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REGIME MILITAR
Indícios mostram que soldados ficaram com filhos de militantes
Militar pode ter adotado filho de um guerrilheiro
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Começam a surgir os mais fortes indícios de que filhos de militantes do PC do B que participaram da guerrilha do Araguaia foram retirados da área e adotados
por militares.
Em viagem a Fortaleza nesta semana, o deputado federal Luiz
Eduardo Greenhalgh (PT-SP) colheu relatos da família do soldado
Antônio Essílio Azevedo Costa,
que registrou e criou como seu filho Juracir Bezerra Costa -na
época, um garoto de cinco anos
de idade que vinha de Xambioá, o
principal foco das ações de repressão das Forças Armadas.
Juracir pode ser filho de Osvaldo Orlando da Costa, o Osvaldão,
o mais conhecido guerrilheiro do
PC do B na região, morto em 1974.
Ele diz que fez parte da viagem
para Fortaleza junto com um "bebê branco" em um helicóptero.
Ao reencontrar a avó adotiva,
Antônia, com quem viveu até os
19 anos, a história de Juracir ganhou mais força.
Diante de Greenhalgh, Antônia
disse ter ouvido de seu filho, morto em um acidente de carro em
1982, que ele não seria o único a
levar uma criança de Xambioá.
Um outro militar, também de
Fortaleza, teria "adotado" um bebê branco de oito meses.
"O caso de Juracir tem uma importância ímpar porque será o
primeiro registro no regime militar brasileiro de filho de perseguido político sequestrado por militares. E o segundo caso é mais
grave ainda, porque se trata de
um bebê", afirma o deputado federal petista.
No Brasil, da mesma forma que
na Argentina e no Chile, o regime
militar seguiu a doutrina da segurança nacional, na qual a tônica é
o ataque ao inimigo interno e não
ao externo.
No três países, ressalvando-se a
intensidade e a quantidade, houve
tortura, desaparecidos e mortos.
Passados 30 anos, as marcas da
adoção ainda não haviam sido
identificadas no caso brasileiro
-são notórios os exemplos argentinos.
"Agora temos de descobrir o
paradeiro desse bebê branco e aí
decidir o que fazer", afirma o deputado Greenhalgh.
Segundo a pesquisadora
Myriam Luiz Alves, que estuda o
assunto há 13 anos, o bebê branco
citado pelo militar morto pode ser
filho da guerrilheira Áurea Valadão, morta em 1974.
"Tenho relatos de testemunhas
da região de que uma das meninas que dava aula de matemática
para as crianças [Áurea entre elas]
estava grávida de poucos meses
em 1971", diz Alves, trabalhando
com a hipótese de que a guerrilheira teria deixado o filho com alguma família para se refugiar nas
matas em 1972, com a chegada
dos militares.
Fardas sujas
Em entrevista à Folha, Antônia,
mãe de dez filhos, relatou o dia em
que o soldado Antônio Essílio
voltou do Araguaia: "Ele trouxe
duas sacolas com as fardas sujas.
Eu pensei que o menino tivesse
ajudando a carregar, mas ele disse: "onde comem dez, comem 11'".
Segundo Antônia, seu filho lhe
disse que o menino e o bebê, apesar de um ser negro e o outro ser
branco, seriam irmãos e que a
mãe deles, Maria Bezerra de Oliveira, decidiu dá-los aos militares
por não ter condições de criá-los
em Xambioá.
Hoje com 37 anos, Juracir contesta a versão. Viajando entre
Brasília, Xambioá e Fortaleza em
busca de sua história e dos três irmãos de quem guarda lembrança, ele diz que ficou dois meses na
mata com os militares antes de seguir para Fortaleza.
"Um deles [dos militares] enfiou minha mão numa fogueira
depois de saber que meu pai [Osvaldão] tinha matado um soldado", afirma, mostrando os dedos
da mão esquerda deformados.
Giovani
De volta a Xambioá, em 1999,
Juracir descobriu que na infância
era chamado de Giovani e encontrou um barqueiro chamado Antônio que pode ser um de seus irmãos -e também filho do guerrilheiro Osvaldão.
Falta encontrar Ieda, a filha
mais velha de Maria Vieira da
Conceição, que é dona de um bar
na cidade.
Os irmãos foram entregues a
parentes, segundo Costa, no momento em que sua mãe soube que
os militares estariam em busca de
um filho de Osvaldão.
Mariazona, como era chamada
a filha mais velha, morreu em
condições desconhecidas.
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