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São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 2003

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SOCIEDADE ALTERNATIVA

Gaúchos da capital se juntam a visitantes que participam do Fórum Social Mundial

Jovens de Porto Alegre trocam suas casas por dias no acampamento

ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE

Um outro mundo é possível. Às vezes a algumas quadras da sua própria casa. É o caso para jovens de Porto Alegre, que, mesmo morando com os pais na capital gaúcha, saem de casa e armam suas barracas no Acampamento Internacional da Juventude durante os dias do Fórum Social Mundial.
Fernanda Ely, 20, é estudante de farmácia na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Vai dividir até terça-feira uma tenda com seu namorado, também porto-alegrense, Luís Fernando Martins,19.
A diferença entre eles e seus milhares de vizinhos que ocupam o parque às margens do Guaíba não está só na procedência -quase todos os "moradores" do acampamento vieram de outros países ou de outras partes do Brasil-, mas muitas vezes também na rotina.
Questionados pela reportagem se poderiam tirar uma foto para o jornal no dia seguinte à entrevista, Fernanda respondeu: "Mas amanhã cedo tenho que ir para o trabalho".
Paulo Roberto e sua irmã gêmea, Milene Bobsin, 17, dividem uma barraca com outros três amigos porto-alegrenses. Todos são alunos ou ex-alunos do colégio estadual Júlio de Castilhos.
Ele diz que, desde o dia 18, quando chegou ao acampamento, já voltou "três ou quatro" dias para casa. "Vou em casa de tarde, almoço, tomo banho e volto". Mora onde? "Jardim Leopoldina. É um bairro de classe média baixa."
"Não é nada. É pobre", emenda Milene, que resolveu trabalhar como "facilitadora" para não precisar pagar os R$ 10 do credenciamento que permite a permanência no parque -o modo mais barato de se hospedar na cidade durante os dias do fórum. Sua função é ajudar na recepção e acomodação dos mochileiros que chegam de outras partes.

Gestão popular
"Chegaram dois ônibus de Niterói ontem. Eu falei: "oi, sou a Milene, vou ajudar vocês". Organizo como eles têm que entrar aqui. Explico a gestão... como é mesmo? A gestão popular. É o negócio do fórum."
O motivo para ela estar ali é esse? Fazer amizade com "a galera" do Rio, de Mato Grosso e da Alemanha" que conheceu?
Todos dizem que não. Antes de estarem ali para namorar, tomar cerveja e outras coisas mais, dizem que o que importa é o "espírito do fórum".
"Aqui está rolando um negócio de solidariedade. É o primeiro fórum de que participo. É mesmo tudo pela paz", afirma Milene.
Fernanda Nascimento, 18, está na rodinha em frente à barraca do grupo de Milene. É porto-alegrense, mas não dorme lá. "Tenho outros amigos de Porto Alegre que também estão acampados aqui. Outro dia saí às seis da manhã", disse.

Fome Zero
Companheira de barraca dos irmãos gaúchos, Luiza Almeida, 17, diz que já pediram um pouco de comida para integrantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) acampados próximo dali. "Se a gente está sem dinheiro, com muita fome, a gente pede."
Para a cerveja, não precisa. "Mulher bonita não paga pra beber", diz Milene. As amigas riem com o comentário.
O garçom Rafael Saraiva, 22, especula sobre a relação do fórum com a contracultura dos anos 60: "Comparam isso a Woodstock. Aqui é uma questão sócio-política. Lá era cultural-social. Mas a galera sempre lutou pelo mesmo ideal", diz.
Todos dizem não sentir falta de nada que deixaram em casa. "Um pouco de fome e frio a gente sente, porque está sem grana. Mas da TV ninguém sente falta", diz Carolina Mansur, 16.
Rafael faz propaganda de Porto Alegre: "E aí, gostou? Ela é bem organizada. Podia ser mais. É que nós temos só dez anos de governo do PT."
(RAFAEL CARIELLO)


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