São Paulo, quarta-feira, 26 de abril de 2000


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Índio diz que pediu para morrer

CELSO BEJARANO JR.
da Agência Folha, em Campo Grande

O índio Gildo Jorge Roberto, 18, que enfrentou a tropa de choque da Polícia Militar da Bahia durante as manifestações contra as comemorações dos 500 anos do Brasil, foi recebido anteontem à noite como "guerreiro" em sua aldeia, em Rondonópolis (220 km de Cuiabá), em Mato Grosso.
"Fui recebido como guerreiro pelo meu povo. Estão todos orgulhosos. Acham que fiz o certo ao enfrentar a polícia. Acham agora que eu sou um guerreiro. E eu sou um guerreiro", disse.
Ele afirmou que, no momento do confronto, foi até os policiais na tentativa de detê-los. "Podem me matar, mas deixem os índios protestar. Somos pobres, humildes, mas também temos direitos", teria dito ao policial.
Ele reconhece, contudo, que passou medo. "Não sabia o que estava acontecendo. Foi horrível, muito barulho, mulheres chorando, crianças gritando, eu não entendia nada. Nunca tinha visto uma arma de perto."
"Fiquei de joelhos, supliquei, chorei, gritei. Perguntava para eles por que estavam fazendo tudo aquilo e eles me respondiam: estamos cumprindo ordens, vocês têm de voltar, não vão estragar a festa."
Ele conta que foi agredido em seguida pelos policiais. "Um deles encostou uma arma no meu peito e eu caí no chão. A tropa passou em cima de mim. Não aguentei, comecei a chorar. Senti uma dor profunda, ajoelhado."
Ele afirmou que levou outra pancada quando, em seguida, tirou o rádio que estava na cintura de um soldado. "Machucaram minha cabeça. Mais tarde percebi que alguém me levou embora."
Gildo viajou 3.000 quilômetros para chegar à Bahia. Ele conta que no sábado, antes do confronto, caminhou oito quilômetros. "Estávamos preparados para participar de um ato pacífico. Estávamos alegres, cantando, quando um inferno tomou conta de nós." Sobre sua presença em Santa Cruz Cabrália, disse que, por ser agente de saúde em sua aldeia, foi escolhido pelo Cimi (Conselho Indigenista Missionário) para representar os terenas.
"Não queríamos estragar a festa de ninguém, se eu pelo menos visse o presidente já estava bom para mim. Queria que o presidente da República repensasse o que ocorreu na Bahia. Parece o começo da história, quando os portugueses e bandeirantes acabaram com a gente."

Periferia
Gildo, que nasceu na aldeia Água Azul, em Sidrolândia (MS), em 19 de dezembro de 82, cresceu em Rondonópolis (MT), para onde se mudou com a família em 83.
Morou até 1998 "debaixo de uma lona" na periferia da cidade. No início do ano passado, ele, a família e cerca de 300 outros índios da tribo terena invadiram a fazenda Campo Novo (a 18 km de Rondonopólis), de 2.484 hectares e avaliada em R$ 2,3 milhões.
Um mês depois, foram expulsos e, desde então, ocupam uma área de 40 hectares à beira da propriedade, onde cultivam abóbora.
O processo de desapropriação está em Brasília e, segundo o Cimi de Rondonópolis, basta a aprovação do presidente da República para que os índios tomem posse da área.
Gildo, seus pais (Dina Roberta, 56, e José Jorge, 67) e seu irmão mais velho (José Jorge Filho, 38) hoje moram em um barraco de palha de um cômodo só.
"Não somos felizes porque falta terra para a gente plantar e rios para pescar", diz ele. A renda familiar é de um salário mínimo -dinheiro adquirido com a aposentadoria do pai.
A família não tem rádio nem televisão. "Vejo TV nas lojas, quando vou à cidade. Sei que somos pobres, mas um dia poderemos conquistar tudo isso. Se conseguirmos terra, vamos plantar e vender e ganhar dinheiro."


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