São Paulo, domingo, 25 de abril de 2004

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DIRETAS, 20 ANOS

"Sempre fui a favor da eleição direta", diz general

MURILO FIUZA DE MELO
DA SUCURSAL DO RIO

Durante a votação da emenda Dante de Oliveira, na Câmara dos Deputados, um personagem se destacou fora do palco principal: o general Newton Cruz, então comandante militar do Planalto.
Da janela do seu gabinete, no Ministério do Exército, próximo ao Congresso, ele mandou prender manifestantes que faziam um buzinaço pró-diretas. Mais de cem carros foram apreendidos.
Cruz era o responsável pela implementação das medidas de emergência decretadas dias antes pelo presidente João Figueiredo.
Indócil, o general desceu à rua para acompanhar o cumprimento de sua ordem. "Eles não podem me desmoralizar na frente do meu quartel. Ainda vai ter que levar muito tempo para alguém conseguir fazer isso", disse, segundo reportagem publicada pela Folha no dia seguinte à votação.
Minutos depois, os manifestantes detidos eram liberados a pedido do próprio general. Segundo a historiadora Maria Celina D'Araújo, da Fundação Getúlio Vargas, Cruz chegou a chicotear os carros do buzinaço.
Dois dias antes da votação, Cruz já havia chamado a atenção, ao desfilar num cavalo branco -presente de Figueiredo-, dando início às medidas de emergência na capital.
Hoje, aos 79 anos, o reformado general afirma que nunca desfilou em cavalo branco, mandou prender manifestantes ou bateu com chicote em automóvel. Afirma ainda que, pessoalmente, era a favor da emenda, derrotada no plenário da Câmara. "Agora apareço como o carrasco das diretas", diz.
Abaixo, a entrevista concedida à Folha por telefone:

Folha -O sr. chicoteou automóveis no dia da votação da emenda?
Newton Cruz -
Isso é a maior farsa que já existiu. No dia da votação, eu estava inteiramente despreocupado no meu gabinete. Tudo o que eu já tinha que dizer eu já disse, mas não adianta, porque até hoje dizem que eu dava chicotada em automóvel. Eu desafio alguém que possa dizer que aquilo [a derrota da emenda] teve alguma influência externa. Não houve influência nenhuma, nem a favor, nem contra. Entrou [no Congresso] para votar quem quis votar. Votou como bem entendeu e isso eu garanti por medidas que havia tomado anteriormente.

Folha - A Folha publicou no dia seguinte à votação que o sr. mandou prender manifestantes.
Cruz -
Não há nada disso. Isso não é verdade. No dia da votação, tudo ocorreu normalmente. O meu expediente foi normal.

Folha - O sr. também ficou conhecido pelo desfile que fez em um cavalo dois dias antes da votação...
Cruz -
Isso não aconteceu. Só me apresentei publicamente a cavalo em duas oportunidades, comandando as paradas de 7 de Setembro de 1983 e 1984. Fico abismado. Mas o que adianta eu falar? Acho que o papel mais importante da imprensa é se fazer instrumento da história. Fico triste quando a imprensa reiteradamente, no que diz respeito a mim, divulga fatos que não são verdadeiros.

Folha - Em nenhum momento o sr. mandou prender pessoas?
Cruz -
Meu Deus do céu... Pois bem, acabaram as medidas de emergência, houve algum preso? Ninguém ficou preso. Não houve um tiro disparado. Vou para os 80 anos de idade e querem me colocar na história com essa cara. Qual é a imprensa que um dia vai contar a verdade? Não adianta... Você está gravando o que eu estou dizendo?

Folha - Sim, estou.
Cruz -
Então, você está autorizado a publicar. Apenas desejaria que você dissesse antes: "General, eu estou gravando a nossa conversa". E eu diria a mesma coisa que estou dizendo agora.

Folha - Tudo bem, general, obrigado...
Cruz -
Você queria ouvir isso?

Folha - Sinceramente, não.
Cruz -
O que é isso? Eu me admiro que a Folha, que se apresenta como o jornal das diretas, ainda tenha idéias dessa natureza. Acho que o que a Folha quer cumprir é um papel para a história, para dignificar o jornalismo. Agora, impossível que se publique coisa que não existiu, tudo em detrimento da minha honra. Será que eu vou morrer com essa pecha? E meus filhos e netos vão viver isso? Vou dizer mais uma coisa: como cidadão, eu queria que fosse aprovada a emenda, porque sempre fui a favor da eleição direta. Votar era um anseio da população e eu era a favor. Agora apareço como o carrasco das diretas.


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