São Paulo, Domingo, 26 de Setembro de 1999
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CELSO PINTO

A "desrepressão" financeira

Washington - A decisão do Banco Central, sexta-feira, de permitir que Estados e Municípios com bom comportamento fiscal possam tomar até R$ 600 milhões nos bancos é um "primeiro passo" na direção de dar mais liberdade a eles, explicou o presidente do BC, Armínio Fraga, em conversa com o colunista.
A idéia é combinar uma garantia de disciplina, que seria dada pela aprovação da lei de responsabilidade fiscal, com maior liberdade para se endividar, desde que submetidos à avaliação do mercado. A medida também é parte do projeto do BC de "desreprimir" o sistema financeiro, eliminando aplicações compulsórias e dando mais flexibilidade para aplicar recursos.
A curto prazo, a medida funcionará como "um prêmio aos bons governos". Armínio garante que a medida foi desenhada "dentro de uma postura conservadora", por três razões.
A primeira é que só beneficiará Estados e municípios que estejam cumprindo todos os pré-requisitos de bom comportamento fiscal definidos pela resolução 78 do Senado. Armínio disse não saber quantos poderiam caber nesse figurino, mas outra fonte disse que é provável que não beneficie mais do que seis municípios, entre eles Vitória.
A segunda é o teto de R$ 600 milhões, que cabe nos gastos orçamentários sem comprometer a meta de um superávit primário de 3,1% do PIB. É verdade que parte da receita imaginada para cumprir essa meta depende de decisões do Supremo Tribunal Federal, mas Armínio diz que, se o governo perder, haverá cortes equivalentes nos gastos.
De outro lado, contudo, o governo não pretende superar a meta fiscal acertada com o FMI. Se houver espaço para mais gastos, sem comprometer os 3,1%, eles serão liberados.
A terceira razão é que o critério para os bancos emprestarem os R$ 600 milhões exclui, na prática, os bancos estatais. Só bancos privados poderão emprestar, se considerarem o risco adequado.
A idéia de dar mais liberdade, no futuro, para Estados e municípios se endividarem com bancos privados faz sentido, mas apenas se ficar claro que o governo federal não vai assumir a dívida, caso ela não seja paga, como tem acontecido nas últimas décadas. Daí porque depende da lei de responsabilidade fiscal.
A medida se encaixa no projeto de "desrepressão financeira", que Armínio pretende anunciar, com mais detalhes, em algumas semanas. Ele tem três dimensões: a redução dos compulsórios bancários, a eliminação das aplicações obrigatórias dos bancos e a redução na carga tributária nas operações financeiras.
A redução dos compulsórios já começou e vai continuar. De forma prudente, como diz Armínio.
Eliminar aplicações compulsórias mexe em dois vespeiros: os créditos agrícola e para o setor imobiliário. Armínio diz que o BC ainda está estudando alternativas para esses setores. No caso do crédito imobiliário, alguma flexibilidade já foi permitida, mas a idéia é ir muito além disso. Não há prazo para a mudança.
A mudança tributária já está incluída no projeto de reforma tributária que está sendo examinado pelo Congresso. A idéia é eliminar a incidência de IOF, Cofins, PIS e CPMF sobre as transações. São impostos que incidem em cascata e penalizam o custo final do dinheiro.
Armínio chegou em Washington na sexta, para a reunião anual do FMI. Participou de um seminário fechado, "The World Economy Laboratory", do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Ele reúne, anualmente, investidores e autoridades de peso, e, por ser fechado, se caracteriza pela franqueza.
Armínio traçou um quadro otimista para o próximo ano. Mesmo num cenário negativo, com problemas internacionais, ele acha que o Brasil poderia crescer 2% a 3%. Num cenário positivo, a economia cresceria de 3% a 4%, com chances de surpresas para cima.
Ele explicou que a inflação não fugiu de controle com a desvalorização por três fatores: a recessão, o fato de a economia ser pouco aberta e de a indexação, hoje, ser baixa. Ele não acha que haverá repique inflacionário, mas admitiu que o BC está alerta para o impacto da recuperação econômica sobre os preços.
A uma pergunta se a impopularidade do presidente poderia afetar as reformas, Armínio minimizou o risco. Lembrou que o presidente tem mantido uma firme disposição em adotar medidas duras, mas necessárias. "Ele sabe que não existe atalho, nem saída fácil", disse.
Clinton costuma reclamar da "minoria organizada" contra ele, observou Armínio. "Fernando Henrique, ao contrário, costuma dizer que seu problema é a maioria desorganizada que o apóia", emendou.


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