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JANIO DE FREITAS
O jogo do governo
A melhor providência do
governo Lula ainda não é a
melhor e talvez não chegue a sê-lo. Sua informação sobre o salutar fechamento dos bingos e caça-níqueis foi seguida da ressalva -dita com o jeito de quem
diz, mas não diz- de que a decisão só vale "até que encontremos uma solução definitiva para essa situação".
Evidência imediata: Lula e,
portanto, o governo não consideram o fechamento uma possível solução definitiva para o
problema dos bingos e caça-níqueis. Dedução lógica: o fechamento, recepcionado pelo
aplauso fácil, foi ditado por uma
conveniência circunstancial,
qual seja a esvaziar a CPI dos
Bingos, que 48 horas antes obtivera, no Senado, as assinaturas
necessárias à sua instalação. Os
senadores do cordão governamental estão municiados do
pretexto para retirar suas assinaturas.
O fechamento dos bingos e dos
caça-níqueis não foi medida social nem moral. Foi jogada política.
Mas o bingo é jogo de azar:
não exige aptidão alguma, só a
sorte e sua falta o decidem. Ao
explorá-lo, os bingos são cassinos de um único tipo de jogo. Os
caça-níqueis são o que o nome
denuncia. E a legislação brasileira, desde o governo Dutra, estabelece que os jogos de azar são
proibidos no Brasil.
Entre as diferentes abordagens
que o problema do jogo de azar
autorizado pode ter, uma combina com cada uma das demais.
É a do jogo de azar como cobertura para o dinheiro de procedência inconfessável. Método há
muito tempo praticado.
Uma das primeiras campanhas de repercussão feitas por
Carlos Lacerda, quando ainda
jornalista, atacava a imoralidade administrativa na gestão do
general Mendes de Moraes como
prefeito do Rio, então Distrito
Federal. As denúncias, ou a maneira de fazê-las, custaram a Lacerda uma surra daquelas, encomendada pelo prefeito.
Ao general, bastou dizer no inquérito, sem negar as acusações,
que ganhara o dinheiro no jogo.
Se Lacerda teve algum consolo,
foi só o de derrotar o general,
uns dez anos depois, na disputa
pelo governo do antigo Distrito
Federal transformado em Estado da Guanabara.
Veio da ditadura até anos recentes a moda de idas a Las Vegas. Grupos de políticos e empresários que viajavam com o propósito declarado de jogar nos
cassinos, como dizia uma ou outra nota que às vezes aparecia
em jornal. Está bem que nesses
grupos fosse gente querendo divertir-se, mas para os outros a
ida aos cassinos servia para declarar seus ganhos inconvencionais como frutos de sorte maravilhosa no jogo.
De uns anos para cá, as viagens à distante Las Vegas tornaram-se menos necessárias: o jogo permitido nos bingos facilitou
as coisas; e a renovada moda dos
cassinos no Uruguai tem feito o
resto. Os mais simplórios fazem
como o ex-deputado João Alves,
o chefe dos "anões do Orçamento" que atribuiu seu enriquecimento a ganhos semanais na loteca da Caixa Econômica.
Não fosse sua implicação política, o caso de Waldomiro Diniz
seria de uma banalidade entediante. Não há quem não saiba
que o Brasil é devastado pela
corrupção, das mais sofisticadas
às mais medíocres formas.
Quando pesquisas internacionais, como a mais recente da
Transparência, situam o Brasil
entre os países mais corruptos do
mundo, as reações indignadas
não conseguem negar a verdade
que todos sabemos.
É a essa corrupção que os defensores do jogo de azar legalizado estão favorecendo, queiram ou não. Cassinos grandes
ou pequenos, restritos ou não a
localizações predeterminadas,
limitados a certos jogos ou não,
disseminam os meios de lavagem de dinheiro até para a corrupção pé-de-chinelo.
O argumento de defesa dos
empregos não melhora a posição
dos defensores do jogo, ainda
que o limitem aos bingos e aos
caça-níqueis. Mesmo que fossem
verdadeiros -e obviamente
não são- os 320 mil empregos
que a associação dos bingos passou a citar, o número corresponde aos que foram desempregados em apenas seis meses do governo Lula, segundo a estimativa de 600 mil para 2003.
Mas os que estão em campanha favorável aos bingos e caça-níqueis não se puseram em campanha por uma política econômica que sustasse o desemprego
na indústria, no comércio e nas
demais atividades socialmente
legítimas. Por trás do jogo, há dinheiro e dinheiro é poder. Não é
à toa que no Congresso Nacional
há 30 projetos propondo a legalização dos cassinos e dos jogos de
azar em geral.
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