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ENTREVISTA DA 2ª
Garotinho tem mais chances que Ciro, afirma cientista político
FERNANDO DE BARROS E SILVA
enviado especial a Caxambu (MG)
Ciro Gomes não passa hoje de
um factóide, o governador do
Rio, Anthony Garotinho, é um
nome com grandes chances de
ganhar a eleição presidencial em
2002, e Marta Suplicy, virtual candidata do PT à prefeitura de São
Paulo, seria um nome mais viável
eleitoralmente que o de Lula para
a Presidência. São "impressões"
do cientista político Wanderley
Guilherme dos Santos, autor de 13
livros, professor especial do Iuperj (Instituto Universitário de
Pesquisas do Rio de Janeiro) e
coordenador do Laboratório de
Estudos Experimentais da Universidade Cândido Mendes, no
Rio.
Wanderley Guilherme, como é
chamado, acaba de participar do
23º Encontro da Anpocs (Associação Nacional de Pesquisa e
Pós-graduação em Ciências Sociais), que terminou sábado em
Caxambu (sul de Minas Gerais).
Na entrevista que segue, realizada na sexta-feira, ele analisa a
"apatia" dos colegas que verificou
durante o encontro, diz que a geração de FHC está obsoleta intelectualmente e defende, atemorizado, que "a população brasileira
é absolutamente dispensável para
o capitalismo brasileiro", cujo dinamismo é garantido por uma
minoria ridícula em termos relativos, mas que em termos absolutos é do tamanho do mercado interno inglês.
Folha - Esperava-se dessa Anpocs, um encontro nacional de
cientistas sociais, onde estiveram reunidos representantes da
nata da intelectualidade brasileira, alguma discussão mais
acirrada sobre o governo FHC e
a conjuntura do país, como se
sabe nada boa. A sensação geral, porém, é a de que todos estão prostrados, ou anestesiados. Por outro lado, parece que
o conservadorismo e a defesa
de FHC se tornaram mais desinibidos. O que está acontecendo
com os intelectuais?
Wanderley Guilherme dos
Santos - A Anpocs refletiu o clima político do país todo. A população, particularmente o público
atento, interessado, me parece
mais apática do que contra. Eu tenho dúvida de que essas pesquisas de opinião sobre o governo estejam refletindo a realidade.
Tenho dúvida de que aquilo que
aparece como rejeição ao governo
seja isso mesmo. Acho que é porque não há no questionário a alternativa da indiferença. Essas
pesquisas, a meu ver, expressam
muito mais apatia e indiferença
do que objeção. É apenas uma
suspeita, e, se assim for, a Anpocs
está sintonizada com o clima do
país. Há falta de curiosidade para
saber o que está acontecendo,
quase nenhum dos meus colegas
busca o jornal. Em relação às discussões da Anpocs, em parte elas
foram afetadas por conta disso
que acabo de dizer, em parte por
conta da organização do evento.
Nunca houve um nível tão baixo de mesas discutindo política
da ordem do dia. A reunião está
muito mais acadêmica, no sentido convencional da palavra, do
que em outras oportunidades. Há
falta de mobilização, falta de envolvimento mais apaixonado, que
é necessário em política.
Folha - O governo tem responsabilidade sobre essa falta de
envolvimento dos intelectuais?
Wanderley Guilherme - Em
parte, essa desmobilização se deve ao sucesso excessivo e demasiado da política oficial, desde que
FHC era ministro da Fazenda, de
desqualificar, desmoralizar e levar ao silêncio qualquer movimento de oposição. Isso foi muito
bem-sucedido, com a cumplicidade dos meios de comunicação.
Depois de mais de quatro anos
dessa prática sistemática, isso
provoca um sentimento de impotência mesmo. Percebeu-se, depois de três ou quatro anos, que a
capacidade de afetar ou influir era
apenas residual. Exceto, é bom dizer, em relação ao MST, aí o governo presta atenção. O governo
exerceu o poder com tanta radicalidade pelas vias institucionais
que a novidade da oposição surgiu por vias extra-institucionais.
Folha - Como o sr. analisa a
atuação do MST?
Wanderley Guilherme - Eu
acho extremamente importante.
Cria uma novidade na estrutura
convencional de fazer política,
reintroduz uma taxa de incerteza
na política que é necessária para
que ela seja tolerante. Se não houver incerteza, não há tolerância. É
preciso haver incertezas quanto
aos resultados, aí você tem que
negociar, conversar, ouvir.
Folha - Falou-se muito nos últimos anos da existência de um
"pensamento único", isso se tornou quase uma ladainha. Faltam de fato alternativas ou falta
poder social para viabilizá-las
politicamente?
Wanderley Guilherme - Há um
problema de formulação de alternativas, sim, e não apenas à oposição brasileira, mas também para
o governo brasileiro e para os governos e as situações em qualquer
país democrático hoje. O governo
atual também não tem alternativa
ao que está fazendo. Como também não teria a oposição, qualquer uma, durante três ou quatro
anos. Esse é, portanto, um problema de qualquer governo, como
administrar um mundo do jeito
que está. Além disso, aconteceu
no Brasil um movimento inédito
de convencimento, de persuasão
de uma porcentagem bastante
significativa de quadros da academia que hoje deveria estar na
oposição, mas que está no poder.
Como se este governo estivesse
implementando as teses que eles
defendiam, o que não é verdade.
Houve uma mudança de percepção deles, algo aconteceu, mas
não foi a política que mudou.
Quando pessoas que eram consultadas para se saber qual era a
opinião da oposição se tornam
porta-vozes de políticas governamentais se é inclinado a acreditar
que há um pensamento único.
Folha - O cientista político José Luís Fiori, em entrevista recente à Folha, disse que a geração de pensadores a que pertence FHC acabou intelectualmente com o fracasso histórico
desse governo. Disse também
que FHC é vítima do que fez,
não do que deixou de fazer, e
que seu projeto de poder estaria esgotado. O sr. concorda
com cada uma dessas análises?
Wanderley Guilherme - Se não
existisse o governo FHC aconteceria a mesma coisa com essa intelectualidade? Eu diria que sim.
Essa geração está obsoleta, ela não
se modernizou, não se atualizou,
independentemente do fato de
FHC estar no governo. Não vejo
essas pessoas buscando se atualizar ou inovar em termos de pesquisa, conceito e reflexão. Estão
desatualizados nas ciências sociais e inteiramente superados.
Concordo, portanto, com o Fiori,
mas por outras razões.
Em relação ao governo FHC, o
que Fiori diz é parcialmente verdadeiro. Isso acontece com qualquer governo. Com Juscelino foi a
mesma coisa. Ele também foi vítima de seu próprio sucesso, estava
superado pelo país que criou. E isso por uma razão que qualquer
cientista social bem informado
sabe: os resultados de uma política que é implementada numa sociedade complexa vão muito
além daquilo que se imagina.
Nunca acontece só aquilo que se
quer que aconteça. Ninguém controla o sistema de causalidades
que opera na sociedade.
Folha - Mas em que o governo
FHC é bem-sucedido?
Wanderley Guilherme - Ainda
não terminamos o primeiro ano
do segundo mandato. Durante o
primeiro mandato, ele governou
como bem quis e exerceu esse poder com radicalidade. Ele não teve
derrotas. Collor teve derrotas.
FHC fez o que se propôs fazer, e
nesse sentido não acredito que ele
esteja superado por si mesmo.
Folha - Em que sentido a geração de FHC está desatualizada
intelectualmente? Quais são as
pesquisas de ponta ou mais interessantes nas ciências sociais
brasileiras, se é que existem?
Wanderley Guilherme - No último século e meio, o sistema de
causalidades que operava nas sociedades era mais ou menos conhecido. Sabia-se razoavelmente
bem como os partidos se criavam,
como funcionavam, como se tomavam decisões dentro dos Executivos, como funcionava a política, como o eleitorado decidia, como se formava a opinião política
etc. O funcionamento de uma democracia que não era de massa,
na verdade era um sistema representativo oligárquico, foi muito
bem mapeado. Nosso equívoco
começou por chamar de democracia representativa o que não
era senão uma representação oligárquica. A democracia não sabíamos como funcionava porque
não existia ainda. É coisa dos últimos 20, 30 anos.
Folha - Democracias de massa
são um fenômeno novo e ainda
desconhecido, é isso?
Wanderley Guilherme - Sim.
Vou dar um exemplo. Margareth
Tatcher, do ponto de vista da análise convencional, durante todo o
período em que foi reacionária,
antipopular, dura, a dama-de-ferro, durante esse período em que
dizimou os sindicatos e liderou o
desmonte de uma constelação de
poderes que tinha uma dinâmica
já conhecida e estudada, ela teve o
apoio daqueles que sofreram
muito com isso. Quando a Inglaterra começou a se recuperar,
quando passou a ter voz outra vez
na comunidade européia, enfim,
quando o país passou a colher os
frutos daquele governo, Tatcher
perdeu o apoio popular. Que fenômeno é esse? Não sabemos explicar. A anatomia da sociedade
contemporânea é distinta do que
era até há pouco. Continuamos a
chamar de fígado o que não é
mais fígado. Essa é a agenda das
ciências sociais contemporâneas,
para a qual não estamos prestando muita atenção.
Folha - O sr. está atribuindo ao
momento atual uma mutação
de larga escala, civilizacional.
Wanderley Guilherme - A mudança é enorme, estamos diante
de algo muito inédito. Nos habituamos a chamar de democráticos países que tinham apenas sistemas representativos. Estavam
excluídos dessa representação,
que chamo de oligárquica, uma
massa enorme, por barreiras de
cor, de idade, de renda, de gênero,
de estado civil, de religião. Ninguém participava, só os oligarcas,
e para eles o sistema era universal.
Na Inglaterra, por exemplo, só em
1918 os homens adultos adquirem
a universalidade do voto, que até
então tinha barreiras de renda; as
mulheres só passam a votar em
1923. Na Suíça, as mulheres só
passam a poder votar em 1971. Alguns intelectuais, como Samuel
Huntington, acham que estamos
vivendo a terceira onda democrática. Que terceira? Estamos começando a primeira ainda.
Folha - No caso brasileiro , a
universalização da democracia
precisa ser confrontada com
uma exclusão social que é a
maior do planeta. Como fica?
Wanderley Guilherme - É verdade. Há um Muro de Berlim inconsútil no Brasil. O meu temor é
o seguinte: nos países civilizados,
num determinado momento da
acumulação capitalista foi preciso
alargar o mercado para continuar
a haver essa acumulação. Isso significou salários mais altos, distribuição de renda, prestação de serviços etc. Pois bem, por alguns
cálculos que é possível fazer, e eu
mesmo já fiz, meio de brincadeira, hoje a população bem posta da
sociedade brasileira é uma minoria desprezível em relação à população do país, mas, do ponto de
vista absoluto, ela é do tamanho
do mercado interno inglês. O que
isso significa? Significa que, teoricamente, esse país pode ter um
imenso dinamismo econômico
com base estritamente na sua minoria relativa, que é o que esse governo está fazendo. Essa minoria
é um baita mercado. Meu temor é
que o país ingresse por esse caminho, do qual é muito difícil sair
depois. O povo brasileiro é absolutamente dispensável para o capitalismo brasileiro.
Folha - O sr. publicou em 1994
um livrinho polêmico, chamado
"Regresso - Máscaras Institucionais do Liberalismo Oligárquico", em que atacava o pendor
do tucanato pelas reformas institucionais, como se fosse possível resolver os problemas do
país a partir de uma reengenharia político-institucional com
baixa temperatura democrática,
sem muita participação social.
Os tucanos continuam esfriando
a política?
Wanderley Guilherme - É a versão contemporânea do udenismo. A UDN acreditava nessa reificação institucional. Sempre ignorou a dinâmica real da sociedade.
Isso está hoje no tucanismo, mas
também no PFL e em parte do PT.
Folha - Como o sr. está vendo
toda essa agitação em torno da
candidatura Ciro Gomes?
Wanderley Guilherme - Está
muito cedo para isso tudo. Por
enquanto, Ciro Gomes é um factóide, não corresponde a nada
criado dentro de uma dinâmica
política sólida. Achar que os partidos não existem no Brasil é uma
bobagem. Se não tiver partido,
não é eleito. Isso é assim desde
1945. O PPS não existe como estrutura partidária. Acreditar nisso
é mais ou menos como acreditar
que Jânio Quadros se elegeu em
1960 pelo PTN, quando foi eleito
pela UDN e pelo PSD, que estrangulou a candidatura do general
Lott. O Collor também não se elegeria pelo PRN se não tivesse o
PFL e o PMDB, que deu um golpe
no doutor Ulisses (Guimarães)
em 89. O Ciro Gomes tira voto do
PT, mas não acredito que chegue
ao segundo turno. Os conservadores brasileiros estão maduros,
não precisam apostar num candidato do tipo Jânio Quadros.
Folha - E Anthony Garotinho é
um nome forte para 2002?
Wanderley Guilherme - É muito mais provável uma candidatura desse tipo colar. Entre ele e Ciro, de longe Garotinho tem mais
chances. Ele está comendo o Brizola, já levou uma parte do PT, do
PMDB, não é brincadeira, não.
Ele tem estrutura, tem trajetória, é
um nome forte.
Folha - E o PT, tem alguma
chance em 2002?
Wanderley Guilherme - Acho
muito difícil o Lula passar dos 30
milhões de votos. Já a Marta Suplicy é outra coisa. Na última eleição presidencial, achei que a chapa Sepúlveda Pertence e Marta
Suplicy como vice tinha chance
de ganhar. O Sepúlveda não foi
candidato porque ficou esperando em casa para ser chamado, naquela postura de jurista. Se ele tivesse sido mais partidário talvez
tivesse emplacado. E a Marta,
acredito que ela incendeia este
país. O povão gosta de rico, não
tem muito jeito, não (risos).
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