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ENTREVISTA DA 2ª
Manchineri diz que narcotráfico está avançando nas aldeias, mas condena Plano Colômbia
Índio critica intervenção na Amazônia
EDUARDO SCOLESE
DA AGÊNCIA FOLHA
O índio Sebastião Manchineri,
31, denuncia a penetração do narcotráfico nas tribos indígenas da
Amazônia, mas condena o Plano
Colômbia (programa de combate
ao narcotráfico financiado pelos
EUA) e a insistência dos estrangeiros em transformar a floresta
em patrimônio internacional.
"O plano é uma imposição, uma
farsa", diz Manchineri. Segundo
ele, os índios serão os maiores
prejudicados pela tensão entre
narcoguerrilheiros e soldados
norte-americanos e colombianos.
O indígena também critica o despreparo do Exército brasileiro.
Manchineri é o primeiro brasileiro a ser eleito presidente da
maior organização indígena da
América do Sul, a Coica (Coordenadoria das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica), que representa quatro milhões de índios. A entidade possui, além de
projetos de educação, cultura e
saúde, prioridades políticas.
Fundada há 17 anos no Peru, a
Coica, hoje com sede em Quito
(Equador), agrupa cerca de 400
povos indígenas, espalhados pela
Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana Francesa, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Na Colômbia, Equador e Venezuela, a
Coica já elegeu parlamentares. Ela
se mantém por meio de doações
de ONGs e divulga sua ações na
internet (www.satnet.net/coica).
Manchineri foi coordenador-geral da Coiab (Coordenação das
Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) de 1994 a 1996.
Eleito por aclamação, no início do
mês, na Colômbia, tomará posse
no final de julho para um período
de quatro anos. Leia a seguir os
principais trechos da entrevista:
Agência Folha - Qual é a relevância de um brasileiro assumir a presidência da Coica?
Sebastião Manchineri - Vai fortalecer o movimento indígena brasileiro no cenário internacional.
Poderemos agir com um peso significativo em relação à biodiversidade da floresta amazônica. Vamos lutar para afastar dos indígenas os problemas das drogas e o
perigo do Plano Colômbia.
Agência Folha - Como está a relação dos índios com o narcotráfico?
Manchineri - A mão-de-obra dos
índios sul-americanos tem sido
usada indiscriminadamente pelos
narcotraficantes. Isso acontece na
maioria dos países cobertos pela
Amazônia. Eles são usados em
troca de alimentos e benfeitorias.
Hoje os índios dependem disso.
Agência Folha - E o consumo dos
entorpecentes?
Manchineri - Esse é outro ponto
que terei de dar prioridade. A droga está invadindo as tribos. Será
um trabalho principalmente de
conscientização das lideranças indígenas.
Agência Folha - Porque o sr. considera perigoso o Plano Colômbia?
Manchineri - Além de não resolver o problema do tráfico, esse
plano vai deixar milhares de índios literalmente no meio de um
fogo cruzado entre guerrilheiros e
soldados. Mais uma vez os indígenas serão os mais prejudicados.
Eles vivem entre a cruz e a espada.
Agência Folha - Mas o sr. acredita
que o Plano Colômbia vai ao menos
minimizar o poder do narcotráfico?
Manchineri - O problema do tráfico de drogas não ocorre apenas
na Colômbia. O problema não é
dos Estados Unidos e muito menos da Colômbia. O fato é que as
drogas não são produzidas pelos
norte-americanos e por isso eles
querem intervir em quem a produz. Se a droga fosse produzida
em território americano, ninguém jamais iria tentar uma intervenção. O Plano Colômbia é
uma imposição, uma farsa. Tudo
para dizer que alguma coisa está
sendo feita.
Agência Folha - O que o sr. acha
da tese da internacionalização da
floresta amazônica?
Manchineri - Os estrangeiros dizem que a Amazônia é um patrimônio da humanidade. Porém a
floresta é um patrimônio nosso,
dos índios, dos seringueiros e dos
ribeirinhos. Eles depredaram o
que tinham e agora querem se
apropriar do que é nosso.
Agência Folha - O sr. teme uma
intervenção internacional?
Manchineri - O Brasil já sofre intervenções há muito tempo. Infelizmente, ao longo dos anos, os
nossos governantes não tiveram
postura para defender a soberania do país. A floresta amazônica
vem sendo internacionalizada
desde a constituição de nossa dívida externa. A culpa é de uma
política mal concebida. Todos
aceitaram a imposição dos países
que chamamos de desenvolvidos.
Agência Folha - Como tem sido,
na sua opinião, a atuação do Exército Brasileiro na floresta?
Manchineri - O Brasil tem uma
quantidade de soldados que poderia ser importante, mas as Forças Armadas mostram que não
estão preparadas. Há um nítido
despreparo. Quando os integrantes do Exército não abusam de
nossas mulheres, eles reprimem
os demais índios. A atuação deles
deveria ser melhor definida.
Agência Folha - E quanto às explorações das terras indígenas?
Manchineri - Não somos contra a
exploração em territórios indígenas, mas a verdade é que 60% de
nossas terras estão hoje invadidas
por madeireiros, garimpeiros, caçadores e pescadores. O fato é que
depois da exploração eles deixam
problemas no ambiente, doenças
nas tribos, contaminação dos rios.
Tiram a riqueza e deixam os problemas. A biodiversidade, inclusive, vem sendo prejudicada pela
construção de estradas.
Agência Folha - O que o sr. pretende fazer nos próximos quatro
anos sobre os direitos dos índios
que vivem na Amazônia?
Manchineri - Temos de definir o
que é bom e ruim para os índios.
Ou assumimos de vez as ações governamentais e a iminente possibilidade de os índios se tornarem
empresários e comerciantes, com
total dependência da civilização e
os riscos da discriminação, ou fazemos uma força maior para garantir ao nosso povo o direito à
cultura e uma vida mais saudável.
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