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São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 2003

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Herdeira diz que não reivindica terra

DA AGÊNCIA FOLHA, NO PIAUÍ

O comerciante Manoel Rodrigues de Souza, tido como um dos maiores doadores de terras para são Francisco de Assis em Morro do Chapéu do Piauí, morreu em 1966, em um quarto de hotel, sem ter uma casa para morar.
Parte de sua família reside em Esperantina, a 18 km das glebas doadas ao santo. Apesar de viverem com simplicidade, todos afirmam que não vão reivindicar na Justiça o direito às propriedades.
Ninguém sabe ao certo quanta terra foi doada por Silva, que era conhecido por "Manduca". Moradores mais antigos da cidade, como Raimundo Nonato de Oliveira, 72, o guardião da igreja local, dizem que o comerciante doou cerca de 100 hectares.
Ninguém sabe quem ficou com o termo de doação, lavrado à mão por volta de 1930. Segundo a sobrinha de Manduca Maria do Socorro Souza, 73, criada por ele, a família não tem interesse no caso porque não quer contrariar o desejo do "pai", como ela chama o tio. Mas ela lembra que, quando ficou mais velha e tomou consciência do ato de Manduca, foi contra a doação: "O que é dado ninguém no mundo valoriza".
A neta do comerciante Deusmarina Alves de Souza, 52, concorda com Maria e diz que é favorável à venda dos terrenos aos moradores. Contudo, não aceita a versão da igreja, de que terras doadas a um santo pertencem sempre à instituição religiosa.
"Meu avô doou para são Francisco, não à paróquia, que nem existia na época", declarou. A paróquia de Nossa Senhora da Boa Esperança, de Esperantina, foi criada em 1948, mas assumiu legalmente a posse dos terrenos ao registrar em cartório o nome do santo associado ao dela.
Deusmarina lembra que Manduca decidiu doar suas terras a são Francisco, "e não à igreja", porque havia brigado com o padre Uchôa, já morto, do município de Barras de Guabiraba.
O pivô da discussão foi a construção da capela de são Francisco, em Morro do Chapéu do Piauí, pelo comerciante. Segundo a neta, o avô não aceitava as críticas do padre, que condenava a utilização de recursos particulares na obra. "Ele ficou chateado, doou as terras e foi com a família para Caxias, no Maranhão." Cerca de cinco anos depois, o grupo retornou ao Piauí, para a mesma região.
Foi nessa época que outros dois devotos de são Francisco, João da Costa Lima, e um homem lembrado hoje apenas como "José Mamão", seguiram o exemplo de Manduca e doaram terras para o santo, padroeiro da cidade.
Uma das filhas de Lima, Neuza Costa Aguiar, 65, ainda mora em Morro do Chapéu do Piauí. Ela se lembra que, ainda criança, ouviu o pai dizer que havia doado suas glebas a são Francisco. "Eu disse para ele: para que isso, meu pai?", conta Neuza: "Eu não aceitava". Hoje ela mora em uma casa simples à beira da rodovia PI-112 e vive com uma aposentadoria de R$ 200. Assim como a maioria dos habitantes, Neuza é contra a venda dos terrenos pela igreja aos moradores. "Aqui ninguém tem registro de propriedade porque a terra é de são Francisco", diz.


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