São Paulo, Segunda-feira, 25 de Outubro de 1999
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RIO
Cúpula do PT avalia que as acusações de fisiologismo forçam ruptura
Petistas decidem entregar seus cargos a Garotinho

CHICO SANTOS
da Sucursal do Rio

LETÍCIA KFURI
free-lance para a Folha

Militantes do PT decidiram ontem à noite que os membros do partido deverão entregar os cargos que ocupam no governo de Anthony Garotinho (PDT). A decisão foi tomada por aclamação na convenção regional.
Os petistas ocupam a vice-governadoria, com Benedita da Silva, e quatro secretarias: Planejamento (Jorge Bittar), Transportes (Raul de Bonni, indicado pelo líder da corrente Opção Popular), Ação Social, Esporte e Lazer (Antonio Pitanga) e Trabalho (Gilberto Palmares). Segundo o governo, o PT tem cerca de 200 cargos.
A decisão foi tomada depois de muita discussão. Por volta das 20h, delegados ligados à corrente Articulação (de Benedita e Bittar) decidiram deixar o plenário.
A corrente, favorável à permanência do PT no governo, queria que a votação sobre os cargos fosse secreta, alegando que o voto aberto constrangeria os militantes. Refazendo e Opção Popular, que defendiam a entrega dos cargos, queriam o voto aberto.
Com o impasse, os militantes da Articulação deixaram o plenário. Foi feita a contagem e constatado que havia quórum (mais de 471 dos 940 delegados). A proposta de entrega dos cargos foi aprovada.
"O que houve foi apenas uma indicação para que se coloquem os cargos à disposição, mas quem decide se aceita ou não é o governador", disse Jorge Bittar. "Essa interpretação é um casuísmo de Bené e Bittar", disse o deputado estadual Chico Alencar, um dos líderes da corrente Refazendo.
Durante o dia, a Articulação havia apresentado um texto criticando as declarações recentes de Garotinho sobre o PT. No texto, o grupo defendeu a permanência no governo, mas disse que "não admitirá que o governo se refira ao partido com desrespeito".

"Boquinha"
Na última sexta-feira, o governador disse que o PT deveria mudar o nome para "Partido da Boquinha", numa referência, segundo Garotinho, à frequente reivindicação por cargos no governo.
A direção nacional do PT considerou "inaceitáveis" as declarações de Garotinho. A avaliação da cúpula petista é que as afirmações podem levar a um rompimento da aliança dos partidos no Rio.
O fato de a acusação ter sido feita às vésperas da convenção do PT, que discutiria a eventual saída do partido do governo, seria um sinal de que Garotinho, na verdade, quer o rompimento.
O governador cancelou os compromissos ontem à tarde. Segundo sua assessoria, ele estava muito cansado após o culto realizado sábado em Brasília (leia texto abaixo) e de ter passado a manhã em inaugurações no interior. A Folha apurou que ele resolveu ficar no Palácio Laranjeiras, onde mora, para evitar falar sobre o caso.
No entanto, no sábado, em Brasília, Garotinho havia minimizado as críticas às suas declarações. Ele disse que não está "satisfeito" com a atuação do PT na aliança e que, se o partido decidir sair do governo, não haverá prejuízos.
"As portas do meu governo estão abertas para quem quiser sair. Nem tanto para os que querem entrar. Mas para os que queiram sair, podem sair. Ninguém pode obrigar ninguém a ficar no governo", afirmou Garotinho.
Ainda no sábado à noite, o presidente nacional do PT, deputado José Dirceu (SP), telefonou para Garotinho e disse que as críticas foram um "agravo" ao partido.
"Não liguei para fazer cobranças e sim para conversar sobre a reunião dos governadores, a aliança no Rio e também sobre suas declarações", contou.
A Folha apurou que, no telefonema, Dirceu falou que, se Garotinho tem queixas, que cite quem pratica o fisiologismo e não o partido. Ele insistiu em que Garotinho fizesse uma retratação mais ampla. O assunto deverá ser discutido nesta semana.
Ontem, Dirceu afirmou à Folha que, no dia seguinte às acusações, Garotinho explicou que, na verdade, falava de setores do PT e não do partido como um todo.
"Isso me basta. Quero dizer, no entanto, que repudio as acusações de que o PT seja fisiológico. O PT nunca ficou num governo por cargos, não faz parte da história do partido esse tipo de procedimento", declarou Dirceu.
O líder petista na Câmara, José Genoino (SP), um dos defensores das alianças do partido, disse ontem que "o PT não pode ficar em um governo a qualquer preço" e que "toda aliança tem limite".
"No pé em que chegou a relação entre o PT e o governador, é melhor deixar o Garotinho à vontade e preservar a unidade do partido no Rio. Essa situação não pode respingar no PT nacional", disse.
Para Genoino, "se a afirmação de Garotinho é verdadeira, o PT tem que tomar providências contra os petistas. Se não é, o governador não poderia ter dito aquilo, é inaceitável. A relação então fica deteriorada e o PT precisa mudar o relacionamento partindo até para um divórcio amigável".

Imaturidade
Desde o início da convenção, os líderes da Articulação no Rio se negavam a considerar a hipótese de afastamento do governo. "Seria uma imaturidade sair do governo na primeira rusga que aconteceu", disse Bittar.
Devido aos desentendimentos entre as diversas correntes petistas na convenção, Benedita da Silva chegou a chorar. "Meu Deus, eu não estou vendo isso. Que loucura é essa? Que revolucionários são esses?", dizia, em meio ao tumulto.
Pelo segundo dia consecutivo o clima ficou tenso durante a convenção. O presidente do diretório municipal do partido William Campos, da corrente Articulação acabou levando um tapa do representante da corrente Refazendo, Antonio Neiva.
As discussões na convenção foram acirradas devido à denúncia de dois integrantes da corrente Ação Popular, de que teriam recebido oferta de emprego na Fundação Leão 13 (administrada pelo Estado), com recebimento de R$ 400 reais mensais.
A oferta teria sido feita pelo assessor da Secretaria de Planejamento Ernani Coelho, da corrente Articulação, em troca de votos na convenção municipal. A denúncia será investigada pela comissão de ética do PT.


Colaboraram a Reportagem Local e a Sucursal de Brasília

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