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ELIO GASPARI
"Vendeste o carro para comprar gasolina"
Não se pode dizer que Noel
Rosa tenha sido um dos três
Reis Magos, mas em 1931, quando nasceu uma criança no Rio
de Janeiro, ele gravou pela primeira vez a marcha "Palpite",
na qual dizia: "Vendeste o carro
para comprar gasolina".
O menino de 1931 chamou-se
Fernando Henrique Cardoso.
Quando cresceu, fez o populismo cambial, vendeu o patrimônio da Viúva e anunciou que o
mundo estava diante de um novo período de esplendor, semelhante ao Renascimento. Feito
tudo isso, reelegeu-se. Paga a
gasolina, viu que estava sem
carro e acabou no FMI. Aceitou
(por crença, não por imposição)
as condições que lhe foram dadas e que por cá se denominaram "lição de casa".
Sua ekipekonômica fez tudo
direito. Produziu 11 trimestres
de superávit primário, pagou religiosamente tudo o que devia.
Tungou a aposentadoria por
tempo de serviço dos trabalhadores, arrochou os salários do
funcionalismo. Fez tudo certo e
deu tudo errado.
Presidiu dois anos de contração do PIB per capita, está com
uma taxa de desemprego estimada em 7% para este ano
(contra 5,1% quando Itamar
Franco entregou-lhe a quitanda). Terminará seus oito anos
de consulado com uma das mais
medíocres médias de crescimento da economia. Sua ekipekonômica diz que isso, apesar de parecer errado, é o certo, pois o esforço destina-se, desde 1995, a
criar aquilo que chamam de
"desenvolvimento sustentado".
Tudo o que é sustentado não
precisa de alguém que o sustente, mas os sábios da economia
nacional estão de novo em Washington, pedindo ao FMI que
lhes dê sustentação. Se Luiz Felipe Scolari disser que a derrota
para Honduras foi um êxito,
apanha na rua. Os sábios da
ekipekonômica vão ao FMI pedir algo como US$ 20 bilhões em
nome da correção de suas idéias
e do brilho do seu desempenho.
Felizmente, a taxa de empulhação infiltrada no futebol jamais
será um centésimo daquela administrada pelos economistas
de várzea.
Tendo vendido o carro para
comprar gasolina, FFHH potencializou a vulnerabilidade da
economia nacional. O tranco de
1997 foi coisa da Ásia, o de 1998,
da Rússia, e agora é a vez da Argentina. É verdade que o mundo passa por um período de instantaneidade das operações financeiras, mas não deixa de ser
curioso que nos últimos cem
anos a Argentina tenha quebrado umas vinte vezes, sem jamais
ter levado o Brasil junto.
O filósofo húngaro Georg Lukács tinha uma explicação quase excêntrica para o que supunha ter sido o erro de Josef Stálin
ao assinar o pacto de não agressão nazi-soviético com Adolf Hitler. Segundo ele, Stálin não errou por tê-lo assinado, mas por
ter acreditado nele. (Em 1941, as
tropas de Hitler entraram na
URSS como uma faca entra na
manteiga.)
O erro de FFHH não foi ter colocado o Brasil no caminho da
globalização, do Renascimento
e do "dever de casa". Foi ter
acreditado que esse negócio funcionaria.
Agora, com menos de dois
anos de governo à disposição,
restam-lhe poucas mágicas.
Poucas e piores. A última é
transformar o pedido de sustentação feito ao FMI como uma
prova do seu compromisso com
o desenvolvimento. É um novo
tipo de vaidade: o êxito do fracasso.
O personagem da marcha de
Noel ficou sem o carro e sem a
gasolina. O "desenvolvimento
sustentado" de FFHH não desenvolveu coisa alguma e, como
se vê, nem sequer se sustenta.
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