São Paulo, sábado, 25 de abril de 1998

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RELIGIÃO
Progressistas e conservadores apóiam posição de d. Marcelo Carvalheira, expressa em congresso da CNBB
Bispos defendem saques a supermercados


do enviado especial a Itaici

O apoio a saques de supermercados por pessoas "famintas ou desesperadas", feita anteontem pelo arcebispo de João Pessoa (PB), d. Marcelo Pinto Carvalheira, foi defendida ontem por bispos de todas as correntes da igreja.
Eles estão reunidos na 36ª Assembléia Geral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).
A afirmação de d. Marcelo foi feita em um contexto de crítica ao governo federal, que, segundo ele, contribui com a fome no país ao não realizar a reforma agrária. O Planalto não comentou o caso.
D. Marcelo Carvalheira, que é ligado ao clero chamado progressista, recebeu o apoio até de expoentes do grupo conservador da CNBB, como o bispo de Jundiaí (SP), d. Amaury Castanho.
"Há pouco tempo, eu recomendei a uma doméstica, que me disse no confessionário que tinha quatro filhos passando fome, que pegasse o que precisasse para a sua família da despensa do patrão", disse d. Amaury.
A assembléia da CNBB começou na quarta-feira e vai até o dia 1º de maio em Itaici, distrito de Indaiatuba (110 km de São Paulo).
Segundo d. Amaury, aceitar que alguém faminto roube para comer é uma doutrina muito antiga. "No século 4, São João Crisóstomo já defendia essa tese."
Outro integrante do clero conservador, o bispo de São Miguel Paulista (zona leste de São Paulo), d. Fernando Legal, também apoiou d. Marcelo.
"Roubar para comer é aceito pela igreja. Trata-se de um princípio que consta da nossa teologia moral há muitos séculos", disse.
Para d. Fernando, em caso de necessidade, os bens adquirem "dimensão social". Mas ele completa: "Não se trata de incentivar o saque, isso só deve ocorrer em situações realmente extremas".
Na mesma linha, o bispo de Vacaria (RS), d. Orlando Dotti, ex-presidente da Comissão Pastoral da Terra e expoente progressista, acredita ser justificável o saque.
D. Orlando afirma que essa doutrina está colocada de maneira clara no documento "Gaudium et Spes" (Alegria e Esperança, em latim), publicado pela igreja a partir das conclusões do Concílio Vaticano 2º (que terminou em 64).
O arcebispo de Palmas (TO), d. Alberto Taveira, identificado como moderado, é mais cauteloso que seus colegas ao tratar da defesa do saque. "Eu nunca vi um bispo incentivar saques." Mas ressaltou que a posição da igreja é a de apoiar os saqueadores em caso de necessidade.
Segundo d. Tomás Balduíno, bispo de Goiânia e integrante do clero progressista, roubar para comer é uma doutrina de São Tomás de Aquino, do século 4º.
Sua posição é compartilhada pelo bispo Mauro Morelli, de Duque de Caxias (RJ).
UDR
Para Tânia Tenório de Farias, presidente da UDR (União Democrática Ruralista) no Pontal do Paranapanema, os saques são uma "transgressão da lei".
José Rainha Jr., líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, considera a defesa dos saques é correta. O presidente nacional da Ordem dos Advogados dos Brasil, Reginaldo de Castro, disse entender "a indignação" de d. Marcelo, mas ressaltou que é preciso achar saídas legais.


Colaborou a Reportagem Local


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