São Paulo, quarta, 25 de junho de 1997.



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JUSTIÇA
José Carlos Alves dos Santos, que vai a julgamento por morte de sua mulher, diz ter informações inéditas
Economista acusa 'anões do Orçamento'

AUGUSTO GAZIR
LUCAS FIGUEIREDO
da Sucursal de Brasília

A defesa de José Carlos Alves dos Santos, ex-diretor de Orçamento do Congresso, que começa a ser julgado amanhã sob a acusação de mandar matar sua mulher, Ana Elizabeth, será culpar os "anões do Orçamento" pelo crime.
Operador de uma das maiores redes de corrupção do país, José Carlos, 55, diz que os "anões" -ex-parlamentares mentores do esquema- mandaram matar sua mulher por "queima de arquivo".
"João Alves (ex-deputado) está enterrado nisso até o pescoço. Não tenho dúvida nenhuma que foram os 'anões do Orçamento' ", disse.
Contra José Carlos pesa o fato de os assassinos confessos -o detetive Lindauro da Silva e o mecânico Valdei de Souza, já condenados- o apontarem como o mandante.
"O poder está aí atrás, tentando tampar esse negócio", disse José Carlos, preso há quatro anos.

Folha - O sr. matou sua mulher?
José Carlos A. dos Santos -
Claro que não.
Folha - Qual é a sua versão?
José Carlos -
Depois do jantar, estávamos voltando para casa. Passa um cara num carro e aponta como se tivéssemos com um pneu furado. Parei e olhei os pneus. Chegou um sujeito moreno e barbudo, me empurrou para dentro do carro. Mandou a gente subir uma estradinha de terra. Lá, ele mandou parar. Chegou um outro, mais claro e alto. Mandou descer do carro e abrir o porta-malas.
Entrei no porta-malas e não vi mais nada. Andamos para burro, paramos duas vezes, rapidamente. Na terceira, alguém bateu no porta-malas e disse para ficar quieto, porque alguém iria me pegar, e que eles só queriam dinheiro.
Esperei um tempão, ouvi barulho de carro e comecei tentar sair. Consegui soltar as mãos amarradas, mexendo os braços. Tentei forçar o porta-malas, mas a tampa não abria. Numa hora, abriu. Tem um lugar no fecho automático que, quando você encosta, abre.
Folha - Crislene Oliveira, então amante do sr., disse que seu jantar com Ana Elizabeth era para acertar a separação.
José Carlos -
Liguei para ela nesse dia e cai na besteira de falar que ia jantar com Beth. A gente sente a mancada que deu, a gente está enrolando a menina... Eu disse a ela que era jantar de separação.
Folha - O sr. mentiu para ela?
José Carlos -
Mas isso é óbvio.
Folha - E sobre o Lindauro.
José Carlos -
Tive uma ligação anterior, o contratei num anúncio de classificados.
Folha - Por que o sr. o contratou?
José Carlos -
Quando Crislene chegou para mim e contou que estava grávida. Achei que o filho era meu. Ela me falava que não, desesperada, e me dizia que se encontrava com um rapaz. Fui saber se era verdade ou não.
Folha - O sr. espera explicar que o contratou para um trabalho e ele matou sua mulher sem sua ordem?
José Carlos -
Nós temos provas de que ele trabalhava para pelo menos duas pessoas. Sabemos que o Lindauro tinha relação com os parlamentares. Os indicativos vão ser colocados no julgamento.
Folha - Quem matou sua mulher?
José Carlos -
Acho que foram eles mesmo. João Alves está enterrado nisso até o pescoço. Não tenho dúvida nenhuma de que foram os "anões do Orçamento". Eles tinham medo dela, pois achavam que a gente estava se separando. Sabiam como ela era e o que ela reclamava para eles.
Folha - Por que o Lindauro iria dizer que foi o sr. o mandante?
José Carlos -
Quanto ele ganhou? Pelo que a gente está sabendo, é mais de US$ 500 mil. Isso é preço para matar uma pessoa? Para matar uma pessoa você arranja por muito mais barato que isso.
Ele está levando dinheiro para assumir o crime e sair numa boa, com proteção. Senão, está arriscado a morrer. O poder está aí atrás, tentando tampar esse negócio. Esse pessoal, as empreiteiras, quer manter o status e acabar comigo.
Folha - O sr. tem informações não ditas na CPI do Orçamento?
José Carlos -
Tenho. Isso é meu seguro de vida. Está tudo escrito. Quando eu morrer, sai. De morte matada ou morte morrida.
Folha - Como é que se entra numa rede de corrupção?
José Carlos -
Na primeira vez, ganhei (de João Alves) um pacote com cerca de US$ 20 mil. Vou falar o que? Negar? Mereço mesmo, trabalho, dou um duro danado. Aceitei, como se fosse um presente. Você vai naquela: não estou fazendo nada, é ele que está fazendo. Era o que eu falava em casa para Beth. Eu só dou as informações.



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