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São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 2003

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Fórum Social/Fórum Econômico
DIÁLOGO POSSÍVEL?


Durante encontro com economistas em Davos, presidente do BC reitera intenção de dar autonomia operacional à instituição

Superávit será superior a 4%, diz Meirelles

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS

O superávit fiscal primário (receitas menos despesas do governo, excluídos os juros) será neste ano superior a 4% do PIB (a produção econômica do país) e, portanto, acima da meta de 3,75% acertada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso com o Fundo Monetário Internacional.
O anúncio será feito na próxima semana, mas foi antecipado ontem aos dez mais renomados economistas que participam do encontro anual 2003 do Fórum Econômico Mundial e tomaram café da manhã com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e com o assessor internacional da Fazenda, Otaviano Canuto.
O número preciso não foi dito aos economistas, mas a Folha. apurou que ele será superior ao do ano passado, que, por sua vez, ficou aproximadamente em 4%.
Aos jornalistas, Canuto disse apenas, como já vem sendo reiteradamente informado, que será superior à meta originalmente combinada com o Fundo.
O economista da Fazenda acha "razoável" chegar a esse número, porque os fatores que atuaram a favor de um elevado superávit no ano passado continuam presentes. Entre eles, a arrecadação tributária em níveis recordes. Embora algumas receitas tenham expirado no ano passado, Canuto conta com outras tributações extraordinárias para manter uma receita elevada.
Conta também com "a racionalização de vários gastos". A Folha observou que racionalização de gastos é promessa de governo após governo, sem jamais ocorrer de fato. "Este governo é diferente", responde Canuto.
Os dois funcionários brasileiros também comentaram com os economistas as reformas estruturais que serão feitas, "ainda neste ano", como a da Previdência e a tributária. Reiteraram igualmente que será concedida "autonomia operacional" para o BC.
Canuto fez questão de explicar que, embora essas reformas levem algum tempo para produzir resultados em matéria de redução de gastos, o governo Lula "não precisa de resultados imediatos, porque com o arcabouço de hoje podemos garantir o superávit primário (deste ano)".
As reformas se destinam a dar, sempre segundo Canuto, "sustentabilidade" às contas públicas.
Os anúncios dos funcionários brasileiros soaram como música aos ouvidos de economistas ortodoxos como os que com eles se reuniram. Mas todos querem mais que palavras.

Otimismo
O espírito geral dos interlocutores de Meirelles/Canuto é resumido assim por Alan Blinder, uma espécie de decano deles, por ser um acadêmico brilhante e, além disso, ter sido membro do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca e vice-presidente do Banco Central dos EUA:
"Eles disseram uma porção de coisas corretas. Mas é preciso ver a implementação. Eu estou otimista", disse.
Canuto concorda plenamente que promessas só não resolvem. "A credibilidade não vai depender apenas de promessas. Terá que ser construída ao longo deste ano, que é crucial".
Crucial exatamente porque o governo Lula está convencido de que tem força suficiente para tocar de saída as reformas estruturais (previdenciária e tributária).
"O atual governo tem a legitimidade política para fazer as reformas estruturais logo no início da gestão, porque tem um respaldo popular que o governo anterior talvez tenha perdido a partir do fim do primeiro mandato", acredita o assessor internacional da Fazenda.
O "timing" da operação credibilidade combina à perfeição com a avaliação feita pelo anfitrião do café da manhã, o economista espanhol Guillermo de la Dehesa, que já foi ministro (no governo socialista de Felipe González), assessora a firma de investimentos Goldman Sachs e preside agora o Centro para Pesquisa de Política Econômica (Reino Unido).
"De momento, a sustentabilidade da dívida brasileira está conquistada. Agora, vamos ver se as reformas são de fato feitas, para que a sustentabilidade se torne permanente", diz De la Dehesa.
O superávit primário alto se destina, exatamente, a pagar a dívida, para evitar que a relação entre ela e a produção da economia (o PIB) se torne excessiva e leve os credores a suspeitar de um calote.
Foi com essa hipótese que os mercados financeiros trabalharam durante parte da campanha eleitoral de 2002, por desconfiar que um governo Lula adotaria políticas populistas e não a austeridade ontem reiterada.
A percepção mudou tanto que Martin Wolf, outros dos comensais de ontem, chega a dizer que se tratou de "maior mudança no humor dos agentes financeiros em um mês de que me lembre".
Wolf é o principal colunista econômico do jornal britânico "Financial Times" e, como tal, uma espécie de oráculo dos homens de negócio e investidores.


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