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ELIO GASPARI
Adele vai para a Trilha Paulo Francis
O retrato pintado por Gustav Klimt e confiscado pelos nazistas tornou-se a tela mais cara do mundo
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BOA NOTÍCIA: ao preço de
US$ 135 milhões, o retrato de
Adele Bloch-Bauer, pintado
por Gustav Klimt em 1907 e confiscado pelos nazistas em 1938, vai para a
Trilha Paulo Francis, em Nova York.
Ela começa no restaurante Bravo
Gianni (rua 63, entre a 3ª e a 2ª Avenida), onde o jornalista costumava
almoçar. Daí segue para a Coleção
Frick (5ª Avenida com rua 70). Francis parava ali por três razões, não necessariamente nesta ordem: rever o
auto-retrato de Rembrandt, ir ao banheiro (um luxo) e usufruir a agradável temperatura da galeria. O Museu
Metropolitan (5ª com com rua 82)
era o pouso seguinte, num percurso
que acabava na sala da Princesa de
Broglie, de Ingres, e da Condessa de
Altamira, de Goya. A partir de 13 de
julho, Adele Bloch-Bauer estará do
outro lado da rua, na esquina da 86,
num pequeno museu criado pelo milionário Ronald Lauder, o dos cosméticos.
Adele era mulher do magnata austríaco Ferdinand Bloch-Bauer. Ela
morreu em 1925, aos 43 anos. Ele, em
1945, na Suíça, sem um centavo. Os
nazistas lhe haviam roubado as refinarias de açúcar, o palacete de Viena,
um castelo em Praga e toda a magnífica coleção de arte. O delírio dourado de Klimt, retratando uma mulher
que não era particularmente bonita,
foi para o Museu do Estado da Áustria. Durante 60 anos os sucessivos
governos austríacos escreveram uma
página lastimável, recusando-se a devolver o butim. Seguiram uma política que penalizou judeus saqueados
pelos nazistas. Esconderam documentos, fizeram-se de bobos e só cederam porque na outra ponta esteve
uma sobrinha de Adele, mulher obstinada, que se tornara cidadã americana. Brigou em todas as instâncias,
até na Suprema Corte dos Estados
Unidos. É o caso de se pensar se o governo da Áustria teria devolvido o
quadro a uma cidadã búlgara. Aos 92
anos, Maria dividirá com alguns parentes a maior quantia já paga por
um quadro.
Faz bem à alma saber que em Pindorama o governo (FFHH) ajudou os
judeus a recuperar obras de arte que
vieram para cá. Algumas chegaram
na primeira metade do século passado, pelas mãos do representante do
marchand suíço Theodore Fischer.
Ajudados pelo rabino Henry Sobel,
rastreadores europeus acharam duas
obras em coleções particulares de
Porto Alegre e São Paulo: uma de Pablo Picasso, outra de Claude Monet.
(Uma das famílias que haviam comprado as peças era judia.) Nos dois casos as obras foram colocadas à disposição da comunidade israelita, sem litígio.
Há alguns anos o rabino Sobel disse que acreditava na existência de outras obras roubadas aos judeus em
museus e coleções brasileiras. Fischer não se limitou a comprar aos
alemães peças modernistas do que
em 1939 chamavam de "arte degenerada". Em 1941, no auge da guerra,
negociava com um intermediário do
hierarca alemão Hermann Goering.
Desmascarado depois do fim da
guerra, mandou uma parte de seu
acervo para o agente que operava no
Rio.
Na saída do Metropolitan, a caminho do retrato de Adele, a Trilha Paulo Francis dá direito a uma olhada para as janelas do 15º andar do edifício
da 1.040 da 5ª Avenida. Dali, Jacqueline Kennedy contemplava o Central
Park.
O retrato de Adele está na página da Neue Galerie, infelizmente
com texto em inglês ou alemão:
http://www.neuegalerie.org
Aviso amigo
A atitude de confronto com o
Tribunal Superior Eleitoral vocalizada pelo comissário Tarso
Genro é um sinal relevante para quem se indaga o que poderá
ser o segundo mandato de Lula.
Muita gente acha que "partir
para cima" é o caminho certo.
Tudo bem. O problema fica
com aqueles que não pensam
assim e, depois, dirão que não
sabiam.
China distante
Nosso Guia gosta de tocar a
charanga da política externa
para o público. Quando fala
longe dos microfones, a conversa é outra. O escritor Carlos
Alberto Montaner revelou que
ele se queixou ao chanceler da
União Européia, Javier Solana,
do descaso chinês diante da sua
proposta de formação de um eixo estratégico Pequim-Brasília.
Durante a parolagem com os
chineses, Lula disse que estava
"mudando o mapa geopolítico
do mundo". Fez isso numa conversa a bordo de seu avião, em
2004.
Natasha agradece
Madame Natasha está feliz.
Passou por uma reunião do
Conselho Nacional de Justiça e
verificou que quase todos os
doutores tratam-se por "você"
durante as reuniões plenárias.
Se o andar de cima da burocracia nacional se livrar da bajulação autocongratulatória
dos tratamentos cerimoniais,
muita gente viverá melhor.
Será que alguma pessoa chamada de "Vossa Excelência"
acredita que é excelente? Há algum reitor de universidade
(Vossa Magnificência) que se
julga magnífico?
O "você" ou mesmo o "senhor" são uma forma de tratamento mais republicana, mas o
PT desmoralizou essa expre$$ão.
A VOZ DOS PROFETAS DO SERTÃO
Saiu um documento valioso. É o livro "Profetas da Chuva", da professora Karla Martins (editado pela Tempo d'Imagem, de Fortaleza).
Junta dez depoimentos da
espécie em extinção dos sertanejos que se julgam (e são
julgados) detentores da capacidade de prever se haverá seca ou chuva no Ceará. Os profetas são figuras do povo: Paroara, Chico Mariano, Jacaré
ou Joaquim Muqueca. Ganharam notoriedade quando
passaram a se reunir anualmente em Quixadá, com o
respeito de órgãos técnicos
do governo do Estado.
É bom lembrar que em
1984 todos os institutos de
meteorologia previam mais
um ano de seca. Seria o quarto, um desastre. Choveu no
dia de São José. Em 1998 a
ciência ensinava que haveria
seca. Os profetas disseram
que choveria. Choveu.
Os dez sertanejos não se
apresentam como adivinhos.
São observadores: se as formigas se assanham, o mandacaru floresce ou o periquito
fura o cupim, vem chuva.
Mesmo assim, Chico Leiteiro
ensina: "Meu amigo, ver é
uma coisa, conhecer é outra".
Os depoimentos dos profetas,
cuja idade média está em 71
anos, retratam um pedaço da
cultura do sertão. Gente sofrida, hierática, religiosa e familiar. Há neles até uma certa
monotonia, mas nenhum folclore. O trabalho, bem ilustrado com fotografias de Tiago Santana, vem com um CD
de falas proféticas e alguns
artigos de professores.
Em ano eleitoral, não custa
ouvir o profeta Jacaré: "O governo é bom, tem recurso pro
sertão, falta é dar uma chega
que deixar de dar tanta coisa
ao povo, tem que dar emprego, serviço, pelo menos. Ó, esse Fome Zero não era pra ser
desse jeito. (...) Hoje tudo é
dado e o povo não tem nada".
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