São Paulo, Segunda-feira, 25 de Outubro de 1999
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RECEITA FEDERAL

Morada de políticos, hotel de Brasília alegava ser entidade filantrópica para não pagar impostos

Fiscalização autua Academia de Tênis

Sérgio Lima/Folha Imagem
Vista geral da Acadêmia de Tênis de Brasília, um dos hotéis mais luxuosos da capital federal, com 198 apartamentos e nove piscinas


DAVID FRIEDLANDER
da Reportagem Local

A segunda casa de muitos ministros, políticos e empresários que passam a semana dando expediente em Brasília está sendo acusada de tapear a Receita Federal para não pagar imposto.
O lugar chama-se Academia de Tênis de Brasília, é um dos hotéis mais luxuosos da cidade e seu nome já esteve tão identificado com o poder quanto a gravata Hermès do ex-presidente Fernando Collor de Mello.
Apesar do prestígio, a Academia caiu no pente-fino do Fisco e foi autuada em cerca de R$ 7 milhões pelos tributos que deixou de recolher entre 1992 e 1995. De acordo com a Receita, o hotel fingia ser uma entidade filantrópica sem fins lucrativos e assim escapava dos impostos.
Ou seja, em vez de ajudar a sociedade, anos de isenção tributária teriam beneficiado o dono do hotel, o médico e empresário José Farani, uma das pessoas mais influentes de Brasília. O Ministério Público Federal decidiu que nos próximos dias denunciará Farani por crime contra a ordem tributária. Farani diz que vai recorrer.
"Posso ter cometido algum erro, mas não soneguei. Não vou pagar uma multa desse tamanho", diz Farani. "Estão fazendo uma injustiça comigo e prejudicando as pessoas que eu ajudo."
Desde o ano passado o Ministério Público vem investigando entidades que usam a filantropia como disfarce para esconder os lucros do imposto de renda. Nessa situação, já foram pegas algumas universidades, escolas e hospitais particulares, mas até agora não havia surgido nada tão fora do comum quanto a Academia de Tênis, tanto pela qualidade do lugar quanto pela biografia do dono.
O hotel tem 198 apartamentos, 21 quadras de tênis, 9 piscinas e 5 dos melhores restaurantes da cidade. Seu centro de convenções é alugado para festas, congressos e encontros políticos. Como ponto de hospedagem e lazer, não existe nada tão completo em Brasília.
Amigo de militares, políticos e autoridades do governo, Farani é uma personalidade de destaque na sociedade brasiliense.
Ministros de quase todos os últimos governos moram ou moraram na Academia. Foi lá que a ex-ministra Zélia Cardoso de Mello e sua equipe fizeram o Plano Collor, em 1990.
Os ex-ministros Celso Lafer (Desenvolvimento), Luiz Carlos Bresser Pereira (Administração) e o ex-presidente do BC Gustavo Franco moraram lá enquanto serviram o governo. Os hóspedes da equipe atual são os ministros José Carlos Dias (Justiça), Raul Jungmann (Reforma Agrária) e Alcides Tápias (Desenvolvimento).

Autofilantropia
A lei permite que entidades filantrópicas deixem de pagar impostos e contribuições, desde que apliquem tudo que ganham na prestação de serviços gratuitos à sociedade. Pelo que se descobriu na contabilidade da Academia, a benemerência teria sido apenas desculpa para não pagar imposto.
O estatuto da Academia já foi modificado algumas vezes, mas no tempo em que o hotel foi investigado pela Receita, dizia que ela era uma entidade de caráter "filantrópico sem fins lucrativos".
O documento explica que sua finalidade é prestar atendimento "de forma gratuita aos necessitados" e cita 29 áreas em que isso deveria ocorrer, como: creche e pré-escola, cursos profissionalizantes, programa de combate às drogas, assistência jurídica ou prestação de serviços médicos ambulatoriais.
A pedido do Ministério Público, em 1996 a Receita começou a conferir as ações filantrópicas da Academia. Em vez de iniciativas voltadas para o combate às drogas, assistência jurídica ou serviço de análises clínicas, os agentes da Receita encontraram notas fiscais frias e indícios de que o maior beneficiado pela Academia era seu próprio dono.
De acordo com o relatório da Receita, a Academia teria pago despesas pessoais de Farani como contas de telefones celulares, despesas em restaurantes e obras numa pousada em Guarapari (balneário do Espírito Santo), que pertence ao empresário e não tem ligação com a Academia.
Na contabilidade do hotel havia um cheque da Academia para a Lisonda do Brasil, a empresa que executou as obras em Guarapari. "O investimento na pousada eu fiz com dinheiro próprio, não da Academia", diz Farani.
O único registro de assistencialismo na contabilidade oficial do hotel foi desqualificado. Numa conta chamada "despesas com habitação de famílias carentes", a Academia informa ter gasto cerca de R$ 900 mil, entre 1992 e 1995.
Os fiscais desconfiaram quando viram que ali estavam lançadas despesas com a compra de materiais nada populares como mármore, granito e madeiras nobres. Para tirar a dúvida, pediram uma avaliação a peritos da Caixa Econômica Federal.
Com base no laudo preparado pela Caixa, a Receita concluiu que o material comprado para "habitação de famílias carentes" foi usado na construção ou reforma das casas de Farani e dois de seus filhos, que ficam dentro da Academia, além de obras no próprio hotel.
"Isso é uma tremenda confusão", diz o médico. "A gente faz compras grandes e só depois decide onde usar o material".
A Academia de Tênis também é acusada de fazer distribuição disfarçada de lucros. Pela legislação, os administradores de entidades filantrópicas são proibidos de ter ganhos com a atividade. O terreno de 62 mil metros quadrados da Academia pertence a Farani e ele cobrava R$ 50 mil por mês pelo aluguel da área.
Além disso, tudo o que existe no terreno (apartamentos, piscinas, boate etc.), assim como tudo o que venha a ser construído, pertence, por contrato, a Farani. Para o Ministério Público, isso significa que o médico vem construindo um belo patrimônio pessoal, sem pagar impostos.
"Se a Academia alugasse o terreno de outro também pagaria. Por que não posso cobrar?", diz Farani. "E tudo o que se faz lá dentro é meu, como acontece em qualquer contrato de locação."
A investigação já mexeu com a Academia. Em 1998, Farani dividiu a entidade em duas empresas. Uma administra o hotel e a outra é um clube. As duas atividades agora pagam imposto. Farani foi autuado e será processado por deslizes que teria cometido antes dessa nova fase da Academia.


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