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SOB NOVA DIREÇÃO
Ministra critica colegas que pedem mais verbas e afirma que não existe oposição entre técnicos e políticos
Ministros têm de gastar "tudo", diz Dilma
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
HUMBERTO MEDINA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Considerada "durona" e eficiente, a nova chefe da Casa Civil,
Dilma Rousseff, avisa aos colegas
ministros que não dá para ficar
chorando falta de dinheiro e não
usar o que está disponível. Ela
considera seu "dever" fazer com
que os recursos sejam usados no
limite, "nem um tostão a menos",
"nem um milímetro a menos".
Até agora, os ministros e os críticos reclamam que um superávit
primário de 4,25% do PIB (Produto Interno Bruto) inviabiliza
investimentos e políticas públicas, mas muitas áreas não usam o
dinheiro que está disponível.
Dilma, que será a coordenadora
administrativa do governo em
2006, ano em que o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva deve disputar a reeleição, diz que há muito o que mostrar e que Lula terá
condições de avaliar diariamente
seu governo.
O objetivo é enxugar ministérios, órgãos e grupos de trabalho.
Ela, aliás, acha que grupo de trabalho é para funcionar, no máximo, "três, quatro, cinco vezes".
Não é o que ocorre hoje.
Folha - O PMDB está reunido com
o presidente para decidir quais são
os ministérios do partido. Se quem
vai "tourear" os novos ministros é
a chefe da Casa Civil, por que a senhora não participa dessa reunião?
Dilma Rousseff - Não acho que
seja o caso de tourear ministros.
Independentemente do partido
do ministro, acho que é possível
um excelente relacionamento. Alguns, inclusive, eu posso chamar
de amigos, como o Ciro Gomes e
o Celso Amorim. Geralmente,
quem se credencia para ser ministro tem uma certa condição, uma
certa capacidade. Prefiro achar
que a função da Casa Civil é mais
de articular ações. Eu preciso que
o ministro desenvolva uma ação
de qualidade, para a interface com
os outros ministérios ser de qualidade.
Folha - Mas a senhora teve dificuldades, por exemplo, com a ministra Marina Silva, que, aliás, é do
seu partido, na questão das hidrelétricas. A senhora queria rapidez,
e a área ambiental retardava as decisões.
Dilma - Aí é outra coisa. Há uma
visão falsa de que coalizão é igual
a desclassificação técnica, mas
não se pode opor dois conceitos: o
técnico e o político.
Folha - Daí o seu discurso de posse sobre a função política da Casa
Civil, que algumas pessoas interpretaram mal...
Dilma - Completamente errado.
Não pode dissociar o técnico do
político. O que é o
padrão técnico? É
o conhecimento
objetivo, é a apropriação de instrumentos científicos
quando for o caso
e de instrumentos
tecnológicos e um
certo compromisso com o país. Ao
mesmo tempo, eu
não posso ter um
técnico que, por
exemplo, ache que a questão tarifária nada tem a ver com a renda
da população. O conflito não é
maléfico, ele pode ser virtuoso.
São óticas diferentes que cada ministério tem que representar no
governo. A minha ótica é de energia. Eu tenho que garantir o abastecimento do país. A ótica da Marina é de Meio Ambiente, tinha de
defender a preservação ambiental. É dessa relação que pode
emergir um consenso.
Folha - Mas agora mudou o patamar. A senhora é coordenadora,
não é mais de igual para igual...
Dilma - Eu vou ter que deixar
que a ótica da energia seja defendida pelo ministro de Minas e
Energia. Vou ter que ter objetividade suficiente para entender que
as duas óticas têm que ser consideradas. Os aspectos políticos e
técnicos são absolutamente essenciais e têm de estar juntos. Livrem-nos dos ministros só políticos, no sentido de que eles não entendem o que estão fazendo, e livrem-nos dos ministros técnicos,
aqueles que pensam que entendem e que não levam em consideração os fatores fundamentais
que a sensibilidade do país exige.
Folha - O ministro Eduardo Campos (PSB) por exemplo, entende de
Ciência e Tecnologia? Está tecnicamente preparado?
Dilma - Não precisa ser um técnico. Eu não sou uma engenheira
elétrica, não puxo fio e não fui para a cadeia porque divergia de
megawatts. Sou economista. Você
tem é de saber que o setor que você está ligado tem uma lógica própria. Ninguém pode dirigir um
ministério sem saber isso.
Folha - Como fica a discussão de
Angra 3, com o Campos de um lado
e a senhora de outro?
Dilma - A minha posição sobre
Angra 3 é aquela lá do Ministério
de Minas e Energia [contrária à
construção]. O posicionamento
da Casa Civil é o do ministro anterior [favorável à usina]. Não pretendo falar enquanto ministra da
Casa Civil neste caso. O que está
feito está feito. Vai ser levado aos
outros ministros e a decisão é do
presidente.
Folha - O que muda na Casa Civil
com a sua posse, nesse momento
de crise política?
Dilma - A Casa Civil até agora viveu um período de governo diferente do que o que começa hoje.
Agora começa o
período de governo em que nós estamos finalizando
o nosso tempo,
que são esses quatro anos de mandato do presidente. Estamos a um
ano e meio do final do mandato.
O ritmo disso é
diferente.
Folha - Quais são
os projetos prioritários?
Dilma - Há vários. Eu vou citar
uns quatro: interligação das bacias do São Francisco, as metas do
Bolsa-Família, do Luz para Todos
e da reforma agrária, mais o gasoduto Urucu-Coari-Manaus, as estradas...
Folha - O governo fez reuniões de
horas e horas, com vários ministros, para definir investimentos e
planos para a infra-estrutura, mas
até hoje não tem uma política clara...
Dilma - Pretendo levantar as metas e fazer todo um fecho do governo. Nós vamos divulgar as metas prioritárias, e o presidente vai
fazer uma avaliação de todas elas.
Todos os programas terão um
acompanhamento sistemático
diário da Casa Civil.
Folha - E as nomeações?
Dilma - Esse ministério aqui não
vai fazer indicação política para
ocupar cargos. Esse ministério vai
fazer dobradinha com outro ministério, o da Articulação Política,
que é atualmente dirigido pelo
ministro Aldo Rebelo. É nele que
vão estar centralizadas todas as
atividades concernentes à nomeações.
Folha - Uma crítica recorrente é
que há uma profusão de grupos de
trabalho. A senhora pretende dar
uma enxugada nisso?
Dilma - Nós vamos fazer a partir
deste sábado [hoje] uma revisão
do que é possível simplificar e o
que é possível passar para outros
ministérios. Vou dar prazo para
alguns grupos de trabalho apresentar resultados. A idéia de um
grupo de trabalho é que ele tenha
duração muito curta. Ele dura
três, quatro, às vezes cinco reuniões. Resolvido o problema, ele
está extinto. O grupo de trabalho
mais eficiente é o que dura pouco
e apresenta solução.
Folha - Dirceu era acusado de
centralizar muito. Até a crise da Varig estava dentro do Planalto. A senhora pretende fazer uma faxina e
tirar algumas coisas?
Dilma - É importante focar na
atividade principal. O que não for
relativo à Casa Civil, pretendo
transferir.
Folha - O que, por exemplo?
Dilma - Eu não tenho o menor
interesse em ter a Varig dentro do
ministério, e, ao que eu saiba, ela
está na Defesa, atualmente. E tudo
o que for mais afeito a outra área,
o ministro da área assume a direção executiva e eu assumo o
acompanhamento. O presidente
está querendo muita limpeza em
todos os ministérios. Está querendo juntar atividades, dar maior
racionalidade à máquina, melhorar a qualidade. O presidente está
falando muito em um projeto de
redução.
Folha -Como promover políticas
públicas com esse superávit primário estratosférico?
Dilma - Executando o superávit
definido. O governo definiu, e nós
vamos fazer com que seja gasto
no limite. Nem um tostão a menos. Isso é meu dever.
Folha - É um aviso? Muitos ministros reclamam de verbas, mas não
usam as disponíveis?
Dilma - Sou funcionária do governo e vou implantar a política
do governo. E qual é ela? Superávit primário de 4,25%. Isso significa que farei todos os meus esforços para cumprir as prioridades
definidas pelo presidente nesse limite, nem um milímetro a menos.
Me perguntaram se o superávit
do governo vai ser 5%. Não, não
vai ser. Vai ser 4,25%. Nós iremos
gastar nesse limite.
Folha - A senhora está técnica,
mas é política. Como compatibilizar o projeto maior de reeleger o
presidente com essa limitação orçamentária?
Dilma - Eu acho que não há ministro que seja só
técnico ou só político. Nós somos
híbridos. 4,25%
não é uma decisão
técnica, é também
uma decisão política. Por trás da
palavra "técnica"
está embutida
uma valorização
pseudocientífica e
ninguém pode
acreditar nisso, de
que haja condições de ter um nível de cientificidade tal nas políticas públicas, que seja dado por
uma super consciência técnica.
Folha -Aliás, há várias CPI's em
discussão no Congresso e uma delas, dos Correios, está a todo vapor.
Uma das suas funções é neutralizar
os efeitos políticos delas mostrando trabalho?
Dilma - Eu asseguro que tem
uma quantidade inimaginável de
trabalho para ser mostrado e que
não é apresentado de forma clara.
Então, o que é minha função? Pegar esse um ano e meio que falta e
deixar claro quais são as obras
prioritárias. Daqui a uns dois meses, mais ou menos, vai ficar límpido quais são as obras prioritárias do governo, o que nós realizamos, o balanço do governo. Vou
tentar levar esse balanço ao conhecimento de todo mundo, para
dar instrumentos ou para nos criticar, ou elogiar ou ficar por isso
mesmo. Isso é fundamental para
o governo. Esse país não tem risco
de apagão, todo mundo sabe disso. Mas onde isso está escrito?
Folha - Quando Dirceu falou na
posse em "companheira de armas", isso foi bom ou ruim?
Dilma - Isso é a vida. Foi assim.
Eu não vou esconder o que eu fui
e não tenho uma avaliação negativa. Acho que ele quis ser afetivo
comigo. Tenho uma visão bastante realista daquele período. Eu tinha 22 anos, o mundo era outro, o
Brasil era outro. Muita coisa a
gente aprendeu. Não tem similaridade o que eu acho da vida hoje.
Folha - O que a senhora mais
aprendeu?
Dilma - Como é que a gente às
vezes acha que está certo e pode
estar equivocado. Exemplo: a
análise que a gente fazia da ditadura militar, que estava em crise
econômica e que a crise era geral.
Isso em 1968, início do "boom". E
aprendi a aguentar derrota, que é
uma coisa difícil de agüentar.
Folha - Uma coisa que se diz de
todo o governo é que o presidente
fica no palácio, cercado de assessores dizendo que está tudo maravilhoso. O que se diz do atual governo é que, além disso, há muita arrogância. Vindo de fora do palácio,
um dos seus papéis pode ser o de
advogado do diabo?
Dilma - Olha, eles falam mal de
mim também, viu?
Folha - Eles quem?
Dilma - Falam que eu sou durona, autoritária.
Mas falam também, e eu acho
fantástico, que eu
escuto, que eu negocio, que aceito
quando me derrotam na argumentação. Não
concordo que o
governo tenha o
nariz em pé, de
forma generalizada. Há algumas
simplificações
que são armas.
Governar, e principalmente governar tentando promover mudança, é algo muito difícil. Porque
há toda uma força de permanência que te segura. Governar um
país como o nosso não é uma trivialidade. As pessoas, às vezes,
confundem uma certa consciência do tamanho das dificuldades
com nariz em pé.
Folha - Qual o tamanho da crise
política?
Dilma - O país evoluiu. A democracia é não só o direito de falar,
mas a resistência das instituições.
Quando você tem conflitos, problemas, acusações ou processos
que a sociedade acha que têm que
ser investigados, no passado você
definiria isso como crise catastrófica. Levava um governo a debate.
Hoje, não. É possível ter uma CPI
e não precisar chamar de crise política, ter o governo funcionando,
o Congresso debatendo, as pessoas que têm que ser interrogadas
sendo interrogadas, a Polícia Federal fazendo as investigações,
sem cair a República. Pode ser crise para um, dois, três, quatro ou
cinco, mas não é crise para todos
nós.
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