São Paulo, quarta-feira, 25 de julho de 2001

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ELIO GASPARI

"Vendeste o carro para comprar gasolina"

Não se pode dizer que Noel Rosa tenha sido um dos três Reis Magos, mas em 1931, quando nasceu uma criança no Rio de Janeiro, ele gravou pela primeira vez a marcha "Palpite", na qual dizia: "Vendeste o carro para comprar gasolina".
O menino de 1931 chamou-se Fernando Henrique Cardoso. Quando cresceu, fez o populismo cambial, vendeu o patrimônio da Viúva e anunciou que o mundo estava diante de um novo período de esplendor, semelhante ao Renascimento. Feito tudo isso, reelegeu-se. Paga a gasolina, viu que estava sem carro e acabou no FMI. Aceitou (por crença, não por imposição) as condições que lhe foram dadas e que por cá se denominaram "lição de casa".
Sua ekipekonômica fez tudo direito. Produziu 11 trimestres de superávit primário, pagou religiosamente tudo o que devia. Tungou a aposentadoria por tempo de serviço dos trabalhadores, arrochou os salários do funcionalismo. Fez tudo certo e deu tudo errado.
Presidiu dois anos de contração do PIB per capita, está com uma taxa de desemprego estimada em 7% para este ano (contra 5,1% quando Itamar Franco entregou-lhe a quitanda). Terminará seus oito anos de consulado com uma das mais medíocres médias de crescimento da economia. Sua ekipekonômica diz que isso, apesar de parecer errado, é o certo, pois o esforço destina-se, desde 1995, a criar aquilo que chamam de "desenvolvimento sustentado".
Tudo o que é sustentado não precisa de alguém que o sustente, mas os sábios da economia nacional estão de novo em Washington, pedindo ao FMI que lhes dê sustentação. Se Luiz Felipe Scolari disser que a derrota para Honduras foi um êxito, apanha na rua. Os sábios da ekipekonômica vão ao FMI pedir algo como US$ 20 bilhões em nome da correção de suas idéias e do brilho do seu desempenho. Felizmente, a taxa de empulhação infiltrada no futebol jamais será um centésimo daquela administrada pelos economistas de várzea.
Tendo vendido o carro para comprar gasolina, FFHH potencializou a vulnerabilidade da economia nacional. O tranco de 1997 foi coisa da Ásia, o de 1998, da Rússia, e agora é a vez da Argentina. É verdade que o mundo passa por um período de instantaneidade das operações financeiras, mas não deixa de ser curioso que nos últimos cem anos a Argentina tenha quebrado umas vinte vezes, sem jamais ter levado o Brasil junto.
O filósofo húngaro Georg Lukács tinha uma explicação quase excêntrica para o que supunha ter sido o erro de Josef Stálin ao assinar o pacto de não agressão nazi-soviético com Adolf Hitler. Segundo ele, Stálin não errou por tê-lo assinado, mas por ter acreditado nele. (Em 1941, as tropas de Hitler entraram na URSS como uma faca entra na manteiga.)
O erro de FFHH não foi ter colocado o Brasil no caminho da globalização, do Renascimento e do "dever de casa". Foi ter acreditado que esse negócio funcionaria.
Agora, com menos de dois anos de governo à disposição, restam-lhe poucas mágicas. Poucas e piores. A última é transformar o pedido de sustentação feito ao FMI como uma prova do seu compromisso com o desenvolvimento. É um novo tipo de vaidade: o êxito do fracasso.
O personagem da marcha de Noel ficou sem o carro e sem a gasolina. O "desenvolvimento sustentado" de FFHH não desenvolveu coisa alguma e, como se vê, nem sequer se sustenta.



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