São Paulo, domingo, 25 de junho de 2006

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ENTREVISTA/TARSO GENRO

"A linha que separa candidato de presidente é imaginária"

Adepto do fim da reeleição e de mandato de 5 anos, ministro diz que reforma política é prioridade em eventual segundo governo

MALU DELGADO
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA

A NORMA CONSTITUCIONAL que permite a reeleição deve ser reavaliada no próximo governo, segundo o ministro Tarso Genro (Relações Institucionais). O coordenador político do governo admite ter mudado de idéia e, agora, defende eleições gerais no país de cinco em cinco anos. Para ele, é preciso fazer uma reforma política logo no primeiro semestre do próximo mandato e, em seguida, enfrentar questões ainda mais polêmicas, como as reformas do Estado e da Previdência.

Folha - Houve críticas na construção da maioria congressual no primeiro mandato de Lula. Haverá uma nova realidade com a cláusula de barreira, com menos partidos. Isso ajuda a governabilidade?
Tarso Genro
- A cláusula de barreira ajuda a reforma política. Dará nitidez a meia dúzia de partidos e obrigará que tenham uma preocupação especial com seu caráter nacional. O presidente Lula entende que o próximo governo, se ele for eleito, deve ser de coalizão partidária, e não mais de relacionamento fragmentário tradicional.

Folha - Já se fala na estrutura de poder que o PMDB teria num segundo mandato, quantos ministérios, quantos cargos etc. Não começa errada e fisiológica a interlocução?
Genro
- Da nossa parte a discussão é preliminarmente programática. Eu gostaria que me apresentassem um partido que não persegue o poder de Estado. Os partidos são vocacionados e construídos para exercer o poder e para administrar a máquina pública. Um governo de coalizão é aquele que coloca na máquina pública os partidos para governar, com responsabilidade para fora e com responsabilidade para dentro. É um mecanismo que obriga a esses partidos que cobrem da sua base parlamentar um mínimo de disciplina. Senão, não há possibilidade de fazer reforma. O problema vai ter que ser enfrentado, seja pelo Lula, pelo Alckmin, pela Heloísa Helena. Aliás, a Heloísa Helena representa emblematicamente o problema. Perguntada como vai governar, com cinco ou seis deputados, disse que não precisa do Congresso, e que o dever do Congresso é ficar controlando o Executivo, ser oposição. Isso é uma visão completamente equivocada. Levará, inevitavelmente, a uma crise. Quem não governar com uma maioria parlamentar estável, que dê capacidade de operar o programa de governo, não governará o país.


O PMDB vai participar do próximo governo, seja ele qual for, seja quem for o presidente. O PMDB é um partido que tem vocação para ser centrista. Quem não governar com o centro, no Brasil, não governa, porque a sociedade tende para o centro

Folha - Se todos os partidos buscam o poder, a participação do PMDB será algo maior que fatias em ministérios?
Genro
- O PMDB vai participar do próximo governo, seja ele qual for, seja quem for o presidente. O PMDB é um partido que tem vocação para ser centrista. Quem não governar com o centro, no Brasil, não governa, porque a sociedade tende para o centro. O presidente Lula já disse que não foi uma tragédia ter perdido em 1989 porque, naquele momento, o PT entendia que podia fazer um governo puro de esquerda, o que era um equívoco total.

Folha - Qual é o programa da coalizão? Haverá reformas?
Genro
- Não se pode confundir programa comum com uma agenda comum. Uma agenda comum identifica pontos que as forças políticas vão debater. Por exemplo: a reforma política. O que nós temos que construir hoje não é um programa que unifique todos os partidos. Isso seria uma posição falsamente democrática, tenderia até a uma postura autoritária. Temos de construir uma agenda que envolva a ampla maioria das forças políticas, para ser a ponte através da qual vamos abordar as reformas. Sem reforma política o Congresso não terá coesão para formar maiorias fortes que encaminharão as reformas e não terá juízo majoritário sobre elas. O programa a ser aplicado será o da coalizão vencedora. Para ser aplicado, tem de cumprir um determinado ritual. O primeiro é a reforma política. Se a reforma política não for feita no primeiro semestre do próximo governo, certamente será adiada por mais quatro anos.

Folha - O sr. já mencionou a necessidade de uma reforma de Estado para se alcançar o crescimento, defendeu corte de privilégios e até a revisão do conceito arcaico de direito adquirido. A declaração gerou desconforto no PT e em vários segmentos sociais. Essa reforma num segundo governo é necessária?
Genro
- É necessária, e não gerou desconforto somente no PT. Gera desconforto em todos os setores corporativos. A luta corporativa é legítima e necessária. Para mim, é o ponto de partida da democracia. O ponto de chegada é a totalidade social, a redução de desigualdades, um Estado público. Não chegamos ainda nesse ponto. Tanto que algumas lutas corporativas são compreendidas, até pela esquerda, como lutas que adquirem legitimidade política por si mesmo. Exemplo concreto: um determinado setor luta por um salário inicial no Estado de R$ 18 mil. É legítimo, mas não pode ser acolhida por uma razão objetiva: significa o Estado como indutor da concentração de renda. Quanto ao direito adquirido, não se trata de revogá-lo, mas de dar eficácia moderna a ele, sob pena de que se transforme não numa instituição que proteja direitos, mas que congele privilégios. Sou da opinião que ninguém deve ganhar mais que o presidente, que governador, que prefeito. Se o salário do presidente, que é de R$ 9.000, tem de ser aumentado, ai é outra coisa. É injustificável que, no Brasil, tenhamos um diferencial de salários no serviço público de 1 para 60. O governo que não encarar isso, seja de centro, direita ou esquerda, não vai encarar questões fundamentais como a reforma do Estado. Fazer reforma congelando salário de servidor e tirando direitos dos de baixo, qualquer um faz com a caneta na mão. Quero ver é atacar privilégios e fazer das despesas públicas instrumento de justiça social.

Folha - A reforma do Estado então está na agenda.
Genro
- É um debate que várias forças políticas estão propondo sobre o futuro, que vai ser ou não contemplado no debate eleitoral. Não há nenhuma proposta do governo do presidente Lula formalizada sobre isso, mas há sim uma preocupação.

Folha - Se há preocupação, o debate será travado.
Genro
- Eu não me arrisco a dizer se será travado, até porque não é um tema atraente para o processo eleitoral. É um tema que vai ser tratado provavelmente depois das eleições.

Folha - O debate inclui reforma da Previdência?
Genro
- É um tema que se impõe. Acho que vai ser discutido no próximo período e qualquer governo vai ter que enfrentar isso. Cada um vai enfrentar com uma visão de mundo.


O ideal seria aquela posição do Tancredo: cinco anos, sem reeleição. Hoje penso assim. Revisei meu ponto de vista. A reeleição tende a politizar excessivamente e a radicalizar as relações entre governo e oposição

Folha - E a questão da reeleição?
Genro
- Minha intuição, pelas posições que eu vejo do presidente Lula e dos demais candidatos, é que esse tema será tratado. Provavelmente teremos uma revisão da norma constitucional da reeleição. Confesso que mudei de opinião. O ideal seria aquela posição do Tancredo: cinco anos, sem reeleição. Hoje penso assim. Revisei meu ponto de vista. A reeleição tende a politizar excessivamente e a radicalizar as relações entre governo e oposição. O ideal, na minha opinião, seria eleições gerais de cinco em cinco anos.

Folha - Essa discussão está madura no PT?
Genro
- Acho que não. O PT certamente discutirá essa questão no próximo período, a partir das experiências de governo.

Folha - O sr. vê ameaça à democracia com a reeleição? Questiona-se com frequência o uso da máquina por Lula. A linha é muito tênue, entre ser presidente e candidato?
Genro
- A linha é imaginária, não é tênue. A separação entre a função administrativa presidencial e a sua função política -e a sua função política evidentemente reflete em [período de] eleição - só pode ser traçada por uma norma objetiva que impõe determinada conduta. É a lei que vai dizer o que pode e o que não pode fazer. Só é possível separar isso através de condutas objetivas. Porque na esfera da política isso é inseparável. Foi isso que Lula disse e foi mal compreendido: qualquer governante, em qualquer situação, desde o primeiro ato que realiza, transcende a sua função administrativa e [esse ato] se transforma numa questão política que vai influir ou não na sua aceitação eleitoral. O Judiciário só pode avaliar se o governante realizou ou não aquela conduta. Está escrito na lei que o mandatário que fizer inauguração está sob a pena da lei. As demais condutas não prescritas podem ser feitas. O que tem de ser observado é o texto legal. A influência política e eleitoral que vai ter, ou não, isso está fora do exame do poder Judiciário.

Folha - O sr. sempre foi crítico da política econômica. Haverá a chamada inflexão num eventual segundo mandato?
Genro
- Conquistamos a estabilidade, e não renunciamos a ela. Daí a idéia de metas de inflação combinada com metas de crescimento. Nossa visão é distribuir renda para crescer e manter a estabilidade. As medidas tomadas no período do Palocci viabilizaram a boa situação que temos hoje. Não discuto o talento do Palocci nem da equipe dele. Tem o mérito de ter estabilizado economicamente o país e proporcionado um período de credibilidade internacional. Agora, as questões de tempo e de ritmo evidentemente dividiram o PT e o governo. Acho que um próximo governo, se desencadear a farra fiscal, a visão de crescimento artificial com sacrifício da estabilidade, seja que governo for, vai desestabilizar o país.
Quando o sr. Alckmin propõe uma redução imediata e drástica dos impostos, combinada com um crescimento de 8%, ele estará implodindo a economia do país. Só uma pessoa que não entende nada de economia e que não tem assistência séria nessa área pode dizer um disparate desse tipo. O Brasil tem de crescer permanentemente, distribuindo renda. Para isso, tem de crescer de maneira ponderada, adequada. Acho que crescimento, no ano que vem, de 5%, como ponto de partida para crescimentos superiores depois, é muito bom para o país. Na minha opinião tem de ter transição sem renúncia da estabilidade.


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