São Paulo, quarta, 25 de junho de 1997.



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ELIO GASPARI
Com vocês, Fernando Campos Rodrigues

Deve-se agradecer ao professor Fernando Henrique Cardoso a sua curta observação de que se vê como uma mistura de dois presidentes, o paulista Campos Salles (1898-1902) e o mineiro Juscelino Kubitschek (1955-1961).
Comentários desse tipo estimulam o interesse pela bela história do Brasil e elevam o debate político, permitindo que no choque das opiniões prevaleça o conhecimento sobre a preferência.
FFHH misturou Campos Salles com JK para facilitar o entendimento de seu projeto. Uma mistura dos dois talvez dê um Inocêncio Oliveira, seja ele o que for. (Noves fora o fato de JK ter industrializado o país, e FFHH até agora estar desindustrializando.) Seu negócio é ter dois mandatos, um como Campos Salles e outro como Rodrigues Alves, seu sucessor. O primeiro recebeu o governo com as finanças em pandarecos. Seu ministro da Fazenda, Joaquim Murtinho, segurou o crédito, quebrou bancos (com o primeiro Proer da República), cortou dois terços dos investimentos públicos e estabilizou a economia. O segundo inaugurou um período de prosperidade que duraria até o fim da Primeira Guerra Mundial.
Assim como JK fez Brasília, Rodrigues Alves abriu a avenida Rio Branco. O professor Cardoso é autor de um ensaio de 35 páginas intitulado "Dos Governos Militares a Prudente-Campos Salles", publicado no terceiro volume do período republicano da "História Geral da Civilização Brasileira". Não é nenhuma Brastemp, apenas um bom panorama. Deu pouca importância à estabilização da economia e não citou Joaquim Murtinho, o que é uma pena. Indiretamente, chamou-o de tecnocrata, numa época em que isso era insulto e tucano era bicho.
Mesmo reconhecendo virtudes na administração de Campos Salles, FFHH fixou-se na armação política que marcou seu governo: o pacto oligárquico baseado nas chefias políticas dos Estados. Sua conclusão foi de que a ossatura desse pacto era um pobre esqueleto. FFHH ainda não é um Campos Salles. Ambos regularizaram o crédito externo, ambos apertaram a banca (sem que daí surgisse banqueiro empobrecido). Ambos reduziram a interferência do governo na economia e venderam ativos do Estado, mas Campos Salles mandou a Marinha vender alguns de seus navios, coisa que não passa pela praia de FFHH. Assim como não passa aumentar tributos, e Campos Salles criou o primeiro imposto sobre a circulação de mercadorias. Um desvalorizou a moeda (na média) e governou com superávits comerciais, e o outro está fazendo o contrário. A estabilidade do pai do pacto oligárquico significou uma queda na renda "per capita" do brasileiro, mas resultou no completo controle do déficit público. Em suma: pisou fundo, até porque a Constituição lhe proibia a reeleição.
Olhado pelo desempenho econômico, Campos Salles pode ser visto como um sucesso, mas, quando o professor Cardoso escreveu sobre esse período da história republicana concentrou-se na pobreza elitista do pacto oligárquico. Sem ter feito tanto quanto seu remoto antecessor, FFHH sonha com a hora em que poderá virar Rodrigues Alves, mandando erguer o Teatro Municipal e trocando Caruaru por um novo Oswaldo Cruz.
Todas essas recordações podem parecer inúteis, mas talvez se possa ver melhor o futuro olhando para o passado. Assim como em 1900, a retórica econômica do governo tem um forte sotaque de darwinismo social. Joaquim Murtinho dizia que o destino do mais fraco é ser comido pelo mais forte, porque, apesar de toda a sua dureza, essa é a lei por excelência do progresso.
Hoje estão dizendo coisas parecidas. E é aí que a porca torce o rabo. Se Campos Salles e Rodrigues Alves foram tão bons, por que a República Velha deu em nada? Felizmente, está nas livrarias o trabalho "A Crise Financeira da Abolição", de John Schulz, formado em história pelas universidades de Yale e Princeton, e instruído na vida do dinheiro nacional como representante de bancos internacionais no Brasil, entre eles o National Westminster.
Não é um livro divertido, mas é uma maravilha de pesquisa e severidade. Além do mais, tem só 158 páginas. Para quem quiser ficar só com uma de suas conclusões, lá vai:
"Infelizmente, os benefícios derivados do sucesso de Campos Salles foram quase exclusivamente para a elite. Para os proprietários de terras, os comerciantes, os industriais e os políticos, o período 1900-1914 pareceu ser uma época áurea de crescimento. Por outro lado, não se deve esquecer que a vasta maioria dos brasileiros continuou a sofrer os efeitos de uma lei da terra hostil, da indiferença do governo em relação à educação e de uma corrupção generalizada. Para o futuro do Brasil se esperaria que as vantagens surgidas com a estabilidade financeira pudessem ser divididas mais igualitariamente por todos os grupos da população".
Foi por isso que o professor Cardoso chamou de pobre esqueleto a ossatura do pacto oligárquico.



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