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Índio diz que pediu para morrer
CELSO BEJARANO JR.
da Agência Folha, em Campo Grande
O índio Gildo Jorge Roberto, 18,
que enfrentou a tropa de choque
da Polícia Militar da Bahia durante as manifestações contra as comemorações dos 500 anos do
Brasil, foi recebido anteontem à
noite como "guerreiro" em sua
aldeia, em Rondonópolis (220
km de Cuiabá), em Mato Grosso.
"Fui recebido como guerreiro
pelo meu povo. Estão todos orgulhosos. Acham que fiz o certo ao
enfrentar a polícia. Acham agora
que eu sou um guerreiro. E eu sou
um guerreiro", disse.
Ele afirmou que, no momento
do confronto, foi até os policiais
na tentativa de detê-los. "Podem
me matar, mas deixem os índios
protestar. Somos pobres, humildes, mas também temos direitos", teria dito ao policial.
Ele reconhece, contudo, que
passou medo. "Não sabia o que
estava acontecendo. Foi horrível,
muito barulho, mulheres chorando, crianças gritando, eu não entendia nada. Nunca tinha visto
uma arma de perto."
"Fiquei de joelhos, supliquei,
chorei, gritei. Perguntava para
eles por que estavam fazendo tudo aquilo e eles me respondiam:
estamos cumprindo ordens, vocês têm de voltar, não vão estragar a festa."
Ele conta que foi agredido em
seguida pelos policiais. "Um deles encostou uma arma no meu
peito e eu caí no chão. A tropa
passou em cima de mim. Não
aguentei, comecei a chorar. Senti
uma dor profunda, ajoelhado."
Ele afirmou que levou outra
pancada quando, em seguida, tirou o rádio que estava na cintura
de um soldado. "Machucaram
minha cabeça. Mais tarde percebi
que alguém me levou embora."
Gildo viajou 3.000 quilômetros
para chegar à Bahia. Ele conta
que no sábado, antes do confronto, caminhou oito quilômetros.
"Estávamos preparados para
participar de um ato pacífico. Estávamos alegres, cantando, quando um inferno tomou conta de
nós." Sobre sua presença em Santa Cruz Cabrália, disse que, por
ser agente de saúde em sua aldeia,
foi escolhido pelo Cimi (Conselho Indigenista Missionário) para
representar os terenas.
"Não queríamos estragar a festa
de ninguém, se eu pelo menos
visse o presidente já estava bom
para mim. Queria que o presidente da República repensasse o
que ocorreu na Bahia. Parece o
começo da história, quando os
portugueses e bandeirantes acabaram com a gente."
Periferia
Gildo, que nasceu na aldeia
Água Azul, em Sidrolândia (MS),
em 19 de dezembro de 82, cresceu
em Rondonópolis (MT), para onde se mudou com a família em 83.
Morou até 1998 "debaixo de
uma lona" na periferia da cidade.
No início do ano passado, ele, a
família e cerca de 300 outros índios da tribo terena invadiram a
fazenda Campo Novo (a 18 km de
Rondonopólis), de 2.484 hectares
e avaliada em R$ 2,3 milhões.
Um mês depois, foram expulsos
e, desde então, ocupam uma área
de 40 hectares à beira da propriedade, onde cultivam abóbora.
O processo de desapropriação
está em Brasília e, segundo o Cimi
de Rondonópolis, basta a aprovação do presidente da República
para que os índios tomem posse
da área.
Gildo, seus pais (Dina Roberta,
56, e José Jorge, 67) e seu irmão
mais velho (José Jorge Filho, 38)
hoje moram em um barraco de
palha de um cômodo só.
"Não somos felizes porque falta
terra para a gente plantar e rios
para pescar", diz ele. A renda familiar é de um salário mínimo
-dinheiro adquirido com a aposentadoria do pai.
A família não tem rádio nem televisão. "Vejo TV nas lojas, quando vou à cidade. Sei que somos
pobres, mas um dia poderemos
conquistar tudo isso. Se conseguirmos terra, vamos plantar e
vender e ganhar dinheiro."
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