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São Paulo, sábado, 26 de julho de 2003

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INVESTIGAÇÃO

Marivonne Caillibotte afirma em entrevista à BBC que a Justiça francesa investiga se houve "lavagem de dinheiro"

Juíza diz que conta de Maluf foi bloqueada

ROBERTO COSSO
ENVIADO ESPECIAL A PARIS

O saldo da conta bancária do ex-prefeito paulistano Paulo Maluf na agência do Crédit Agricole, em Paris, ficará bloqueado durante todo o processo de investigação da Justiça francesa, afirmou ontem a juíza Marivonne Caillibotte, responsável pelo serviço de comunicação do Tribunal de Grande Instância de Paris, durante entrevista à BBC.
Caillibotte afirmou que o saldo da conta é de US$ 1,8 milhão e que o valor poderá ficar bloqueado "durante meses e até mesmo vários anos, dependendo do desenrolar das investigações".
De acordo com Caillibotte, o Tribunal de Paris considerou importante bloquear imediatamente o dinheiro de Maluf, para evitar que o montante, eventualmente, deixe o território francês.
A juíza afirmou que a Justiça francesa investiga a possibilidade de ter havido "lavagem de dinheiro em bando organizado" nas operações financeiras realizadas pelo ex-prefeito e ex-governador.
A juíza diz ainda que a utilização da expressão "bando organizado" decorre da possibilidade de outras pessoas estarem envolvidas em uma eventual operação de lavagem de dinheiro.
Transações financeiras feitas pelo ex-prefeito no banco Crédit Agricole são objeto de investigações da Justiça francesa desde maio deste ano. É um procedimento de averiguação preliminar.
A informação é da agência de inteligência financeira da França, chamada Tracfin (Traitement du Renseignement et Action contre les Circuits Financiers Clandestins), órgão responsável pelo combate à lavagem de dinheiro.

Depósito
Conforme a Folha revelou na edição de 28 de junho, Maluf abriu uma conta em janeiro deste ano em uma agência do Crédit Agricole, em Paris. Em 16 de abril, a conta recebeu um depósito no valor de US$ 1.455.321,50, proveniente da Fundação Blackbird.
Na época, Maluf confirmou a existência da conta e o recebimento do depósito originário da Fundação Blackbird, sem justificar a origem dos recursos da empresa. Ele disse também que enviou legalmente do Brasil cerca de US$ 350 mil para a conta, dinheiro proveniente da venda de terrenos com prédios em São Paulo, cujas remessas estão registradas no Banco Central do Brasil.
Segundo documento enviado ao Brasil pelo Tracfin, a Fundação Blackbird é uma empresa "offshore" em Liechtenstein (paraíso fiscal na Europa). Esse tipo de empresa tem ações ao portador e os nomes de seus donos não ficam registrados em nenhum lugar.
Mas, de acordo com o documento, o serviço de inteligência francês identificou que Flávio Maluf, filho do ex-prefeito, seria o beneficiário da empresa. O advogado Ricardo Tosto, que representa Maluf e Flávio, confirmou que a empresa "offshore" pertence a Flávio Maluf. Apesar disso, ela não está declarada no Imposto de Renda do filho do ex-prefeito.
A Fundação Blackbird possui uma conta no banco Barings, em Genebra (Suíça). Dessa conta saiu o depósito de US$ 1,4 milhão recebido por Maluf. Mas a origem dos recursos da Fundação Blackbird jamais foi esclarecida pela família de Maluf. Esse foi o tema do depoimento prestado por Maluf na quinta-feira em Paris, quando ele foi detido pelas autoridades de combate à lavagem de dinheiro.
Maluf nega ter sido detido. Ele diz que apenas aceitou um convite para prestar esclarecimentos, o que fez espontaneamente. O Tracfin informou porém que Maluf prestou depoimento "por obrigação legal" e que não o fez espontaneamente. A informação foi confirmada pela Direção Geral da Polícia Nacional, órgão do Ministério do Interior francês.
Maluf foi interrogado por cerca de quatro horas, mas ficou à disposição das autoridades francesas por quase 11 horas. Foi detido às 10h40 e somente conseguiu ser liberado por volta das 21h. Ao ser interpelado pela polícia fazendária, Maluf exibiu dois passaportes brasileiros diplomáticos (concedidos em razão de sua condição de ex-governador, ex-prefeito e, na época, presidente do PPB).
Os policiais consultaram o Ministério das Relações Exteriores francês, que contactou a embaixada brasileira para saber se Maluf estava na França em missão diplomática ou viagem oficial. Diante da negativa, o governo francês informou aos policiais que não havia impedimento para que o casal fosse detido.

Investigação
O caso começou quando o banco Crédit Agricole suspeitou do depósito de US$ 1,4 milhão recebido por Maluf e informou o fato ao Tracfin. A legislação francesa obriga que os bancos notifiquem as autoridades sobre operações suspeitas. O banco destacou ontem essa obrigação em nota.
A partir da comunicação do banco, o Tracfin iniciou a investigação, em colaboração com o juízo de instrução de cuida dos casos de lavagem de dinheiro. Justamente por estar acompanhando o caso, o juiz de instrução Henri Pons determinou que Maluf fosse detido anteontem. Por ter cumprido a determinação judicial, o Crédit Agricole afirmou que "se limitou a seguir as instruções das autoridades judiciárias".
Nessa fase, o procedimento de averiguação preliminar investiga fatos, não pessoas. Por isso Maluf foi liberado após prestar depoimento. Ao longo das investigações, o juiz Pons poderá atribuir responsabilidades a pessoas determinadas e, então, transformar o procedimento em um inquérito.


Colaboraram FERNANDO EICHENBERG, free-lance para a Folha, em Paris, e JOÃO NOVAES, free-lance para a Folha Online, em Paris


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