São Paulo, domingo, 25 de junho de 2006

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ELIO GASPARI

Adele vai para a Trilha Paulo Francis


O retrato pintado por Gustav Klimt e confiscado pelos nazistas tornou-se a tela mais cara do mundo

BOA NOTÍCIA: ao preço de US$ 135 milhões, o retrato de Adele Bloch-Bauer, pintado por Gustav Klimt em 1907 e confiscado pelos nazistas em 1938, vai para a Trilha Paulo Francis, em Nova York. Ela começa no restaurante Bravo Gianni (rua 63, entre a 3ª e a 2ª Avenida), onde o jornalista costumava almoçar. Daí segue para a Coleção Frick (5ª Avenida com rua 70). Francis parava ali por três razões, não necessariamente nesta ordem: rever o auto-retrato de Rembrandt, ir ao banheiro (um luxo) e usufruir a agradável temperatura da galeria. O Museu Metropolitan (5ª com com rua 82) era o pouso seguinte, num percurso que acabava na sala da Princesa de Broglie, de Ingres, e da Condessa de Altamira, de Goya. A partir de 13 de julho, Adele Bloch-Bauer estará do outro lado da rua, na esquina da 86, num pequeno museu criado pelo milionário Ronald Lauder, o dos cosméticos.
Adele era mulher do magnata austríaco Ferdinand Bloch-Bauer. Ela morreu em 1925, aos 43 anos. Ele, em 1945, na Suíça, sem um centavo. Os nazistas lhe haviam roubado as refinarias de açúcar, o palacete de Viena, um castelo em Praga e toda a magnífica coleção de arte. O delírio dourado de Klimt, retratando uma mulher que não era particularmente bonita, foi para o Museu do Estado da Áustria. Durante 60 anos os sucessivos governos austríacos escreveram uma página lastimável, recusando-se a devolver o butim. Seguiram uma política que penalizou judeus saqueados pelos nazistas. Esconderam documentos, fizeram-se de bobos e só cederam porque na outra ponta esteve uma sobrinha de Adele, mulher obstinada, que se tornara cidadã americana. Brigou em todas as instâncias, até na Suprema Corte dos Estados Unidos. É o caso de se pensar se o governo da Áustria teria devolvido o quadro a uma cidadã búlgara. Aos 92 anos, Maria dividirá com alguns parentes a maior quantia já paga por um quadro.
Faz bem à alma saber que em Pindorama o governo (FFHH) ajudou os judeus a recuperar obras de arte que vieram para cá. Algumas chegaram na primeira metade do século passado, pelas mãos do representante do marchand suíço Theodore Fischer. Ajudados pelo rabino Henry Sobel, rastreadores europeus acharam duas obras em coleções particulares de Porto Alegre e São Paulo: uma de Pablo Picasso, outra de Claude Monet. (Uma das famílias que haviam comprado as peças era judia.) Nos dois casos as obras foram colocadas à disposição da comunidade israelita, sem litígio.
Há alguns anos o rabino Sobel disse que acreditava na existência de outras obras roubadas aos judeus em museus e coleções brasileiras. Fischer não se limitou a comprar aos alemães peças modernistas do que em 1939 chamavam de "arte degenerada". Em 1941, no auge da guerra, negociava com um intermediário do hierarca alemão Hermann Goering. Desmascarado depois do fim da guerra, mandou uma parte de seu acervo para o agente que operava no Rio.
Na saída do Metropolitan, a caminho do retrato de Adele, a Trilha Paulo Francis dá direito a uma olhada para as janelas do 15º andar do edifício da 1.040 da 5ª Avenida. Dali, Jacqueline Kennedy contemplava o Central Park.
  O retrato de Adele está na página da Neue Galerie, infelizmente com texto em inglês ou alemão: http://www.neuegalerie.org

Aviso amigo
A atitude de confronto com o Tribunal Superior Eleitoral vocalizada pelo comissário Tarso Genro é um sinal relevante para quem se indaga o que poderá ser o segundo mandato de Lula.
Muita gente acha que "partir para cima" é o caminho certo. Tudo bem. O problema fica com aqueles que não pensam assim e, depois, dirão que não sabiam.

China distante
Nosso Guia gosta de tocar a charanga da política externa para o público. Quando fala longe dos microfones, a conversa é outra. O escritor Carlos Alberto Montaner revelou que ele se queixou ao chanceler da União Européia, Javier Solana, do descaso chinês diante da sua proposta de formação de um eixo estratégico Pequim-Brasília.
Durante a parolagem com os chineses, Lula disse que estava "mudando o mapa geopolítico do mundo". Fez isso numa conversa a bordo de seu avião, em 2004.

Natasha agradece
Madame Natasha está feliz. Passou por uma reunião do Conselho Nacional de Justiça e verificou que quase todos os doutores tratam-se por "você" durante as reuniões plenárias.
Se o andar de cima da burocracia nacional se livrar da bajulação autocongratulatória dos tratamentos cerimoniais, muita gente viverá melhor.
Será que alguma pessoa chamada de "Vossa Excelência" acredita que é excelente? Há algum reitor de universidade (Vossa Magnificência) que se julga magnífico?
O "você" ou mesmo o "senhor" são uma forma de tratamento mais republicana, mas o PT desmoralizou essa expre$$ão.

A VOZ DOS PROFETAS DO SERTÃO

Saiu um documento valioso. É o livro "Profetas da Chuva", da professora Karla Martins (editado pela Tempo d'Imagem, de Fortaleza).
Junta dez depoimentos da espécie em extinção dos sertanejos que se julgam (e são julgados) detentores da capacidade de prever se haverá seca ou chuva no Ceará. Os profetas são figuras do povo: Paroara, Chico Mariano, Jacaré ou Joaquim Muqueca. Ganharam notoriedade quando passaram a se reunir anualmente em Quixadá, com o respeito de órgãos técnicos do governo do Estado.
É bom lembrar que em 1984 todos os institutos de meteorologia previam mais um ano de seca. Seria o quarto, um desastre. Choveu no dia de São José. Em 1998 a ciência ensinava que haveria seca. Os profetas disseram que choveria. Choveu.
Os dez sertanejos não se apresentam como adivinhos. São observadores: se as formigas se assanham, o mandacaru floresce ou o periquito fura o cupim, vem chuva. Mesmo assim, Chico Leiteiro ensina: "Meu amigo, ver é uma coisa, conhecer é outra". Os depoimentos dos profetas, cuja idade média está em 71 anos, retratam um pedaço da cultura do sertão. Gente sofrida, hierática, religiosa e familiar. Há neles até uma certa monotonia, mas nenhum folclore. O trabalho, bem ilustrado com fotografias de Tiago Santana, vem com um CD de falas proféticas e alguns artigos de professores.
Em ano eleitoral, não custa ouvir o profeta Jacaré: "O governo é bom, tem recurso pro sertão, falta é dar uma chega que deixar de dar tanta coisa ao povo, tem que dar emprego, serviço, pelo menos. Ó, esse Fome Zero não era pra ser desse jeito. (...) Hoje tudo é dado e o povo não tem nada".


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