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São Paulo, quinta-feira, 26 de junho de 2003

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CONFLITO AGRÁRIO

Desde conflito no Pará, em 96, governos têm sido cautelosos

Estados deixam de cumprir 338 reintegrações de posse

EDUARDO SCOLESE
EDUARDO DE OLIVEIRA
JAIRO MARQUES
DA AGÊNCIA FOLHA

Existem hoje, em 22 Estados do país, pelo menos 338 mandados de reintegração de posse de propriedades rurais não cumpridos pelos governos estaduais. Pará (161), Mato Grosso (68), Alagoas (20) e Minas Gerais (12) são os Estados que lideram o ranking.
Os dados representam o resultado do cruzamento de informações de levantamento feito pela Agência Folha em secretarias estaduais de Segurança Pública com pesquisa da Ouvidoria Agrária Nacional. Os números não levam em consideração áreas federais, como terras indígenas.
Pelo rito jurídico, o dono ou arrendatário de terra invadida pleiteia junto à Justiça a reintegração da posse. Caso concedida, cabe a um oficial de Justiça fazer com que a ordem seja cumprida. A Polícia Militar, em geral, garante o cumprimento do mandado.
Em março passado, a ouvidoria solicitou os números a todos os governos estaduais. Apenas 14 responderam. Ontem, a reportagem solicitou os dados a todas as secretarias estaduais da Segurança Pública. AP, ES, RJ, RR e SP não responderam à Agência Folha.
"Pode haver casos em que os sem-terra já abandonaram a área ou a própria PM cumpriu a determinação da Justiça. Mas todos os números enviados foram na condição de não-cumpridos", disse o ouvidor agrário nacional, Gercino José da Silva Filho.
A ouvidoria solicita os números para analisar cada um deles. Se a área invadida for improdutiva ou grilada, o órgão relata tal informação ao juiz, na expectativa de que ele retire a ordem de reintegração. Mas, caso a propriedade seja produtiva, a ouvidoria negocia a saída dos trabalhadores rurais.

Cautela
As ações de reintegração de posse passaram a ser revistas a partir de 1996, quando 19 sem-terra morreram num confronto com policiais militares durante a desobstrução de uma estrada, em Eldorado do Carajás (PA).
Atualmente, os governos estaduais têm preferido estender ao máximo as negociações entre proprietários e trabalhadores rurais, fato que tem gerado indignação entre as entidades ruralistas. Em Alagoas, por exemplo, existe um grupo da PM exclusivo para intermediar conflitos agrários.
"A lei existe para ser cumprida. Se o Judiciário manda reintegrar, isso tem de ser obedecido pela Polícia Militar", afirmou Luiz Antonio Nabhan Garcia, presidente nacional da UDR (União Democrática Ruralista).
Na opinião do advogado Diamantino Silva Filho, 60, especialista em direito agrário, a "omissão" dos governos estaduais diante das determinações do Poder Judiciário pode ser explicada de outra maneira: "Como não existe um programa de reforma agrária, os governadores não sabem o que fazer com as famílias que vierem a ser retiradas da terra".
Um dos focos da atual tensão no campo, o Paraná coleciona um total de 13 mandados de reintegração não cumpridos. O próprio governador Roberto Requião (PMDB) tem polemizado a questão: "Não queremos mortes ou conflitos no campo. Vamos cumprir qualquer ordem judicial, mas a posse de Lula criou uma expectativa nacional em torno da reforma agrária. Vamos negociar e trabalhar com a persuasão até o limite do possível".
Em Mato Grosso, a ouvidoria informou que 42 mandados estão pendentes. Segundo a Secretaria Estadual da Segurança Pública, "seriam 68 ao longo dos últimos cinco ou seis anos".
A assessoria de imprensa da secretaria informou que se trata de pedidos de força policial para o cumprimento do mandado, o que não significa necessariamente ordens expedidas pelo Judiciário. E que os dados são provisórios e estão passando por uma atualização.


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