São Paulo, domingo, 26 de março de 2000


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MÍNIMO
Economista do governo alega que, se o governo desse os R$ 180, o crédito pelo aumento iria para o PFL
Governo escapou de sinuca, avalia FGV

MARTA SALOMON
da Sucursal de Brasília

Um dos autores da fórmula do piso salarial estadual com que o governo driblou as pressões políticas por um reajuste maior para o salário mínimo, o economista Marcelo Neri, da FGV, afirma que a saída permitiu ao governo escapar de uma "sinuca de bico". Não há dúvida no governo: sem o piso estadual, FHC não teria condições políticas de fixar o salário mínimo em apenas R$ 151.
Neri recomenda cautela aos governadores. Nada de valores altos, como os que vêm sendo divulgados, mas reajustes em doses "homeopáticas", defende.
Tão logo o Congresso aprove a lei complementar proposta pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, os governadores poderão, com aval das Assembléias, fixar como piso salarial em seus Estados qualquer valor acima do mínimo nacional.
O piso valerá para uma minoria de funcionários públicos regidos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e para os trabalhadores de categorias que não tenham pisos salariais próprios definidos anteriormente.
Chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, Marcelo Neri avalia que os salários poderão ser um componente na guerra fiscal entre os Estados, que tentam baratear custos para atrair investimentos. Esse seria um dos freios naturais da fórmula, segundo Neri.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida pelo economista na última sexta-feira.

Folha - Quais são as principais vantagens da fórmula do piso salarial estadual?
Marcelo Neri -
A adoção da minha proposta é adequada do ponto de vista político pois o governo se encontrava numa "sinuca de bico": se desse os R$ 180 (reivindicados pelo PFL), além de incorrer no estouro do déficit público, o mérito da decisão iria para os defensores do mínimo de US$ 100. Se ficasse apenas com o reajuste para R$ 151, o governo seria visto como socialmente insensível. Agora, a bola volta para os que assinaram o cheque do salário mínimo de US$ 100.
Há vantagens econômicas: o mínimo nacional acabou engessado e nivelado por baixo. Qualquer leigo percebe o equívoco de o salário mínimo do interior do Piauí ser o mesmo daquele em vigor na Grande São Paulo.

Folha - É possível imaginar, na prática, pisos estaduais de até R$ 1.000, como especulou o ministro Francisco Dornelles?
Neri -
O ministro citou um caso extremo para dizer que cada Estado será responsável pelos erros e acertos de suas decisões. O valor ideal varia de Estado para Estado e provavelmente dentro dos Estados. Os freios naturais da fórmula são a Lei Camata, que limita gastos com o funcionalismo, e a Lei de Responsabilidade Fiscal, além da capacidade de atração de investimentos. A guerra fiscal ganha um componente salarial. E, acima de tudo, há a proibição de alterar o mínimo em ano de eleição. A maior âncora do mínimo estadual serão as eleições.

Folha - Há risco de as desigualdades aumentarem com um piso mais elevado em São Paulo e baixo no Piauí, por exemplo?
Neri -
Acredito que, pelo contrário, as desigualdades entre Estados e dentro dos Estados vão cair ao longo do tempo com o mínimo regionalizado. Os governadores poderão levar em conta que o custo de vida na Grande São Paulo é 50% superior ao observado em João Pessoa.

Folha - O sr. considera viável o Maranhão fixar o piso em US$ 100 e o Rio de Janeiro, em R$ 400, como afirmaram os governadores desses Estados?
Neri -
Acho que os governadores deveriam reajustar homeopaticamente o mínimo acima da inflação, pois erros não serão facilmente reversíveis com inflação baixa. Há muito ainda o que aprender com o processo.

Folha - Há riscos na forma como o governo concebeu o piso estadual, sem teto máximo?
Neri -
O teto da banda proporcionaria maior previsibilidade ao futuro dos mínimos estaduais. Mas traria dificuldades políticas e geraria pressões sobre o governo federal a cada ano em torno da fixação do teto da banda. Sem teto ou banda, a proposta seguiu o modelo norte-americano, que está funcionando muito bem.

Folha - Será possível reduzir a pobreza no Brasil como ocorreu no início do Real com esse aumento de R$ 15 no mínimo?
Neri -
O aumento real concedido (5,08%) é bastante razoável. Corresponde ao crescimento de renda per capita em ano de "boom" econômico, embora a comunidade política não estivesse encarando dessa forma. A pobreza terá uma queda mais sustentável do que no caso de aumentos exagerados discutidos anteriormente.


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