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ENTREVISTA/TARSO GENRO
"A linha que separa candidato de presidente é imaginária"
Adepto do fim da reeleição e de mandato de
5 anos, ministro diz que reforma política é
prioridade em eventual segundo governo
MALU DELGADO
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA
A
NORMA CONSTITUCIONAL que permite a
reeleição deve ser reavaliada no próximo
governo, segundo o ministro Tarso Genro
(Relações Institucionais). O coordenador
político do governo admite ter mudado de idéia e, agora, defende eleições gerais no país de cinco em cinco
anos. Para ele, é preciso fazer uma reforma política logo no primeiro semestre do próximo mandato e, em
seguida, enfrentar questões ainda mais polêmicas, como as reformas do Estado e da Previdência.
Folha - Houve críticas na construção da maioria congressual no primeiro mandato de Lula. Haverá
uma nova realidade com a cláusula
de barreira, com menos partidos. Isso ajuda a governabilidade?
Tarso Genro - A cláusula de barreira ajuda a reforma política.
Dará nitidez a meia dúzia de
partidos e obrigará que tenham
uma preocupação especial com
seu caráter nacional. O presidente Lula entende que o próximo governo, se ele for eleito,
deve ser de coalizão partidária,
e não mais de relacionamento
fragmentário tradicional.
Folha - Já se fala na estrutura de
poder que o PMDB teria num segundo mandato, quantos ministérios,
quantos cargos etc. Não começa errada e fisiológica a interlocução?
Genro - Da nossa parte a discussão é preliminarmente programática. Eu gostaria que me
apresentassem um partido que
não persegue o poder de Estado. Os partidos são vocacionados e construídos para exercer
o poder e para administrar a
máquina pública.
Um governo de coalizão é
aquele que coloca na máquina
pública os partidos para governar, com responsabilidade para
fora e com responsabilidade
para dentro. É um mecanismo
que obriga a esses partidos que
cobrem da sua base parlamentar um mínimo de disciplina.
Senão, não há possibilidade de
fazer reforma.
O problema vai ter que ser
enfrentado, seja pelo Lula, pelo
Alckmin, pela Heloísa Helena.
Aliás, a Heloísa Helena representa emblematicamente o
problema. Perguntada como
vai governar, com cinco ou seis
deputados, disse que não precisa do Congresso, e que o dever
do Congresso é ficar controlando o Executivo, ser oposição.
Isso é uma visão completamente equivocada. Levará, inevitavelmente, a uma crise.
Quem não governar com
uma maioria parlamentar estável, que dê capacidade de operar o programa de governo, não
governará o país.
O PMDB vai
participar do próximo
governo, seja ele qual
for, seja quem for o
presidente. O PMDB é
um partido que tem
vocação para ser
centrista. Quem não
governar com o centro,
no Brasil, não governa,
porque a sociedade
tende para o centro
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Folha - Se todos os partidos buscam o poder, a participação do
PMDB será algo maior que fatias em
ministérios?
Genro - O PMDB vai participar
do próximo governo, seja ele
qual for, seja quem for o presidente. O PMDB é um partido
que tem vocação para ser centrista. Quem não governar com
o centro, no Brasil, não governa, porque a sociedade tende
para o centro. O presidente Lula já disse que não foi uma tragédia ter perdido em 1989 porque, naquele momento, o PT
entendia que podia fazer um
governo puro de esquerda, o
que era um equívoco total.
Folha - Qual é o programa da coalizão? Haverá reformas?
Genro - Não se pode confundir
programa comum com uma
agenda comum. Uma agenda
comum identifica pontos que
as forças políticas vão debater.
Por exemplo: a reforma política. O que nós temos que construir hoje não é um programa
que unifique todos os partidos.
Isso seria uma posição falsamente democrática, tenderia
até a uma postura autoritária.
Temos de construir uma
agenda que envolva a ampla
maioria das forças políticas, para ser a ponte através da qual
vamos abordar as reformas.
Sem reforma política o Congresso não terá coesão para formar maiorias fortes que encaminharão as reformas e não terá juízo majoritário sobre elas.
O programa a ser aplicado será o da coalizão vencedora. Para ser aplicado, tem de cumprir
um determinado ritual. O primeiro é a reforma política. Se a
reforma política não for feita
no primeiro semestre do próximo governo, certamente será
adiada por mais quatro anos.
Folha - O sr. já mencionou a necessidade de uma reforma de Estado
para se alcançar o crescimento, defendeu corte de privilégios e até a
revisão do conceito arcaico de direito adquirido. A declaração gerou
desconforto no PT e em vários segmentos sociais. Essa reforma num
segundo governo é necessária?
Genro - É necessária, e não gerou desconforto somente no
PT. Gera desconforto em todos
os setores corporativos. A luta
corporativa é legítima e necessária. Para mim, é o ponto de
partida da democracia. O ponto
de chegada é a totalidade social,
a redução de desigualdades, um
Estado público. Não chegamos
ainda nesse ponto. Tanto que
algumas lutas corporativas são
compreendidas, até pela esquerda, como lutas que adquirem legitimidade política por si
mesmo. Exemplo concreto: um
determinado setor luta por um
salário inicial no Estado de R$
18 mil. É legítimo, mas não pode ser acolhida por uma razão
objetiva: significa o Estado como indutor da concentração de
renda.
Quanto ao direito adquirido,
não se trata de revogá-lo, mas
de dar eficácia moderna a ele,
sob pena de que se transforme
não numa instituição que proteja direitos, mas que congele
privilégios. Sou da opinião que
ninguém deve ganhar mais que
o presidente, que governador,
que prefeito. Se o salário do
presidente, que é de R$ 9.000,
tem de ser aumentado, ai é outra coisa. É injustificável que,
no Brasil, tenhamos um diferencial de salários no serviço
público de 1 para 60.
O governo que não encarar
isso, seja de centro, direita ou
esquerda, não vai encarar questões fundamentais como a reforma do Estado. Fazer reforma congelando salário de servidor e tirando direitos dos de
baixo, qualquer um faz com a
caneta na mão. Quero ver é atacar privilégios e fazer das despesas públicas instrumento de
justiça social.
Folha - A reforma do Estado então
está na agenda.
Genro - É um debate que várias
forças políticas estão propondo
sobre o futuro, que vai ser ou
não contemplado no debate
eleitoral. Não há nenhuma proposta do governo do presidente
Lula formalizada sobre isso,
mas há sim uma preocupação.
Folha - Se há preocupação, o debate será travado.
Genro - Eu não me arrisco a dizer se será travado, até porque
não é um tema atraente para o
processo eleitoral. É um tema
que vai ser tratado provavelmente depois das eleições.
Folha - O debate inclui reforma da
Previdência?
Genro - É um tema que se impõe. Acho que vai ser discutido
no próximo período e qualquer
governo vai ter que enfrentar
isso. Cada um vai enfrentar
com uma visão de mundo.
O ideal seria
aquela posição do
Tancredo: cinco anos,
sem reeleição. Hoje
penso assim. Revisei
meu ponto de vista. A
reeleição tende a
politizar
excessivamente e a
radicalizar as relações
entre governo e
oposição
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Folha - E a questão da reeleição?
Genro - Minha intuição, pelas
posições que eu vejo do presidente Lula e dos demais candidatos, é que esse tema será tratado. Provavelmente teremos
uma revisão da norma constitucional da reeleição.
Confesso que mudei de opinião. O ideal seria aquela posição do Tancredo: cinco anos,
sem reeleição. Hoje penso assim. Revisei meu ponto de vista. A reeleição tende a politizar
excessivamente e a radicalizar
as relações entre governo e
oposição. O ideal, na minha
opinião, seria eleições gerais de
cinco em cinco anos.
Folha - Essa discussão está madura
no PT?
Genro - Acho que não. O PT
certamente discutirá essa
questão no próximo período, a
partir das experiências de governo.
Folha - O sr. vê ameaça à democracia com a reeleição? Questiona-se
com frequência o uso da máquina
por Lula. A linha é muito tênue, entre ser presidente e candidato?
Genro - A linha é imaginária,
não é tênue. A separação entre
a função administrativa presidencial e a sua função política
-e a sua função política evidentemente reflete em [período de] eleição - só pode ser traçada por uma norma objetiva
que impõe determinada conduta. É a lei que vai dizer o que pode e o que não pode fazer. Só é
possível separar isso através de
condutas objetivas. Porque na
esfera da política isso é inseparável. Foi isso que Lula disse e
foi mal compreendido: qualquer governante, em qualquer
situação, desde o primeiro ato
que realiza, transcende a sua
função administrativa e [esse
ato] se transforma numa questão política que vai influir ou
não na sua aceitação eleitoral.
O Judiciário só pode avaliar
se o governante realizou ou não
aquela conduta. Está escrito na
lei que o mandatário que fizer
inauguração está sob a pena da
lei. As demais condutas não
prescritas podem ser feitas. O
que tem de ser observado é o
texto legal. A influência política
e eleitoral que vai ter, ou não,
isso está fora do exame do poder Judiciário.
Folha - O sr. sempre foi crítico da
política econômica. Haverá a chamada inflexão num eventual segundo mandato?
Genro - Conquistamos a estabilidade, e não renunciamos a
ela. Daí a idéia de metas de inflação combinada com metas
de crescimento. Nossa visão é
distribuir renda para crescer e
manter a estabilidade. As medidas tomadas no período do Palocci viabilizaram a boa situação que temos hoje. Não discuto o talento do Palocci nem da
equipe dele. Tem o mérito de
ter estabilizado economicamente o país e proporcionado
um período de credibilidade internacional. Agora, as questões
de tempo e de ritmo evidentemente dividiram o PT e o governo. Acho que um próximo
governo, se desencadear a farra
fiscal, a visão de crescimento
artificial com sacrifício da estabilidade, seja que governo for,
vai desestabilizar o país.
Quando o sr. Alckmin propõe
uma redução imediata e drástica dos impostos, combinada
com um crescimento de 8%, ele
estará implodindo a economia
do país. Só uma pessoa que não
entende nada de economia e
que não tem assistência séria
nessa área pode dizer um disparate desse tipo. O Brasil tem
de crescer permanentemente,
distribuindo renda. Para isso,
tem de crescer de maneira ponderada, adequada. Acho que
crescimento, no ano que vem,
de 5%, como ponto de partida
para crescimentos superiores
depois, é muito bom para o
país. Na minha opinião tem de
ter transição sem renúncia da
estabilidade.
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