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DESIGUALDADE
Representante no Brasil em órgão da ONU ataca a eficácia dos programas de transferência de renda no país
Falta política social ao governo, afirma Unicef
GABRIELA ATHIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A representante do Unicef (fundo da ONU para a infância) no
Brasil, Reiko Nimi, fez ontem críticas aos programas sociais do governo federal e afirmou que o país
não tem mecanismos suficientes
para erradicar a pobreza.
A japonesa Nimi, 45, deu entrevista à Folha ontem, dia em que o
Unicef lançou estudo sobre os
efeitos da desigualdade no país
sobre a infância.
Nimi, que chefia a representação do órgão há quatro anos, criticou a eficácia de programas de
transferência de renda, base da
política social aplicada nos mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e por enquanto
a principal ferramenta do setor no
governo Luiz Inácio Lula da Silva.
A seguir, trechos da entrevista.
Folha - O governo brasileiro vem
trabalhando para reduzir a exclusão social por meio de programas
de transferência de renda, como o
Bolsa-Escola. Isso é suficiente?
Reiko Nimi - É um bom início,
mas não é o suficiente. Nós definimos pobreza e desigualdade com
indicadores que ultrapassam o indicador financeiro. Falamos de
indicadores sociais que requerem
investimento de longo prazo. Não
é uma transferência de R$ 15 que
vai mudar a situação das famílias,
o nível de educação da mãe, dos
filhos e nem assegurar saúde.
Folha - Aumentar o valor repassado às famílias, como quer o governo, não vai resolver o problema?
Nimi - Com base na transferência de renda podem ser construídas outras ações. O Bolsa-Escola
dá mais certo, e isso se traduz na
melhoria do desempenho escolar
dos alunos, em municípios onde
há ações complementares que estimulam a permanência na escola. Quem recebe bolsa também
precisa de serviços sanitários e
odontológicos gratuitos. Esse é
um exemplo de complementaridade que vai além da transferência de renda.
Folha - Como a senhora avalia a
decisão do governo de unificar os
programas sociais?
Nimi - Melhora a eficiência dos
programas, mas estamos preocupados porque enquanto estão
rearrumando as coisas, crianças
que estavam recebendo bolsas em
anos anteriores para deixar de
trabalhar nos lixões, por exemplo,
não estão mais.
Folha - O Brasil tem conseguido
reduzir a pobreza de forma estrutural?
Nimi - O conceito de pobreza é
difícil. Indicadores como a mortalidade infantil estão melhorando.
Mas isso não é igual à redução de
pobreza porque teríamos de pensar além da sobrevivência diária
das famílias. Os programas de
transferência de renda impedem
que as pessoas morram de fome.
Mas só com ações complementares dá para investir no desenvolvimento humano.
Folha - Como a senhora avalia o
Fome Zero?
Nimi - Temos a logomarca do
Fome Zero na campanha do aleitamento materno. O Unicef não
entra no Brasil com distribuição
de comida. Um aspecto importante do programa é a valorização
do registro de nascimento.
Folha - As ações que a senhora
chama de complementares estão
sendo feitas?
Nimi - Os esforços estão sendo
feitos, mas não é sistemático e não
chegou a ser uma política pública.
Este novo governo ainda não se
posicionou sobre isso, ainda está
tentando entender a situação.
Ainda não colocou um novo programa dizendo: vai ser assim. Está
estudando, pesquisando, examinando, ouvindo.
Folha - O governo é lento?
Nimi - A expectativa é grande
para que o presidente Lula tome
atitude.
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