São Paulo, terça, 26 de maio de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Quero de volta o dinheiro confiscado do meu avô"

da Reportagem Local

Em 1942, mal soube que Getúlio Vargas aderira à guerra contra o Eixo, Fritz Johannes Friedrich comprou uma bandeira verde-amarela para comemorar.
Mesmo morando na Suíça, cultivava íntimas relações com o Brasil. Entre 1904 e 1906, trabalhou como comerciante em São Paulo, onde aprendeu português.
Retornou à cidade durante a década de 20. Vislumbrou um mercado emergente e, com o amigo alemão Ricardo Buchholtz, abriu uma loja de tecidos na rua Direita (centro). Da Europa, administrava o negócio.
Depois que o sócio morreu, em 1933, fundou outra loja, na rua Barão de Itapetininga, desta vez com o brasileiro Antonio Furtado Äque, detendo 60% das ações, emprestou o nome para o estabelecimento.
Foi, portanto, uma enorme decepção descobrir, em 1944, que o Estado Novo iria expropriá-lo. Friedrich nunca entendeu direito o motivo.
Reinvestia no Brasil boa parte do lucro que tirava da A. Furtado & Cia. Ägesto pouco provável para um inimigo do país, como agora o decreto 4.166 o qualificava.
"Súdito do Eixo" lhe parecia um rótulo ainda mais absurdo. Não vivia na Alemanha desde 1915. Trocou-a por Zurique quando, convocado pelo Exército, se negou a participar da Primeira Guerra.
Com a ascensão nazista, rejeitou definitivamente a nacionalidade alemã. Tornou-se refugiado israelita porque as leis do Terceiro Reich o consideravam judeu Äembora, àquela altura, ele já tivesse abandonado as tradições de seus antepassados e professasse o cristianismo. Tentou se naturalizar suíço, sem sucesso.
Até morrer, em dezembro de 1957, acreditou que poderia resgatar a quantia sequestrada pela ditadura de Vargas.
Chegou a se comunicar, por carta, com advogados de São Paulo. Enviou a primeira em 1947 e uma outra, seis anos depois. Não conseguiu nem sequer saber onde o governo depositara o dinheiro.
Apenas em 1964 é que o mistério se esclareceu. O advogado e consultor financeiro Hansjurg Brumann, neto de Friedrich, retomou a procura e recebeu uma correspondência do Banco do Brasil.
Descobriu, então, que a renda confiscada se encontrava lá. E que somava, na época do sequestro, Cr$ 202.668,20 Äo que equivaleria atualmente a cerca de US$ 85 mil, levando-se em conta a inflação norte-americana.
Brumann tenta recuperá-la há 34 anos. Já contatou o Consulado da Alemanha em São Paulo, a Embaixada da Suíça e o Banco Central.
Desde novembro de 1997, o caso está na Comissão de Apuração de Patrimônios Nazistas, subordinada à Secretaria Nacional de Direitos Humanos, mas ainda não entrou em discussão.
O que ninguém informou a Brumann é que, por duas ocasiões, o Brasil determinou regras para devolver os bens confiscados.
Um decreto presidencial de 1956 previa a restituição dentro de dois anos Äprazo que acabou prorrogado diversas vezes.
Em 1974, a lei 6.122 estabeleceu que os interessados teriam mais cinco anos para exercer o direito do resgate.
Os bens não recuperados naquele período passaram a pertencer à União. Hoje, permanecem sob a guarda do Banco do Brasil, só que estão em processo de transferência para o Tesouro Nacional. Não há um cálculo preciso de quanto valem.
Por telefone, de Zurique, Brumann, 61, disse que continuará brigando pelo dinheiro Äe que não descarta a possibilidade de reivindicá-lo judicialmente.
"Já ficaria satisfeito se conseguisse reaver a quantia original, sem reajustes. Quero apenas reparar a injustiça contra meu avô." (AA)



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.