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OPINIÃO
Há mais do que bagres em jogo
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
Se o estofo de uma figura pública se mede pelo tamanho do
Rubicão que ela precisa cruzar,
Marina Silva está muito bem
servida: seu Rubicão particular
é um colosso de 3.352 quilômetros de extensão por 1 quilômetro de largura média, que lança
a cada segundo cerca de 29 mil
metros cúbicos de água barrenta no rio Amazonas.
A travessia da polêmica do
rio Madeira significa mais do
que a sobrevivência da ministra
ou a saúde dos bagres que seu
chefe tanto despreza. Significa
que o processo de licenciamento ambiental do país (regulamentado por lei, a propósito)
não será afogado no turbilhão
lamacento da pressão política.
Num parecer pouco lido e
muito comentado, oito técnicos do Ibama concluíram em
256 páginas o que qualquer
pessoa que tivesse lido o Rima
(Relatório de Impacto Ambiental) das usinas de Santo Antônio e Jirau já sabia: as análises
de impacto feitas pelos empreendedores são insuficientes. Não é possível conceder a
licença prévia com base nelas.
Sem novidades aqui. Os estudos de impacto ambiental no
Brasil via de regra são feitos para cumprir tabela, depois que a
decisão de fazer o empreendimento já está tomada. São
montados para que tanto empreendedor quanto governo digam o que o governo espera ouvir. Alguns, como os das hidrelétricas de Barra Grande (SC) e
Dardanelos (MT), ambas leiloadas pela Aneel no ano passado, beiram o surreal.
O parecer sobre o Madeira
culminou uma novela que se
arrasta desde 2003. Nesse
meio-tempo, audiências públicas foram realizadas, estudos
complementares foram pedidos e fatos "novos" apareceram, como a descoberta de que
os empreendedores ignoraram
o fato de que o Madeira é um rio
binacional e que as usinas poderiam alagar parte da Bolívia.
O documento do Ibama deveria ser, portanto, a palavra final sobre o assunto, independentemente de ataques "ad hominem" desferidos pela Odebrecht (para quem os técnicos
que o elaboraram são "jovens"
e, portanto, desqualificados) ou
agradar ou não ao presidente.
"Não há nenhuma pressão por
respostas positivas do Ibama",
disse à Folha ontem o novo secretário-executivo do ministério, João Paulo Capobianco.
Não mesmo?
Marina agora está numa sinuca: ou fica do lado dos técnicos que ela mesma contratou (e
que darão subsídios às decisões
do novo xerife ambiental, Paulo Lacerda), ou resolve que a
área técnica do Ibama é incompetente. Neste caso, abre-se a
porteira para uma nova sigla na
administração Lula, o PAD
(Plano de Aceleração da Devastação). E sedimenta-se a figura
de uma ministra que mantém o
verniz ambiental do governo,
mas não interfere nos assuntos
"de interesse nacional".
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