São Paulo, sexta-feira, 25 de outubro de 2002

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EXUBERÂNCIA ELEITORAL

O PT começa a assumir o governo

VINICIUS TORRES FREIRE

Deve-se ao PT a instável, suspeita e pequena calmaria no mercado financeiro dos últimos dois dias. Segundo a piada que corre, como o mercado passa o tempo inteiro a especular sobre a formação do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, os operadores financeiro ficaram com menos tempo de mandar o dólar à lua a fim de arrancar mais dinheiro do Banco Central (meu, seu, nosso).
Como cada nome que sobe na Bolsa de ministros parece apenas balão de ensaio, que logo cai com cheiro de breu queimado, cogita-se o seguinte a respeito do ministério do PT: a) O PT solta balões para testar a aceitação das figuras cotadas para os cargos; b) Não há balões de ensaio. É tudo fofoca de mercado e de jornalista. O comitê central do PT já sabe quem vai chamar e deixa nomes inventados circularem como cortina de fumaça; c) Ninguém, nem na cúpula do PT, sabe nada mesmo.
A julgar pela percepção de bons quadros do PT, até ontem pelo menos, ninguém sabe nada mesmo. De resto, um ou outro ministeriável que algum grupo julga mais certo é, numa conversa seguinte, logo desmoralizado por uma outra roda de petistas. Tais grupos ironizam uns aos outros e mais ainda as especulações da praça financeira e jornalística. Pior, como o governo está à mão, tais rodas e personagens petistas enviesam todas as informações a fim de fazer política para garantir seu lugar ao sol.
Uma unanimidade crescente no partido é Antônio Palocci, coordenador do programa do PT. Mas nem os petistas estão certos se a ascendência de Palocci se deve já a algum mandato mais poderoso concedido pelo comitê central de Lula ou se o prefeito licenciado de Ribeirão Preto teve mais é competência de impor sua liderança.
Palocci por ora é o ministro dos panos quentes no PT. Encarregou-se ou foi encarregado de dar todas as declarações tranquilizadoras e sensatas a respeito do futuro da administração da economia. Sublinhe-se que, embora nunca desimportante no PT, Palocci não era o titular da coordenação do programa do partido, cargo que assumiu com o assassinato de Celso Daniel.
Mas torna-se cada vez mais vivo o contraste entre a eminência do médico Palocci em assuntos econômicos e as atitudes de Guido Mantega, sempre citado como o principal assessor econômico de Lula, e do senador eleito e deputado federal Aloizio Mercadante, por anos uma espécie de líder do PT para assuntos de propaganda econômica no Congresso.
Não se sabe bem o que fazer de Mantega no PT. O assessor de Lula dá entrevistas à matroca e diz disparates, como aquele sobre o quanto o governo petista poderia economizar com gastos correntes. Não tinha credibilidade no mercado e entre os economistas de peso do país. Está queimando o resto de seu filme.
Mercadante submergiu. Continua a fazer o trabalho de pesquisa de recursos humanos e de relações públicas no mercado, recolhendo opiniões e nomes para o governo Lula. Deve ficar no Congresso, contra a sua vontade.
Mas a indefinição de nomes não tem impedido o PT de cada vez mais assumir o governo. Administra expectativas de mercado, articula a regulação do mercado financeiro, aceitando inclusive antigos pleitos dos bancos e do mercado de capitais. Acena com alguma institucionalização da autonomia do BC na política monetária. Dá como favas contadas o superávit fiscal que for necessário para conter o aumento da dívida pública. Revê sua antiga conversa sobre salário mínimo. O governo Lula começou.


VINICIUS TORRES FREIRE, editor de Dinheiro, escreve às sextas-feiras


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