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São Paulo, sexta-feira, 25 de abril de 2003

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REGIME MILITAR

Indícios mostram que soldados ficaram com filhos de militantes

Militar pode ter adotado filho de um guerrilheiro

ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Começam a surgir os mais fortes indícios de que filhos de militantes do PC do B que participaram da guerrilha do Araguaia foram retirados da área e adotados por militares.
Em viagem a Fortaleza nesta semana, o deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) colheu relatos da família do soldado Antônio Essílio Azevedo Costa, que registrou e criou como seu filho Juracir Bezerra Costa -na época, um garoto de cinco anos de idade que vinha de Xambioá, o principal foco das ações de repressão das Forças Armadas.
Juracir pode ser filho de Osvaldo Orlando da Costa, o Osvaldão, o mais conhecido guerrilheiro do PC do B na região, morto em 1974. Ele diz que fez parte da viagem para Fortaleza junto com um "bebê branco" em um helicóptero.
Ao reencontrar a avó adotiva, Antônia, com quem viveu até os 19 anos, a história de Juracir ganhou mais força.
Diante de Greenhalgh, Antônia disse ter ouvido de seu filho, morto em um acidente de carro em 1982, que ele não seria o único a levar uma criança de Xambioá. Um outro militar, também de Fortaleza, teria "adotado" um bebê branco de oito meses.
"O caso de Juracir tem uma importância ímpar porque será o primeiro registro no regime militar brasileiro de filho de perseguido político sequestrado por militares. E o segundo caso é mais grave ainda, porque se trata de um bebê", afirma o deputado federal petista.
No Brasil, da mesma forma que na Argentina e no Chile, o regime militar seguiu a doutrina da segurança nacional, na qual a tônica é o ataque ao inimigo interno e não ao externo.
No três países, ressalvando-se a intensidade e a quantidade, houve tortura, desaparecidos e mortos. Passados 30 anos, as marcas da adoção ainda não haviam sido identificadas no caso brasileiro -são notórios os exemplos argentinos.
"Agora temos de descobrir o paradeiro desse bebê branco e aí decidir o que fazer", afirma o deputado Greenhalgh.
Segundo a pesquisadora Myriam Luiz Alves, que estuda o assunto há 13 anos, o bebê branco citado pelo militar morto pode ser filho da guerrilheira Áurea Valadão, morta em 1974.
"Tenho relatos de testemunhas da região de que uma das meninas que dava aula de matemática para as crianças [Áurea entre elas] estava grávida de poucos meses em 1971", diz Alves, trabalhando com a hipótese de que a guerrilheira teria deixado o filho com alguma família para se refugiar nas matas em 1972, com a chegada dos militares.

Fardas sujas
Em entrevista à Folha, Antônia, mãe de dez filhos, relatou o dia em que o soldado Antônio Essílio voltou do Araguaia: "Ele trouxe duas sacolas com as fardas sujas. Eu pensei que o menino tivesse ajudando a carregar, mas ele disse: "onde comem dez, comem 11'".
Segundo Antônia, seu filho lhe disse que o menino e o bebê, apesar de um ser negro e o outro ser branco, seriam irmãos e que a mãe deles, Maria Bezerra de Oliveira, decidiu dá-los aos militares por não ter condições de criá-los em Xambioá.
Hoje com 37 anos, Juracir contesta a versão. Viajando entre Brasília, Xambioá e Fortaleza em busca de sua história e dos três irmãos de quem guarda lembrança, ele diz que ficou dois meses na mata com os militares antes de seguir para Fortaleza.
"Um deles [dos militares] enfiou minha mão numa fogueira depois de saber que meu pai [Osvaldão] tinha matado um soldado", afirma, mostrando os dedos da mão esquerda deformados.

Giovani
De volta a Xambioá, em 1999, Juracir descobriu que na infância era chamado de Giovani e encontrou um barqueiro chamado Antônio que pode ser um de seus irmãos -e também filho do guerrilheiro Osvaldão.
Falta encontrar Ieda, a filha mais velha de Maria Vieira da Conceição, que é dona de um bar na cidade.
Os irmãos foram entregues a parentes, segundo Costa, no momento em que sua mãe soube que os militares estariam em busca de um filho de Osvaldão.
Mariazona, como era chamada a filha mais velha, morreu em condições desconhecidas.


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