São Paulo, quinta-feira, 26 de fevereiro de 2004

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JANIO DE FREITAS

O jogo do governo

A melhor providência do governo Lula ainda não é a melhor e talvez não chegue a sê-lo. Sua informação sobre o salutar fechamento dos bingos e caça-níqueis foi seguida da ressalva -dita com o jeito de quem diz, mas não diz- de que a decisão só vale "até que encontremos uma solução definitiva para essa situação".
Evidência imediata: Lula e, portanto, o governo não consideram o fechamento uma possível solução definitiva para o problema dos bingos e caça-níqueis. Dedução lógica: o fechamento, recepcionado pelo aplauso fácil, foi ditado por uma conveniência circunstancial, qual seja a esvaziar a CPI dos Bingos, que 48 horas antes obtivera, no Senado, as assinaturas necessárias à sua instalação. Os senadores do cordão governamental estão municiados do pretexto para retirar suas assinaturas.
O fechamento dos bingos e dos caça-níqueis não foi medida social nem moral. Foi jogada política.
Mas o bingo é jogo de azar: não exige aptidão alguma, só a sorte e sua falta o decidem. Ao explorá-lo, os bingos são cassinos de um único tipo de jogo. Os caça-níqueis são o que o nome denuncia. E a legislação brasileira, desde o governo Dutra, estabelece que os jogos de azar são proibidos no Brasil.
Entre as diferentes abordagens que o problema do jogo de azar autorizado pode ter, uma combina com cada uma das demais. É a do jogo de azar como cobertura para o dinheiro de procedência inconfessável. Método há muito tempo praticado.
Uma das primeiras campanhas de repercussão feitas por Carlos Lacerda, quando ainda jornalista, atacava a imoralidade administrativa na gestão do general Mendes de Moraes como prefeito do Rio, então Distrito Federal. As denúncias, ou a maneira de fazê-las, custaram a Lacerda uma surra daquelas, encomendada pelo prefeito.
Ao general, bastou dizer no inquérito, sem negar as acusações, que ganhara o dinheiro no jogo. Se Lacerda teve algum consolo, foi só o de derrotar o general, uns dez anos depois, na disputa pelo governo do antigo Distrito Federal transformado em Estado da Guanabara.
Veio da ditadura até anos recentes a moda de idas a Las Vegas. Grupos de políticos e empresários que viajavam com o propósito declarado de jogar nos cassinos, como dizia uma ou outra nota que às vezes aparecia em jornal. Está bem que nesses grupos fosse gente querendo divertir-se, mas para os outros a ida aos cassinos servia para declarar seus ganhos inconvencionais como frutos de sorte maravilhosa no jogo.
De uns anos para cá, as viagens à distante Las Vegas tornaram-se menos necessárias: o jogo permitido nos bingos facilitou as coisas; e a renovada moda dos cassinos no Uruguai tem feito o resto. Os mais simplórios fazem como o ex-deputado João Alves, o chefe dos "anões do Orçamento" que atribuiu seu enriquecimento a ganhos semanais na loteca da Caixa Econômica.
Não fosse sua implicação política, o caso de Waldomiro Diniz seria de uma banalidade entediante. Não há quem não saiba que o Brasil é devastado pela corrupção, das mais sofisticadas às mais medíocres formas. Quando pesquisas internacionais, como a mais recente da Transparência, situam o Brasil entre os países mais corruptos do mundo, as reações indignadas não conseguem negar a verdade que todos sabemos.
É a essa corrupção que os defensores do jogo de azar legalizado estão favorecendo, queiram ou não. Cassinos grandes ou pequenos, restritos ou não a localizações predeterminadas, limitados a certos jogos ou não, disseminam os meios de lavagem de dinheiro até para a corrupção pé-de-chinelo.
O argumento de defesa dos empregos não melhora a posição dos defensores do jogo, ainda que o limitem aos bingos e aos caça-níqueis. Mesmo que fossem verdadeiros -e obviamente não são- os 320 mil empregos que a associação dos bingos passou a citar, o número corresponde aos que foram desempregados em apenas seis meses do governo Lula, segundo a estimativa de 600 mil para 2003.
Mas os que estão em campanha favorável aos bingos e caça-níqueis não se puseram em campanha por uma política econômica que sustasse o desemprego na indústria, no comércio e nas demais atividades socialmente legítimas. Por trás do jogo, há dinheiro e dinheiro é poder. Não é à toa que no Congresso Nacional há 30 projetos propondo a legalização dos cassinos e dos jogos de azar em geral.


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