São Paulo, segunda-feira, 25 de julho de 2005

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ENTREVISTA

Partido pode se recuperar da crise, diz especialista

IURI DANTAS
DE WASHINGTON

Depois de estudar por anos um dos maiores partidos da América Latina, a historiadora Wendy Hunter, 45, professora do Departamento de Governo da Universidade do Texas (EUA), escolhe o silêncio para responder se acredita na sobrevivência do PT depois de tantas suspeitas de corrupção.
Depois de refletir, ela aposta que o partido ultrapassará as dificuldades, mas diz que talvez seja o caso de desistir das eleições presidenciais do ano que vem.
Autora de "Reduzindo a Influência Militar no Brasil: Políticos contra Soldados", Hunter foi surpreendida pelas denúncias do "mensalão" durante a elaboração de um livro sobre o PT, e decidiu escrever um novo capítulo contando o caso.
PhD em ciência política pela Universidade de Berkeley (Califórnia), ela atribui parte da crise ao sistema político brasileiro, lamenta a falta de aliança entre PT e PSDB e classifica de "depressivo e desapontador" o impacto das suspeitas na democracia do país. Leia abaixo trechos da entrevista por telefone e e-mail na sexta-feira:

Folha - Qual foi a sua reação ao saber das suspeitas contra o PT?
Wendy Hunter -
Fiquei realmente surpresa pelo alcance e extensão das denúncias, e também porque o PT criou uma reputação de ser um dos partidos mais éticos da política brasileira. Mas, por outro lado, não foi tão chocante. O PT possui menos de 20% das cadeiras no Congresso e precisa da maioria para aprovar as leis. O problema foi ter adotado as práticas de buscar apoio por recompensas materiais. Isso provocou uma mudança no perfil do PT.

Folha - Que mudança foi essa, exatamente?
Hunter -
O PT está mais parecido com qualquer outro partido no Brasil. No governo, não fez nada diferente para implementar uma melhor distribuição de renda, por exemplo. E agora as acusações de corrupção fizeram o partido perder o que o tornava diferente.

Folha - A corrupção é uma questão do sistema?
Hunter -
A menos que seja feito algum tipo de reforma política, o problema tende a continuar. O sistema partidário é fragmentado e as alianças mais importantes não são ideológicas, mas com base na necessidade política, e os presidentes precisam construir coalizões. O ideal seria implementar uma reforma política, mas não acredito que haverá tempo de o governo aprovar isso até o final do mandato do presidente Lula.

Folha - Há a necessidade de alianças, mas não de "mensalão".
Hunter -
Certamente. Uma das alternativas seria distribuir mais posições no ministério a outros partidos. Mas então haveria críticas de conseguir apoio com base na distribuições de cargos. A outra alternativa seria uma aliança entre o PSDB e o PT. É uma tragédia que isso não tenha acontecido. Os dois partidos têm visões muito semelhantes em muitos aspectos. Mas isso foi enterrado em 1994.

Folha - Como o partido deve agir em relação ao governo?
Hunter -
Um dos cenários possíveis é o PT fortalecer sua presença no governo e Lula auxiliar a recuperação do partido. Lula também precisa do apoio do PT, senão vai precisar ainda mais do apoio de partidos de centro-direita.

Folha - O partido sobrevive depois dessas suspeitas?
Hunter -
(Silêncio) Essa é uma pergunta muito difícil. (Silêncio) O partido enfrentou muitas batalhas antes, e, no final, muitos de seus filiados mostraram solidariedade com o partido, mesmo quando tinham diferenças de opinião sobre a direção a ser seguida. E ainda se pode argumentar que é um dos partidos políticos mais fortes em termos de organização. Se algum partido pode sobreviver, provavelmente é o PT.
O que pode ajudar? Voltar ao tempo de sua estratégia de longo prazo, com sacrifício no curto prazo. O PT levou 20 anos para construir a imagem de partido de oposição. Poderia ter moderado o discurso já em 1994, mas manteve o curso e se estabeleceu como alternativa. Uma estratégia de longo prazo que não buscou sempre o poder imediato. Talvez seja tempo de olhar para as lições do passado, dar um passo atrás e se reorientar, ainda que isso signifique abandonar a disputa [presidencial] em 2006. Seria a melhor opção, mas é muito improvável.

Folha - O PT foi eleito com um discurso de mudança e, pela primeira vez, a esquerda chegou ao poder no Brasil. Qual o impacto das denúncias para a democracia no país?
Hunter -
É muito depressivo e desapontador.

Folha - Como a senhora descreve o PT como partido hoje?
Hunter -
Depois de chegar ao governo, tornou-se mais pragmático, menos idealista e um partido maduro.


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