "prestação de contas" de seu período na Câmara. Disse ter mandado cartas para que as pessoas não se esquecessem dele. "Político tem que interagir com a sociedade", defendeu.
Não reeleito, o ex-deputado Babá (PSOL-PA, que se candidatou pelo RJ) também gastou 100% da verba indenizatória a que tinha direito em janeiro, dos quais R$ 10,6 mil para "divulgação da atividade parlamentar".
Ele disse ter gasto o valor com a publicação de um livreto reunindo algumas de suas idéias e bandeiras, entre elas a defesa do não-pagamento da dívida externa.
"Foi distribuído gratuitamente", explicou, acrescentando que sempre fez parte de sua atuação política a publicação de boletins do gênero.
(RANIER BRAGON E LETÍCIA SANDER)


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