São Paulo, terça-feira, 26 de setembro de 2000

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JANIO DE FREITAS

O país dos maus papéis

A falsidade do argumento que levou o Brasil a ajudar a fuga e asilo de Vladimiro Montesinos, o bandido controlador da corrupção peruana, não precisa de nada além da lógica mais simplória para desmascarar-se.
Caso Montesinos estivesse mesmo na iminência de dar ou tentar um golpe de Estado, com seus aliados militares, é porque estaria em posição de força no Peru. Mas a fuga, ao cabo de uma semana escondido, denuncia o oposto. Só a completa fragilidade, com falta de condições até para continuar simplesmente no país, poderia levá-lo ao último recurso que é a fuga.
Ao desempenhar o principal papel na articulação da fuga e asilo de Montesinos no Panamá, Fernando Henrique Cardoso não proporcionou a proteção brasileira a uma figura qualquer. O currículo de Montesinos merece ser lembrado, ainda que da maneira mais resumida.
Expulso do Exército por ter vendido à CIA segredos militares do seu país, relativos a um possível conflito com o Chile, foi presidiário por um ano. Denunciado pelo maior traficante de drogas do Peru, preso mais por equívoco, como receptador dos pagamentos para proteção ao narcotráfico. Controlador do SNI de lá, articulou todos os tipos de corrupção que dominam o governo de Fujimori, inclusive a eleitoral. Mais recentemente, tornou-se o principal suspeito no descoberto contrabando de armas, via Peru, para a guerrilha colombiana. De reconhecida crueldade, foi o orientador da repressão brutal do governo Fujimori à oposição partidária, às organizações civis e à mídia independente.
O governo brasileiro é o grande responsável externo pela gravidade da situação peruana, por ter recusado apoio, na OEA, à exigência de nova eleição, dadas as evidências da fraude que deu Fujimori como vencedor pela terceira vez. Os fatos estão condenando a posição do governo Fernando Henrique que comprometeu o Brasil com o regime mais corrupto e violento da atualidade latino-americana. Nova condenação virá em breve.
O argumento dado por Fernando Henrique à presidente do Panamá, Myreia Moscoso, para recuar na rejeição de asilo a Montesinos, é um artifício sem o menor contato com a realidade evidente. A fuga de Montesinos não é solução para a crise peruana, quanto mais a única solução. Talvez seja até agravadora, porque nega ao povo peruano a possibilidade de vê-lo submetido a investigação e julgamento. O grande corrupto, o grande criminoso está a salvo. Com a ajuda decisiva do Brasil, que articulou seu abrigo no Panamá, para gozar em liberdade o produto dos seus feitos.
Fernando Henrique Cardoso estende ao âmbito internacional sua repulsa a investigações de corrupção. Os protegidos ainda lhe dão o título de grande benemérito. Mas o Brasil é que fica como o país dos papéis indecentes.


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