|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ELIO GASPARI
Sem-rumo não mordem;
quem morde é o com-rumo
Seria uma beleza se a marcha de
amanhã entrasse na Esplanada
dos Ministérios distribuindo flores
e ramos silvestres colhidos nas
margens das estradas dos sem-rumo. O governo anda preocupado
com a manifestação. Foi assim em
1997, quando os sem-terra entraram no Plano Piloto numa bonita
manhã de abril.
Não aconteceu nada. O povo
brasileiro não morde.
Se FFH olhar bem, não são as
pessoas que chegam a Brasília a
pé, sem rumo, que ameaçam seu
governo e a bolsa da Viúva. São os
que chegam de avião, com rumo.
O jatinho que pousou na tarde do
dia 13 de janeiro passado, trazendo o banqueiro Salvatore Cacciola
e um amigo do presidente do Banco Central, causou ao país mais
danos que qualquer marcha. Causou ao governo mais desgaste que
todas as manifestações da patuléia.
Na marcha de 1997, podia-se
aprender que são necessários dez
quilos de carne e 20 de arroz para
a receita de um razoável cozido
para cem colheres. Naquele mesmo dia, o embaixador Roberto
Campos completava 80 anos no
Copacabana Palace. Lá, podia-se
aprender que, num bom jantar
(magnífico filé), uma mesa bem
posta tem sete talheres e cinco copos para cada convidado. Ainda
assim, pode ser mais difícil conseguir água do que champanhe.
FHH governa um país duplamente injusto. Nele falta água no
andar de cima e champanhe no de
baixo. Pode esquecer a marcha.
Deve ver como o seu governo provê
a abundância de uma e a falta de
outra. Ele deve aos repórteres Elvira Lobato e David Friedlander a
revelação de que, na Secretaria da
Receita Federal, o doutor Everardo Maciel distribui as mercadorias apreendidas pelo governo de
acordo com os costumes dos emirados do Golfo Pérsico.
Com o dinheiro da Viúva, Maciel dirige a máquina de arrecadação do Estado. Apreende mercadorias contrabandeadas e, como
se viu, distribui aquilo que bem
entende a quem pede. Pelos registros de sua bondade, tem uma
queda pelos pedidos de parlamentares governistas. Deu 5.000 pares
de tênis ao povo de Uberlândia,
por intermédio do nobre deputado
Odelmo Leão, líder do PPB na Câmara. Em Monte Carmelo, a escumalha, agradecida, recebeu 8.000
agasalhos com a seguinte faixa:
"Os moradores agradecem ao prefeito dr. Saulo (Saulo Faleiro,
PSDB) e ao deputado Odelmo pelos agasalhos". Santa choldra. Paga o salário do doutor Maciel, que
lhe toma impostos, o do deputado,
que é amigo do governo, e o do
doutor Saulo, que é amigo do bom
Odelmo. Gasta esse dinheiro todo
e, quando descola um abrigo,
agradece.
Coisas desse tipo são feitas sempre em nome de alguma racionalidade. Seja ela qual for, o secretário
da Receita Federal produziu o melhor momento da política social do
governo de FFH. Lobato e Friedlander mostraram que houve um
dia em que chegou à cidade de
Presidente Bernardes, em São
Paulo, um carro Mercedes-Benz,
1985, novo. Veio da bondosa Receita, para socorrer um município
que não tem meninos de rua ou
favela. Tem desempregados. Foi
amparar a obra social de um prefeito recém-chegado ao tucanato,
saído do PT. Ele não a usa, porque,
por mais bobos que haja em Brasília, nenhum prefeito é maluco a
ponto de circular pela cidade numa Mercedes. Vai rifá-la e espera
arrecadar R$ 45 mil.
O que há de exemplar na Mercedes da Receita é a gestão oriental
da coisa pública. Pela norma, os
bens do Estado são mandados a
quem o secretário da Receita bem
entende. A única diferença entre o
que faz o doutor Everardo e o que
sempre fizeram os emires do Golfo
está no registro burocrático dos
mimos. Cada lote presenteado pela Receita é documentado e entregue contra recibo. O emir de Omã
não se dá a esse trabalho, assim
como a Receita não se dá ao trabalho de divulgar, claramente,
quais são os seus critérios e quais
são os beneficiários de sua munificência. Nem ao zelo de evitar que
o povo de Monte Carmelo pense
ser necessário agradecer ao doutor
Odelmo.
FFH chama de "sem-rumo" às
pessoas que chegarão amanhã a
Brasília. Nada mais certo. Se tivessem rumo, não estariam na marcha. Imagine-se por um momento
que Claudionor Teston, neto de
um veterano alemão da Grande
Guerra, tivesse chegado a Brasília
na marcha de 1997 com um rumo
diferente daquele que seguiu, com
seus companheiros do assentamento da fazenda Congonhas, em
Abelardo Luz (SC). Em vez de dobrar o eixão à esquerda, descendo
a Esplanada dos Ministérios, Teston entraria naquele prédio negro,
horrível, de vidro preto. Iria ao gabinete do presidente do Banco
Central e pediria algo parecido
com o que o doutor Cacciola viria
a pedir. Poderia ser remetido ao
Banco do Brasil, faria uma dívida
(grande) e nesta semana não estaria na marcha dos sem-rumo. Estaria na dos ruralistas caloteiros,
gente de grosso rumo.
Os Testons desta vida são insuportáveis. Chegam a Brasília, não
sabem para onde ir e ficam gritando pela rua. Se soubessem onde fica a sala do doutor Everardo Maciel, poderiam pedir uma Mercedes-Benz.
Texto Anterior: Janio de Freitas: À procura de estilhaços Próximo Texto: Campo: Pronaf vai destinar R$ 2,5 mi para Alfabetização Solidária Índice
|