São Paulo, Quarta-feira, 25 de Agosto de 1999
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JANIO DE FREITAS
À procura de estilhaços

O governo brasileiro comete perigosa imprudência ao admitir, como fez ao emissário americano general Barry McCaffrey, tentar o papel de mediador na crise colombiana, por sugestão do governo dos Estados Unidos.
Mediador, em qualquer caso, só pode ter possibilidade de eficácia se escolhido pelas partes opostas. Apenas uma iniciativa das guerrilhas e do governo colombianos deveria ser examinada pelo Brasil. Já por um dever de respeito diplomático e, ainda, pela conveniência de não trazer para o Brasil estilhaços problemáticos de um drama exterior.
O governo da Colômbia vive um estado de sujeição disfarçada aos Estados Unidos, e isso torna ainda mais impróprios, considerada a possível eficácia de uma intermediação, o papel americano de convidante e a aceitação em princípio do Brasil. As guerrilhas sabem que seu principal inimigo não é mais o governo colombiano, mas os militares americanos, e jamais negociarão a sério com um mediador indicado por eles.
A terrível encrenca colombiana chegou a um ponto em que o entendimento dos opostos é quase possível, se esse entendimento pretender preservar a unidade territorial do país. A dificuldade de mediação começa em que há, com diferentes objetivos, a guerrilha política e várias guerrilhas ligadas a produção e tráfico da cocaína. Mais do que isso, a entrega às guerrilhas, feita pelo atual presidente Andrés Pastrana, do controle administrativo de metade do território nacional revela-se, agora, um obstáculo a mais para qualquer acordo. Com tamanha vitória reconhecida pelo governo, as guerrilhas só poderiam ambicionar ainda maiores conquistas, sem se interessar, para valer, por acordo de paz.
A formalização da partilha territorial, como item de um acordo, ofereceria aos Estados Unidos a melhor perspectiva estratégica. Embora isso não seja divulgado com sonoridade, levas de soldados americanos estão descendo na Colômbia. Há poucas semanas, foram mais mil fuzileiros navais. Mas entrar em guerra franca no território colombiano teria alto custo político para os Estados Unidos. Ao passo que um território a parte, um país possuído por guerrilheiros e narcotraficantes, seria um convite para mais uma ação de benemerência dos fuzileiros pela civilização ocidental e cristã.
Sejam esses ou outros os desdobramentos da crise colombiana, o dever do governo brasileiro é evitar todo comprometimento que possa lançar, em território do Brasil, estilhaços do confronto. Por mais que essa posição contrarie a linha representada pelo general Alberto Cardoso, chefe do Gabinete Militar da Presidência, e a comprovação de que o governo americano já conseguiu o que tanto tentara em vão: envolver os militares brasileiros no problema do tráfico de drogas
O governo já criou ao país, e tem pela frente, bastante complicação. Não há motivo para buscar também no exterior. Tanto mais que isso, se for feito, não o será pelo interesse nacional.


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